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O estilista Alexandre Herchcovitch, embrulhado no edredon que assina para a marca Zêlo

Eles estão se conhecendo

Moda assume seu namoro com o Marketing, interessado apenas em sua beleza e glamour; relacionamento está cada vez mais sério

texto Erika Palomino
reportagem Henriette Mirrione e Carol Delboni

A décima-oitava São Paulo Fashion Week foi a de maior público (84 mil pessoas), a de maior número de participantes (47 desfiles) e a de maior custo: R$ 6 milhões. Mais do que somente um evento feito para mostrar os lançamentos para imprensa especializada, compradores e convidados das marcas, entretanto, a São Paulo Fashion Week se transformou numa grande feira, evidenciando um relacionamento que se torna cada vez mais sério: moda & marketing.

Os 15 patrocinadores do evento dividem o espaço comum da Bienal em lounges ou HCs (hospitality centers). Além do que pagam para que o evento aconteça, gastam também com as montagens dessas salas, de onde irradiam badalação, com muitos fotógrafos, VIPs, presentinhos, comida e bebida. As despesas com esses ambientes podem ficar entre R$ 150 e R$ 200 mil.

Enquanto isso, na passarela, os estilistas se esforçam para mostrar bem seus patrocinadores e parceiros -que suaram a camisa para conseguir. Com as dificuldades enfrentadas nos últimos anos pelo varejo, o dinheiro tem vindo de fora da moda. Além disso, muitas marcas enxergam no mundo fashion a solução para seus "reposicionamentos", onde podem "agregar valor" a seus produtos. Que valor? Glamour, beleza, prestígio, fama, mídia... Uma via de mão dupla, em que o interesse se faz recíproco.

De cartões bancários a rações para animais, passando por telefones celulares, equipamentos eletrônicos, bebidas de toda natureza (de energéticos a aguardentes), gomas de mascar, chocolates e desodorantes, absorventes femininos e anticoncepcionais, todos estão interessados na moda.

"O mercado de consumo precisa de atributos emocionais para ganhar mais competitividade, e a moda é um universo que emociona, trabalhando com linguagens de comunicação associadas ao belo e ao desejo", teoriza o consultor Carlos Ferreirinha, especializado no mercado de luxo.

Marcas, estilistas e profissionais de marketing quebram a cabeça para criar as mais diversas "ações". Em julho de 2004, o Banco Real realizou um lançamento no qual a estratégia tinha a moda como principal ferramenta de comunicação. "Estávamos apresentando um cartão com metade do tamanho do convencional. Resolvemos ousar também no lançamento do produto", conta Robert Wieselberg, superintendente-executivo do banco. A Zoomp usou o minicartão como "acessório" no desfile. O banco considerou o retorno "satisfatório": "Em 45 dias recebemos mais de 200 mil ligações solicitando o produto ou informações sobre ele".

"O principal retorno é o de imagem. Por meio da moda promovemos nosso produto e reforçamos seus atributos", justifica Flavia D'Elia, gerente de marketing do guaraná Antarctica, que criou a parceria do refrigerante com a marca de moda praia Rosa Chá, iniciada em 2003.

As ações, como a presença das latinhas e garrafas do refrigerante nos catálogos, são parte do contrato, que inclui impressos e linhas de biquíni, lata especial decorada e lounges interativos na São Paulo Fashion Week.

Parece incrível, mas como chegar a essas grandes marcas? Alice Ferraz é uma das mais profissionais mais atuantes do mercado. Circula num território flutuante e inominável, entre assessoria de imprensa, marketing e captação de recursos. "Tem muita gente falando de branding, mas o que faço é um trabalho de gestão de marca", explica. "Penso em empresas com a mesma sinergia ou foco que meu cliente. Assim, quando apresento a idéia não tem erro. Procuro ir mais atrás de parceiros do que de patrocinadores", diz Alice.

As relações entre marcas também podem nascer de maneiras inusitadas, como o caso da Blue Man com a Bombril. A marca de moda praia carioca foi procurada pelo departamento jurídico do produto de limpeza depois da publicação da foto de um biquíni do verão 2002 da Blue Man com uma estampa que reproduzia um detalhe da esponja de aço. "Eles me telefonaram pedindo explicações e eu acabei brincando, dizendo que a foto deveria estar chamando atenção na mesa do diretor do produto", relembra o empresário da grife, David Azulay. "O pessoal do marketing ouviu a história e me ligou, vendo ali a oportunidade de se comunicar com o consumidor de uma nova forma", conta. A parceria já resultou em investimentos em desfiles e peças com estampas estilizadas do logo.

Quanto mais inteligente a associação, mais bem-sucedida. Quanto mais óbvia, mais irritante. O modelo Jivago Costernaro entrou no desfile da British Colony na São Paulo Fashion Week, destoando com seu cabelão entre os meninos carecas do casting. Tirou do bolso um frasco do desodorante AXE em frente aos fotógrafos. "Vimos na grife de Maxime Perelmuter uma similaridade de valores e de atitude", explica Marcelo Vieira Oliveira, gerente de produto da Unilever. Na platéia, os convidados se divertiram ao identificar o modelo -que apesar de não ter dado certo na moda acabou se transformando numa espécie de celebridade na propaganda, na pele do descolado Jeremias.

