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09/06/2006

Reino proibido - Butão : Lá sou amigo do rei!

Protegido pelos contrafortes do Himalaia e pela densa floresta da Índia, esse país budista preserva sua cultura milenar à revelia da globalização

POR NILTON PAVIN

Nilton Pavin
A casa butanesa tem quatro andares: no térreo, ficam os animais; no primeiro, os idosos; no segundo, pais e filhos; e, no último, os alimentos para suportar o rigoroso inverno; porta e janela típica de um monastério; comerciantes no mercado de Thimphu; família passeia na cidade de Gantey
A casa butanesa tem quatro andares: no térreo, ficam os animais; no primeiro, os idosos; no segundo, pais e filhos; e, no último, os alimentos para suportar o rigoroso inverno
Foram menos de duas horas de viagem entre Kathmandu e Paro, única cidade no Butão com área para acomodar um aeroporto. Porém, foi um dos vôos mais emocionantes da minha vida. Durante todo tempo sobrevoei a cordilheira do Himalaia com suas montanhas eternamente cobertas pela neve e passei a poucos quilômetros do Everest. Enquanto o quadrimotor da Royal Buthan Airlines, única aeronave com permissão do rei para pousar no aeroporto do país, fazia o procedimento de pouso, observei que estávamos em um vale. Uma falha do piloto e nosso destino seria a cordilheira. O país está cercado por enormes montanhas ao norte, na fronteira com o Tibete e a China, e por uma densa floresta ao sul, divisa com a Índia. Aliás, esses fatores foram fundamentais para manter o Butão isolado do resto do mundo e a salvo da invasão chinesa. A mesma sorte não teve o Tibete, invadido pelas tropas de Mao Tse Tung no final da década de 1950.

Nilton Pavin
Porta e janela típica de um monastério
Porta e janela típica de um monastério
Na longa fila provocada pela burocracia da imigração, comecei a constatar que o Butão é, realmente, um país peculiar. A entrevista com o oficial é uma verdadeira batalha cultural. Ele (o oficial) acredita que fala inglês e os passageiros tentam traduzir o que fala: uma mistura de butanês com sotaque inglês. Outra dificuldade é explicar ao mesmo oficial o nome "Brasil". Ele virou meu passaporte em todos os sentidos e desistiu. Fui salvo pelo eterno carisma dos praticantes do esporte bretão. Repeti inúmeras vezes os nomes: Ronaldo, Ronaldinho, Romário e Pelé, é claro. Ah!, exclamou ele, "fûtebóól!" Sim, fûtebóól! Mudei de fila.

Nilton Pavin
Comerciantes no mercado de Thimphu
Comerciantes no mercado de Thimphu
Só é permitida a entrada de pessoas autorizadas pelo rei ou pelo ministério do turismo. E essas pessoas devem efetuar o depósito de cerca de US$ 160 por dia a favor do governo. Este pagamento inclui alimentação, transporte interno, guia e hospedagem nos melhores hotéis. Na outra fila, depois de checar várias vezes meu passaporte e o pedido de visto, o oficial desconfiou que havia algo errado devido à quantidade de lentes, máquinas, flashes, filtros, filmes, pilhas na minha bagagem e chamou seu superior. Por sorte, neste momento, Chencho, que seria meu guia no país, interveio e conversou com os oficiais.

No Butão não existem problemas como violência, analfabetismo, poluição ou desemprego. Mas o país vive recluso e a população é totalmente controlada pelo rei
Sorrisos, caretas e olhares estranhos de ambos os lados, Chencho se virou e pediu que eu me dirigisse ao carro estacionado do outro lado da rua. Alguns minutos depois, Chencho sai do aeroporto com um largo sorriso. Ao entrar no automóvel, pergunto o que havia acontecido e ele me disse que o policial queria apreender meu equipamento para averiguação. Então perguntei a Chencho qual foi a tática adotada para persuadir o policial. Simples, respondeu ele, falei que você é amigo do rei e que ele não aprovaria ver um convidado com problemas na imigração.

Nilton Pavin
Família passeia na cidade de Gantey
Família passeia na cidade de Gantey
Seguimos em direção a Paro –são apenas dez minutos de viagem. A distância dá uma idéia da dimensão do país, que é do tamanho da Suíça. No caminho, questionei se era possível visitar o monastério de Taktsang, que está encravado em um rochedo, literalmente suspenso no ar. Chencho respondeu que um dos lugares mais sagrados do país fora destruído por um incêndio! Não acreditei, só me convenci quando ele mostrou a edição extra do "Kuensel", único jornal semanal do Butão. Aliás, no quesito comunicação, vale ressaltar que a internet e a televisão só chegaram ao país em 2000. Segundo o guia, o povo ficou chocado com tanta violência nos outros países. "Eles ainda preferem os filmes", diz Chencho.

Pimenta e cebola cruas Na denominação butanesa, Taktsang significa Toca do Tigre. Foi construído no século 8 pelo santo indiano Padmasambhava –também conhecido pelos butaneses como guru Rinpoche (mestre muito venerável)– em uma encosta a 800 metros de altura no Vale de Paro. Diz a lenda que ele chegou até lá voando sobre o dorso de um tigre. E ali permaneceu por três meses meditando. Histórias como esta são comuns no Butão, um país envolvido em uma atmosfera mística na qual lenda e realidade caminham lado a lado. O nome do Butão é originado do som provocado pelas fortes tormentas que acontecem no interior do Himalaia. E este som nada mais é do que o ruído de um dragão que cospe fogo e vive no interior da cordilheira. Por isso eles se autodenominam Reino do Dragão e do Trovão.

Almoçamos em Paro, cidade com pouco mais de cinco mil habitantes, que já foi a capital do Butão. Apenas uma rua principal com 1 km de extensão e algumas vicinais. Legumes refogados, lentilha, arroz, verduras cozidas e pão. Como complemento, Chencho me oferece pimenta e cebola cruas. Lá é costume consumir estas especiarias como forma de aumentar o apetite. Os pais incentivam os filhos desde crianças, diz meu guia, sorrindo. Resolvo aceitar e confesso que foi estranho. Fui salvo pela sobremesa: doces em calda com creme de leite e uma chávena de chá cedida pelo proprietário do restaurante..

Nilton Pavin



Jovens aspirantes a monge aprendem a entoar mantras no monastério de Changangkha; As fachadas têm grafismos coloridos; bandeiras de oração deixadas pelos peregrinos no Passo de Dochula; hotel e restaurante em Thimphu
Depois de percorrer a cidade, os amigos de Chencho ofereceram o jantar: mistura de pimentas com batatas, cogumelos, aspargos e alguns brotos de samambaia ao molho de queijo branco. E, claro, uma imensa quantidade de arroz. O butanês é apaixonado por esse grão, presente nas três principais refeições do dia. Agricultores inatos, eles utilizam todos os declives das montanhas para plantar o principal alimento da população, em verdadeiras engenharias agronômicas.

Partimos cedo para a capital, Thimphu. A cidade está a apenas 150 km de distância, mas a viagem demora cerca de seis horas. A estrada principal do país é muito estreita e, em diversas situações, precisamos parar o carro e estudar as possibilidades –junto com o motorista que dirige o automóvel que vem no sentido oposto –da melhor maneira de manobrar os veículos. Outra dificuldade são as infinitas curvas que serpenteiam as montanhas. A geografia do terreno força o motor que trabalha no limite da sua potência. Por várias ocasiões somos obrigados a estacionar e esperar que ele esfrie.

O estilo butanês Em Thimphu pode-se entender por que o Butão ficou tanto tempo isolado do resto do mundo –abriu suas fronteiras há apenas 34 anos. Atrás do hotel onde estou hospedado, avisto o Jumolhari, uma das montanhas mais altas do país, com 7.314 metros. Vejo também um campo de datsey (arco-e-flecha). Os butaneses são simplesmente apaixonados por esse jogo e há grandes torneios entre as cidades. Enquanto os homens disputam, as mulheres cantam e dançam para celebrar cada ponto ganho.

