09/06/2006

Melhores hotéis - O templo do ócio [e da gula]

Em São Miguel dos Milagres, em Alagoas, a Pousada do Toque combina conforto, natureza exuberante e ótima comida

POR JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

Renata Buono

A barra do rio Camaragibe, na costa dos Corais

Você chega à praia e se depara com um dilema excruciante: esquerda ou direita? Os dois lados parecem tão belos quanto desertos. A areia fina e compacta convida a uma caminhada sem muito esforço. No horizonte, de um lado ou de outro, nada indica que o caminho será interrompido tão cedo. Dúvida cruel. Em um lampejo infantil você se lembra do Leão da Montanha e adota a cartunesca "saída pela direita".

José Roberto de Toledo

Deck de acesso à praia da Pousada do Toque

Dilema resolvido, pés à areia. Passo a passo, o sol se esconde preguiçosamente atrás do coqueiral e projeta longas sombras descabeladas sobre a praia. Na margem oposta do seu campo de visão, a maré baixa revela as estruturas de um curral de peixes. Mais um, depois outro. Os metros viram quilômetros –e nada de aparecer uma barra de rio que sirva de desculpa para um providencial retorno. "Bendito Leão!", você pensa alto. Gira sobre os calcanhares e parte de volta à pousada, sem ter encontrado o fim da praia.

Renata Buono

Furos de regulagem do mastro de uma jangada Alagoana

A mudança da paisagem logo faz você esquecer a distância. As nuvens servem de tela para os raios de sol e se colorem do lilás ao violeta. A maré bate em retirada e se esconde atrás do muro de arrecifes ao longe. Uma rasa piscina de tons esverdeados se estende por centenas de metros. A lua cheia aponta no horizonte e marca uma diagonal prateada até a faixa de areia. Dá vontade de correr, feito o leão de desenho animado.

Luciano Candisani/ kino.com.br

Peixe-boi que vive nas águas que banham o Porto de Pedra

Contido pela preguiça, você se dá conta que está passando a entrada da pousada. Pare! É hora de reabastecer. E se entregar, sem muita resistência, à auto-indulgência de quem cumpriu seu dever atlético do dia –ou da semana. À beira da piscina, novo dilema: caipirinha de limão com manjericão ou batida de coco? Seja ousado, peça a especialidade perpetrada pelo J.R., misto de garçom, mestre-de-cerimônias e ícone local. Manjericão, gengibre, pinga e limão são mais do que uma rima. São a solução.

Na Pousada do Toque, em São Miguel dos Milagres (AL), é assim. Um dilema atrás do outro. Piscina particular ou praia? Ducha ou hidromassagem? Livro ou DVD? Rede ou futon? Lagosta ou camarão? Difícil, muito difícil.

Você, leitor distraído, talvez tenha passado reto pela piscina particular acima referida sem se perguntar: "Como assim, por exemplo?" Pois é, o Tahiti não é aqui, mas alguns chalés do Toque têm sua própria piscina. Com vista para o mar. O lugarejo do Toque não é Bora-Bora, mas é um consolo.

Renata Buono

Cenas da Pousada do Toque: as frutas do café da manhã

O problema é que tem também ofurô (no quarto), massoterapia (em uma palafita, que falta de imaginação!, com vista para o mar), passeio de jangada, TV de plasma 42 polegadas com DVDteca, restaurante cinco estrelas, caiaque... Não dá tempo. Se você quiser experimentar todas as opções, vai acabar exausto –ou com uma congestão. Contenha-se.

Apesar dos excessos, nada parece excessivo. Não há ostentação, nem novorriquismo na pousada. Tudo está bem encaixado no cenário exuberante. Os chalés, apartamentos e demais "prédios" se escondem na paisagem. Arquitetura de camuflagem. Camufla até os hóspedes: cada um, se quiser, pode se acomodar no seu espaço com privacidade absoluta. E se entregar ao ócio tendo apenas a rede por testemunha.

Renata Buono

Piscina particular do bangalô Bem-te-vi

Já a entrega à gula é pública. Começa no café-da-manhã. E podia terminar nele. Parece refeição italiana: prato de frutas variadas de entrada, suco personalizado com direito a refil, pão caseiro com manteiga derretendo, tapioca, ovos de todos os modos, bolos doces, tortas salgadas, chá, café expresso, queijo coalho. E o melhor, não precisa de despertador. Servido em uma área dedicada exclusivamente a ele, o café da manhã (contradição em termos) não acaba ao meio-dia, nem às cinco da tarde, nem, supostamente, antes das nove da noite. Sugiro que você se dedique a, laboriosamente, fiscalizar o cumprimento desses horários.

José Roberto de Toledo

Piscina da pousada

Por falta de tempo, pule o almoço. E quando chegar o jantar, se resistir, limite-se à salada de rúcula da horta orgânica da pousada, temperada, no máximo, por um azeite com especiarias. Mas, como juízo não combina com férias, você vai mesmo é se esbaldar na gastronomia refinada do dublê de chef e dono, Nilo Burgarelli: lagostim grelhado com purê de abóbora, peixe com banana frita ou a imbatível "panela de ferro" (vou deixá-lo descobrir pessoalmente como é feita essa especialidade da casa). Aproveite: jantar e café da manhã estão incluídos na diária.

José Roberto de Toledo

Casa de massagens

Se você se sente capacitado a enfrentar todo esse estresse, prepare as malas. Compre uma passagem até Maceió ou Recife, alugue um carro e embarque nessa. De uma cidade ou de outra, a viagem até o Toque já é um passeio.

O trecho da costa alagoana que vai de Barra de Santo Antonio a Japaratinga guarda a rara combinação de baixa densidade demográfica e hoteleira com praias extraordinariamente belas, largas barras de rio, piscinas naturais, um "muro" quase contínuo de recifes ao largo da praia e coqueirais a perder de vista. A preservação é conseqüência do isolamento. Nesse trecho, a BR-101, que liga Pernambuco a Alagoas, afasta-se do litoral. Para quem vem de Maceió, a estrada de acesso ao Toque não tem saída, termina em Porto de Pedra. Do sentido contrário, só se chega por balsa. Por isso não há trânsito de passagem. Quem está lá é porque quer estar.

Renata Buono

J.R., o inventor da caipirinha com limão e gengibre

PS: Se, ao princípio desse artigo, você não tivesse dado ouvidos ao Leão da Montanha e tivesse ido pela esquerda, acabaria encontrando a foz do Tatuamunha. Teria então duas opções: voltar atrás ou caminhar pela margem do rio. Nesse caso, com sorte, encontraria um dos peixes-boi

Renata Buono

A área de repouso e de ofurô de um dos bangalôs

que foram reintroduzidos na região através de um bem-sucedido projeto do Ibama. Para quem já conhece o projeto Tamar e nunca viu um peixe-boi de perto, saiba que ele é bem mais interativo e menos arredio do que as tartarugas marinhas.

José Roberto de Toledo é jornalista, editor-chefe do "Jornal do Terra" e vice-presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)