Outro ícone da publicidade que invadiu as passarelas desta SPFW foi o Sebastian, da C&A. Ele ficou em cena 100% do tempo, na apresentação de Lorenzo Merlino. "Precisávamos de um performer para funcionar como mestre de cerimônias dentro da encenação do desfile. Chegamos à conclusão que a figura do Sebastian se adequava ao tal personagem", explica Lorenzo, em sua segunda ação com a loja de departamentos.

As associações entre as marcas percorrem caminhos muitas vezes surpreendentes. "Numa das minhas coleções, com estampas de morango e muitas cores vermelhas, eu queria algo que desse uma idéia de realismo fantástico. Pensei em trazer um sabor para a passarela", conta o estilista Fause Haten, que procurou a Trident. O resultado foi um porta-chicletes dourado dado aos convidados e uma edição limitada (o mesmo produto com embalagem diferente), no inverno de 2004.

Conhecer o mercado ajuda. "Fizemos uma pesquisa para saber com quais assuntos os clientes se identificavam. Uma das respostas foi o whisky", conta Caio Campos, relações-públicas da grife masculina VR Menswear, que depois disso procurou a empresa multinacional detentora da Chivas para patrocinar sua coleção, batizada "Lendas Escocesas". A sala de desfile na São Paulo Fashion Week foi transformada num armazém, reproduzindo o local onde os barris com whisky ficam armazenados para o envelhecimento. Já a campanha foi fotografada num castelo da empresa de bebidas, na Escócia.

A Iódice é outra marca que criou sua estratégia a partir de pesquisa. "Ela revelou que nosso público-alvo gosta de cuidar do corpo e de produtos light", conta o empresário Valdemar Iódice. O departamento de marketing descobriu então que a marca italiana de balas Perfetti Van Melli estava lançando no Brasil uma bala light. A Van Melli patrocinou o desfile e, em contrapartida, as lojas da Iódice estão distribuindo as balas para seus clientes.

Como se vê, apenas colocar o produto na passarela já é pouco. Em muitos casos, os estilistas entram para agradecer os aplausos literalmente vestindo a camisa do patrocinador. "Tudo depende do acordo que você faz e da visibilidade que ele quer", explica o estilista André Lima. "Se tivesse que fazer por questões financeiras, eu faria de novo. Mas não acho que essa seja a medida mais inteligente ou que traga retorno", diz. Na opinião do estilista, "mídia não é só na São Paulo Fashion Week": "Se não tiver continuidade, o marketing fica sem força. A grande sacada está numa parceria que foque produto e público-alvo, não só exposição de logo."

O estilista mineiro Ronaldo Fraga entrou neste inverno com a camiseta de seu patrocinador, na São Paulo Fashion Week. "Neste tipo de acordo sempre consta a exposição da marca, isso vale para os convites, placas na sala de desfile e a camiseta no final", explica Ronaldo. "Tive liberdade de criar uma camiseta diferente. Eles trocaram o institucional por uma forma nova."

No verão de 2004, o estilista desfilou coleção inspirada no Vale do Jequitinhonha, patrocinado pelo governo de Minas Gerais. Outras duas coleções foram patrocinadas por governos estaduais: "Quantas Noites Não Durmo", do inverno 2004, pelo governo da Paraíba; e agora, a de Carlos Drummond de Andrade, pelo Banco do Brasil. Segundo o estilista, todas já estavam em andamento quando ele foi procurado: "O que todos querem é uma forma de divulgar a cultura brasileira de modo mais moderno, inovador e otimista."

Agora, Ronaldo acaba de estrear na área de licenciamentos. "Negócios desse gênero sinalizam a maturidade do mercado brasileiro e dos empresários que, finalmente, estão percebendo o potencial do setor. São parcerias que solidificam o cenário nacional, trazendo lucros não só para as partes envolvidas, mas também para toda a economia".

No Brasil, o mercado de confecção é alvo recente e está colocado depois do segmento de papelaria e de material escolar. "Apesar de ser ainda uma fatia muito pequena, esse nicho está crescendo, devido, principalmente, às parcerias entre celebridades e empresas, como Gisele Bündchen

e Ana Hickmann. E também pelo fato de o setor apresentar um novo posicionamento profissional, revelando uma cultura de moda aliada a um tino para grandes negócios", destaca Sebastião Bonfá, presidente da Associação Brasileira de Licenciamento (Abral).

O atual cenário de licenciamentos no Brasil movimenta cerca de R$ 165 milhões de royalties por ano, segundo dados da Abral. Para Bonfá, um item licenciado tem um potencial de venda maior do que um similar não licenciado: "Produtos com assinaturas de peso podem aumentar em até 30% o volume de vendas das empresas", diz.

O mercado de licenciamento na moda brasileira hoje é dominado por Alexandre Herchcovitch. Atualmente, ele emprega seu nome em dez produtos: jeans, cuecas e meias soquetes, calçados masculinos e femininos, jóias, sandálias de plástico, aparelhos e acessórios para celulares, linha esportiva mostrada pela primeira vez nesta São Paulo Fashion Week de inverno, cama e banho. Em 2006, vai lançar pratos e copos com a Tok & Stok.

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