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09/06/2006

Refúgio - Uma visita a Listowel

A história de amor entre um escritor norte-americano, premiado autor de romances policiais, e um vilarejo rural no sul da Irlanda

POR LAWRENCE BLOCK

John Lawrence/Getty Images
Visão do lago Killarney, na região de Kerry
Visão do lago Killarney, na região de Kerry
"Se uma viagem o conduzir a algum lugar especial, se ela for particularmente agradável, nunca volte a esse ponto. Porque sua memória terá engrandecido esse recanto, e uma segunda visita, inevitavelmente, trará uma decepção."

Não me recordo de onde veio esse conselho, mas ele sempre fez sentido. E, como faz parte de minha natureza partir em busca do novo e desconhecido, não tenho tido muita dificuldade em seguir a instrução. Minha mulher e eu já viajamos para muitos países e quase sempre tivemos prazer nas viagens. Apenas raramente visitamos algum lugar pela segunda vez. Londres e Paris têm sido exceções; meu trabalho já me levou com freqüência para essas cidades, e ambas são demasiado familiares para que possam me decepcionar. Mas existe um outro lugar ao qual já retornei inúmeras vezes nos últimos 40 anos, e raramente me decepcionei.

O único problema é que nunca mais posso ir para lá. Você acredita em vidas passadas? Eu acredito ou não, dependendo de quando me perguntam, mas nunca consegui encontrar nenhuma outra explicação para a afinidade que sinto com a Irlanda. Uma de minhas primeiras lembranças de infância remete à música irlandesa. Criança, adorava ouvir as canções no rádio. Pouco depois, somou-se a isso um interesse pela história e o entusiasmo em colecionar moedas e objetos desse país. Não tenho antepassados irlandeses e cresci sem ter amigos ou conhecidos próximos que tivessem ascendência irlandesa.

Fiz minha primeira viagem ao exterior em 1964, e foi para a Irlanda. Desci do avião me sentindo como se tivesse voltado para casa, de alguma maneira. Minha primeira mulher e eu alugamos um carro e percorremos o país, até chegar à capital irlandesa, Dublin.

Dirigir na Irlanda era uma aventura –sempre havia ovelhas, cabras e jumentos na estrada, embora não houvesse muitos automóveis. E Dublin ainda era uma cidade do século 19, com caminhões puxados por cavalos e o ar envolto numa fina névoa de fumaça.

Retornamos ao país quase anualmente e na terceira ou quarta visita descobrimos a cidadezinha de Listowel, em County Kerry. Listowel é a capital literária da Irlanda. Cidade de 3.000 habitantes onde nasceu um número notável de escritores, desde o início dos anos 1970 ela abriga um festival anual conhecido como Semana dos Escritores –cinco dias de encenação de peças, lançamentos de livros, leituras de poesia, workshops, cantorias e camaradagem ininterrupta. Retornei continuamente à cidade, fiz muitos bons amigos ali e até cogitei me mudar para lá.

Então meu primeiro casamento terminou, minha vida passou por várias reviravoltas e perdi contato com Listowel e com a própria Irlanda por cerca de 20 anos. Retornei em 1995 e, mais uma vez, tive a sensação de estar voltando para casa. É claro que a cidade mudara um pouco e vários velhos amigos haviam morrido, mas eu a amei, mesmo assim. Minha mulher teve o mesmo sentimento, e começamos a retornar anualmente. Em um desses anos cheguei cedo, me isolei no hotel e passei seis semanas escrevendo um livro, antes de minha companheira chegar para a Semana dos Escritores. O livro era ambientado na Birmânia. Interprete isso como lhe parecer melhor.

Além dos pubs, da paisagem bucólica e da hospitalidade, Listowel atrai visitantes por seu lado cultural. A Semana dos Escritores é um dos maiores eventos da cidade
Tornei-me um dos encarregados da Semana dos Escritores, presidi um workshop em um ano e, em outro, lancei um livro. Conheci novas pessoas e reatei os laços com meus velhos amigos.

E então, após o festival do ano passado, nós nos demos conta de uma coisa. Embora possamos retornar a Listowel –afinal, os hábitos antigos custam a ser desfeitos–, acho que, de agora em diante, nossas visitas não serão freqüentes. Porque a Irlanda que encontrei em 1964, aquela à qual retornei tantas vezes, deixou de existir.

Dublin Tourism
As antigas casas da Irlanda exibem grandes portas e janelas trabalhadas, como essa, em Dublin
As antigas casas da Irlanda exibem grandes portas e janelas trabalhadas, como essa, em Dublin
Na última década, mais ou menos, a economia irlandesa cresceu. O Mercado Comum Europeu beneficiou o país tremendamente, e os negócios floresceram. O país está se tornando um lugar caro de visitar, mas esse é o menor dos problemas. Povoados minúsculos que passaram dois séculos quase sem se modificar agora estão cercados de novas construções, num desenvolvimento suburbano; as casinhas rurais com telhado de colmo vêm sendo demolidas e seu lugar é tomado por MacMansões; as terras agrícolas, aqueles campos tão verdes que nos cegavam os olhos, divididos em colchas de retalhos por cercas de pedra erguidas sem argamassa, estão aos poucos desaparecendo. As estradas estão mais largas e deixaram de ser obstruídas por ovelhas, cabras ou jumentos; em lugar disso, automóveis em número excessivo criam problemas de trânsito inusitados ali.

É certo que os irlandeses têm o direito de prosperar e de aderir ao século 21, com tudo o que nele existe de bom e de ruim. Eu não desejaria que sacrificassem seu conforto para conservar um museu vivo para os turistas. Mas basta ouvir o que se conversa nos pubs para perceber que os próprios moradores locais têm plena consciência de que, seja o que for que se ganhou, algo insubstituível foi perdido. "Nos tornamos prósperos", me disse uma mulher, "e perdemos nossa alma."

Assim, acho que a visita que fizemos a Listowel no ano passado será nossa última, pelo menos por enquanto. Foi a primeira vez que voltamos à cidade desde a morte de nosso bom amigo John B. Keane, dramaturgo e romancista de sucesso internacional, um dos fundadores da Semana dos Escritores e guardião do melhor pub de Listowel. Sentimos sua morte profundamente, e ela nos fez tomar consciência mais aguda de todas as outras perdas.

Ah, se eu pudesse voltar para Listowel, 30 anos atrás...

Lawrence Block é autor de "Cidade Pequena", "O Ladrão que Estudava Espinosa" e "Quando Nosso Boteco Fecha as Portas" (Cia das Letras).
Tradução de Clara Allain

Hotéis

Listowel Arms Hotel
Co. Kerry, Listowel Tel. (00/xx/353/0) 682500
O velho hotel é o ponto de encontro de intelectuais na Semana dos Escritores. São 37 suítes, com vista para o rio Feale. O preço médio da diária é de US$ 80.
Royal Dublin Hotel
O'Connell Street, Dublin Tel. (00/xx/353/1) 8733666 www.royaldublin.com
Está situado na famosa e histórica O'Connell Street, no centro da capital irlandesa. Os 117 quartos são pintados em tons claros para favorecer o relaxamento. A atmosfera é elegante no restaurante e casual no bar. Diárias a partir de US$ 100.

Não deixe de ir

Semana dos Escritores
24 The Square, Listowel Tel. (00/xx/353/0) 6821074 www.writersweek.ie
Desde 1970, e é considerada o principal evento no calendário literário da Irlanda. Entre 31 de maio e 4 de junho.

     

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