Nilton Pavin

Jovens aspirantes a monge aprendem a entoar mantras no monastério de Changangkha; butanesa com seus exóticos adereços
Depois de vários dias em Thimphu descobri que jamais conseguirei praticar arco-e-flecha, mesmo com todo incentivo dos butaneses. Resolvi, então, seguir para o interior e parti em direção ao Oriente, para Tongsa. Chencho me alerta que a viagem será cansativa e que atingiremos a altitude de 3.100 metros ao atravessar o passo de Dochula, na Montanha Negra. A cada quilômetro vencido, somos surpreendidos por cachoeiras originadas do degelo, flores e árvores típicas da região.

Paramos no Passo de Dochula, para agradecer a oportunidade de estarmos aqui. Chencho abre a mala, retira as coloridas bandeiras de oração e acena com a cabeça para que eu segure na outra ponta do varal com cerca de 30 bandeiras. Com a ajuda do motorista, conseguimos prendê-las em dois bambus colocados estrategicamente por fiéis que já tinham passado pelo local. Oramos e almoçamos a mais de 3.000 metros de altitude sob as bênçãos dos deuses.

Depois de oito horas de viagem, chegamos a Tongsa, a menor cidade do Butão, com cerca de três mil habitantes. Tem apenas um hotel, algumas lojas e um dos monastérios mais antigos do país. É fim de tarde e guardamos as malas nos quartos o mais rápido possível, pois não há luz elétrica. Acendemos diversas velas nos corredores, nos quartos e na sala de jantar, o que tornou o ambiente ainda mais místico.

Na manhã seguinte, somos acordados pelos cânticos de algumas mulheres. Durante o café sou alertado que o dia será duro. Faremos boas caminhadas em altitude acima dos 4.000 metros. Mochila de ataque, equipamento fotográfico e água, estou pronto. Encontro com meu guia e nos dirigimos para uma encosta. Depois de algumas horas de caminhada chegamos ao Watch Tower, pequeno monastério situado no ponto mais elevado da cidade.

Chá indiano Depois de longos dias nas montanhas, acordo com as mesmas mulheres que carregam baldes de plástico com água quente. Faz frio e uma espessa névoa encobre o monastério. Seguimos viagem em direção a Gantey Gompa, no Vale de Phobjika, comunidade isolada entre as cadeias montanhosas do Butão. É domingo e em todas as casas é possível ouvir um cântico religioso –esse tipo de cerimônia é uma tradição para agradecer a colheita.

No monastério de Gantey fomos recebidos com chá indiano. Depois de acompanhar um rito budista, resolvi seguir de volta, porém passei por Punakha –antiga capital de verão do país. O monastério de Punakha, construído na confluência dos rios Mochu e Pochu, em 1637, foi o último que visitei na minha peregrinação pelo reino do Dragão e do Trovão. Às margens dos dois rios formados pelo degelo do Himalaia, terminava minha expedição espiritual por um dos países mais exóticos do planeta. Namastê.

Nilton Pavin é jornalista, fotógrafo e escritor, autor de "Imagens Proibidas –Uma Viagem aos Mistérios do Butão e do Tibete" (ed. Annapurna)

Quem leva

Highland Adventure
Tel. (0/xx/11) 3254-4999 www.highland.com.br
A viagem de cinco dias inclui visita ao museu nacional Ta Dzong, ao mais antigo templo do Butão (638 dC), à antiga capital Punakha e à atual, Thimphu, além de passeios a fazendas e monastérios. O pacote sai por US$ 1.190 por pessoa em apartamento duplo, com pensão completa, traslados, guias em inglês e seguro saúde. Há vôos para o Butão que saem de Kathmandu, Delhi e Bangcoc. O trajeto São Paulo/Delhi/Butão/Delhi/São Paulo custa US$ 2.190 por pessoa.

     

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