31/03/2005
1 - Erradicar a extrema pobreza e a fome: Desigualdade cresce em SP e entrava meta
Relatório do Pnud avisa que Brasil ficará 8 pontos percentuais abaixo do objetivo de reduzir a pobreza pela metade até 2015
ESTANISLAU DE FREITAS
COLABORAÇÃO PARA A
FOLHA
Joel Silva/Folha Imagem |
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Homens remexem lixão em Cajuru (interior de SP) |
O Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) diz que, mantido o ritmo da última década, o Brasil chega perto, mas não alcança a meta de reduzir a pobreza pela metade até 2015.
Com diferentes projeções -todas a partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)-, o relatório de avaliação dos Objetivos do Milênio, divulgado na última quarta pelo Pnud, aponta que, na melhor das hipóteses, a redução de pobres até 2015 será de 41,64%, e a de indigentes, de 42,6%.
A projeção foi feita considerando pobres os que viviam, em agosto de 2000, com menos de R$ 75,50 por mês (meio salário mínimo), e indigentes os que ganhavam metade disso.
Por mais paradoxal que pareça, o Estado de São Paulo, o mais ri- co da federação, puxa a expectativa para baixo. Enquanto Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina reduzirão a pobreza em mais de 60%, São Paulo registrará um aumento de 34%.
O relatório faz ainda um outro cálculo a partir do conceito de "elasticidade renda-pobreza". Grosso modo, a elasticidade é um fator logarítmico de correção que aponta a variação de pobreza em função da renda domiciliar per capita. Por esse método, a pobreza do país cairia menos de 20%.
Quantos pobres?
Para piorar a situação, o país não sabe quantos brasileiros são pobres. Considerando os 170 milhões contados pelo Censo 2000, podem ser 8 milhões de pobres, se o critério for sobreviver com pelo menos US$ 1 (cerca de R$ 3) por dia; ou 52,3 milhões, se com uma renda mínima mensal de meio salário mínimo por pessoa (R$ 130, em valores atuais).
Se for para o Bolsa-Família, principal programa de transferência de renda do país, o corte é R$ 100/mês por pessoa. Nesse caso, seriam 42 milhões de pobres.
"Falta ainda [o governo] discutir uma linha de pobreza, sobre- tudo para utilizar no Bolsa-Fa- mília", afirmou à
Folha o secretário de avaliação e gestão da informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Rômulo Paes, 45.
Em seu relatório de acompanhamento dos Objetivos do Milênio (ODM), divulgado em setembro, o governo federal usa o indicador mais otimista, o da sobrevivência com até US$ 1/dia, adotado também pelo Banco Mundial.
Com esse indicador, o país reduziu os muito pobres de 8,8% em 1991 para 4,7% em 2002. E, contrariando o Pnud, o governo diz que falta pouco para atingir a meta: 0,3 ponto percentual.
"Mas a desigualdade não se alterou", diagnostica o professor de economia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Eduardo Pontual Ribeiro, 35, que coordena o laboratório regional Sul de acompanhamento dos ODM para o Pnud.
Ele diz que os 20% mais pobres aumentaram sua fatia na renda nacional de 3% para 4,2%, mas o pedaço dos 20% mais ricos saltou de 55,7% para 56,8%.
"Trabalhamos para o cumprimento do objetivo com qualquer indicador de pobreza", diz Paes, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. "O emprego começa a reaquecer, e aumentou o investimento social."
Segundo dados do ministério, o governo mais que dobrou as transferências de renda em relação a 2002. Naquele ano, os programas federais (Bolsa-Escola, Auxílio-Gás, Bolsa-Alimentação e Cartão-Alimentação) somaram R$ 2,3 bilhões. Em 2004, o Bolsa-Família, que unificou os quatro, pagou R$ 5,72 bilhões.
Fim da miséria
Diante dessas cifras, o apoio da iniciativa privada a programas de redução da pobreza é uma gota. Sabendo disso, um grupo de empresários criou a ONG Apoio Fome Zero em 2003, hoje com 84 associados. "Mostramos às empresas que não é fazendo doações que elas vão ajudar. Algumas atribuições são do governo, não vamos substituí-las", diz o diretor-superintendente, Walter Belik, 49.
Sônia Regina Martins Brito, 37, era catadora de papel nas ruas de São Paulo desde 2000 e incluiu os quatro filhos, hoje com 17, 16, 13 e 11 anos, no projeto Formação, da Fundação Orsa, para crianças e jovens no Glicério, bairro pobre e local de concentração de catadores no centro da capital.
Nas 11 unidades do projeto pelo país, crianças e jovens têm apoio para continuar ou voltar a estudar, aulas de capacitação artística e profissional e refeição durante o meio período em que não estão na escola. Em dez anos, quase 9.000 foram atendidos.
A catadora passou a participar de reuniões e virou voluntária; de voluntária, conquistou uma vaga de ajudante de cozinha no próprio projeto. Hoje recebe R$ 345 mensais, mais cesta básica, vale-transporte e a bolsa do Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) do governo federal.
Patrícia, 13, é filha de Sônia e cursa a 8ª série. Faz curso de construção de instrumentos de percussão e informática. Já sabe mexer no programa Excel e navega na internet. "Vou ser psicóloga."
Outros projetos de geração de trabalho e renda se espalham pelo país, como os de apoio ao desenvolvimento local da Fundação Banco do Brasil, que investe em apicultura, cajucultura, criação de cabras e produção de biodiesel de mamona (Nordeste); artesanato e fruticultura (Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Vale do Jequitinhonha, MG); e em programas de reciclagem por todo o país.