09/06/2006

Arte - Os tesouros de Viena

Na cartografia mundial dos museus de arte, a antiga capital do Império Austro-Húngaro se destaca por suas magníficas coleções

POR MARCELO MATTOS ARAÚJO

Charles Bowman/age fotostock

Fachada do Kunsthistoriches (Museu de História da Arte de Viena), que abriga a coleção formada pelos habsburgos

O primeiro grande destaque da capital austríaca é o Kunsthistoriches Museum Wien- KHM (Museu de História da Arte de Viena), que abriga a coleção formada pelos habsburgos, dinastia que governou a Áustria da Idade Média até a Primeira Guerra Mundial. Inaugurado em 1891 e instalado em um imponente edifício especialmente projetado para esta finalidade pelos arquitetos Gottfried Semper e Karl von Hasenauer, o museu apresenta um esplêndido panorama da pintura e da escultura européia entre os séculos 14 e 18, com obras de Rubens, Tiziano, Rafael, Rembrandt, Van Dick, Velásquez, Bosch, Bruegel, Dürer, Canova, Caravaggio, Holbein e Vermeer, para mencionar apenas alguns artistas.

Walter Bibikow/age fotostock

Interior do Kunsthistoriches (Museu de História da Arte de Viena), que abriga a coleção formada pelos habsburgos

Distante do KHM apenas algumas centenas de metros, o Palácio de Hofburg abriga não apenas os aposentos imperiais, mas também a Schatzkammer (Sala do Tesouro), onde são preservadas as insígnias imperiais do Sacro Império Romano-Germânico e o Papyrusmuseum, a maior coleção de papiros egípcios do mundo. No extremo do Palácio, a Albertina, criada em 1776 e que reabriu para o público recentemente, possui uma das mais antigas e importantes coleções de artes gráficas da Europa, com um acervo que inclui obras de Michelangelo e Dürer. A Belvedere Galerie ocupa talvez o mais belo palácio de Viena, com um magnífico jardim em estilo francês, e apresenta toda a evolução da arte austríaca, da Idade Média ao século 19. O Österreiches Museum für angewandte Kunst - MAK (Museu de Artes Decorativas da Austria) expõe seu acervo, no qual se destacam as peças do Jugendstil (Art Nouveau) vienense, por meio de uma expografia inusitada, concebida por artistas contemporâneos como Donald Judd e Jenny Holzer. A diversidade de instituições é imensa, estendendo-se de museus casas-de-artista, como aqueles dedicados a Gustav Klimt e ao pintor Hundertwasser, a museus que abrigam as mais singulares coleções, como o Schatzkammer Deutscher Orden (Museu do Tesouro da Ordem Teutônica), que apresenta o "tesouro" formado por aquela que foi uma das mais importantes ordens de cavalheiros durante o período das Cruzadas. E não podemos esquecer ainda acervos clássicos como o da Gemäldegalerie der Akademie der bildenden Künste Wien (Galeria de Pinturas da Academia de Belas-artes de Viena).

San Rostro/age fotostock

O belo projeto arquitetônico do Leopold Museum

Erotismo e vanguarda Três novas instituições vieram recentemente se juntar a este já tão rico universo: o Museum Moderner Kunst Stiftung Ludwig Wien - MUMOK (Museu de Arte Moderna da Coleção Ludwig em Viena), o Leopold Museum e o Liechtenstein Museum. Os dois primeiros funcionam em edifícios construídos pelos arquitetos Manfred e Laurids Ortner no pátio interno de uma imensa construção barroca utilizada como estábulo do Palácio Imperial, a poucos minutos do KHM, integrando o MuseumsQuartier (Quarteirão dos museus).

O Leopold Museum, em um edifício de exterior todo em pedra branca e interiores bastante discretos, abriga a coleção formada pelo casal Elisabeth e Rudolf Leopold, dedicada aos grandes nomes da arte austríaca e da Europa central do final do século 19 e início do 20, como Schiele, Klimt, Kokoschka e Moser. Lá também é possível descobrir artistas menos conhecidos mas igualmente importantes daquele período, como Richard Gerstl e Anton Kolig. O museu vem se destacando pela realização de exposições temporárias de grande qualidade, para as quais adota estratégias de divulgação no mínimo inusitadas, como a de oferecer, no último verão, entrada gratuita para uma exposição sobre erotismo, para os visitantes que se apresentassem....nus.

Já o MUMOK tem um exterior todo em pedra negra, e um interior espetacular, com um vão livre que atravessa seus seis andares, entrecruzado por passarelas em metal. A exposição do acervo apresenta uma sintética, porém brilhante seleção de obras dos mais importantes artistas europeus e norte-americanos do século 20, como Picasso, Moore, Giacometti, Mondrian, Kandinsky, Klee, Magritte, complementada por mostras de artistas contemporâneos de vanguarda, como, recentemente, a de Bruce Nauman.

MUMOK/Lisa Rastl

Obra de Picasso, "Mulher Sentada com Echarpe Verde" (1960), que integra o acervo do espetacular MUMOK

Inaugurado em março de 2004, o Liechtenstein Museum abriga a coleção formada pela família que há mais de quatro séculos governa o Principado de Liechtenstein, um dos menores países do mundo, encravado nos Alpes, entre a Suíça e a Áustria. É uma iniciativa do atual príncipe, Hans-Adam II, que vem, à semelhança de outras monarquias européias, tentando construir uma imagem mais contemporânea para a Família Real. O museu foi instalado em um belíssimo palácio barroco, que servia de residência de verão para a família von Liechtenstein, concluído pelo arquiteto bolonhês Domenico Martinelli por volta de 1710. A suntuosa decoração apresenta esculturas e murais de grandes artistas da época, principalmente italianos, como Andréa Pozzo, pintor romano responsável pelos maravilhosos afrescos do Salão de Hércules. A coleção, que desde o final da década de 1930 encontrava-se guardada, por razões de segurança, é formada, em sua grande maioria, por obras dos séculos

Rupert Steiner

Detalhe da escadaria desse museu, que se destaca por manter coleções de importantes artistas europeus e norte-americanos

16 a 18, de autoria de artistas de diferentes nacionalidades, muitos dos quais atuantes em Viena naquele período. Um dos mais perfeitos exemplos do colecionismo principesco europeu do período barroco, este conjunto de obras engloba trabalhos magistrais de escultores como Adrian de Fries, Jakob Muller e Franz Messerschmidt, e pinturas de Pietro da Cortona, Sebastiano Ricci, Pompeo Batoni, Rubens, van Dyck, Frans Hals, Jacob Jordaens, David Teniers e Heinrich von Füger. A expografia também adota uma inspiração nos princípios barrocos para a montagem das obras, contribuindo para uma experiência única de vivência do espírito de uma época. As exposições temporárias são preciosas, investigações detalhadas de produções pontuais, habitualmente pouco exploradas.

Gute Reise !!!

Marcelo Mattos Araújo é muséologo e diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo