Revista da Folha

Lugar

29/11/2006

Cenário: Diamante bruto

Na Patagônia, a natureza se revela em seu estado mais puro, com geografia, fauna e flora em perfeita harmonia

por Roberto de Oliveira

Jayme Borquez
Torres del Paine desde o mirante Nordenkjold
Torres del Paine desde o mirante Nordenkjold
Encha os pulmões e arregale os olhos. Pelo caminho, árvores retorcidas lembram um set gótico do diretor Tim Burton. Nada disso é assustador. Elas são vitais para amenizar a ventania que corre solta e chega a alcançar 100 km por hora. O bosque fica para trás, e uma vegetação esquisita, delineada por uma espécie de bonsai, decora o trajeto. No cume da montanha, melhor se deitar e arrastar o corpo para não levar nenhum tombo, do vento ou do baque que o visual é bem capaz de provocar.

Paisagem intocada aquela. A parede rochosa, com cerca de 200 m de altura, acolhe um ninhário de condores andinos -ave-símbolo do Chile. Poderosas, com uma envergadura que chega a 3 m, essas aves planam indiferentes na imensidão gelada da Patagônia. Os adultos têm coloração preta com colar branco no pescoço, os jovens são pardos. O movimento silencioso de seus vôos risca as ondas verdes da Laguna Sofia, lá embaixo.

Como pano de fundo, as montanhas cobertas de neve eterna resistem até onde podem ao avanço ameaçador do aquecimento global. Não há frio, ventania ou cansaço que jogue por terra a sensação de estar diante de uma das paisagens mais fantásticas da Terra.

A Patagônia chilena é assim, um festival de cores no céu, na alturas das montanhas, nas geleiras ruidosas, no verde ou no azul cristalinos dos lagos, nos rios impetuosos, na imensidão dos pampas, nas profundezas dos fiordes. Ali, tudo ganha ares de grande espetáculo.

A principal atração da região é o Parque Nacional Torres del Paine, localizado entre Punta Arenas, a cidade mais meridional do planeta, e a bucólica e pequenina Puerto Natales.

Quer uma dica? Desfrute da segunda opção. Localizada à beira do pampa, junto ao Seno Última Esperanza (Estreito Última Esperança), um canal de cor turquesa, Natales tem beleza por onde correm os olhos. Ao fundo, montanhas cinzentas se alinham lado a lado, pontilhadas de gelo e neve, contrastando com a planície, coberta por uma vegetação rasteira.

Generosa essa natureza. Então o jeito é tirar proveito ao máximo do que ela tem a oferecer. Uma série de opções turísticas recorre esses caminhos patagônicos, de cavalgadas a cruzeiros pelas geleiras, passando por trekking e visitas a fazendas.

Na cidade, em si, não há muito o que fazer, a não ser contemplar a luz, o tempo e sentir aquele ar fresco batendo na cara. Alguns bares e restaurantes seguram bem a onda, a oferta de comidas é pródiga, e a qualidade, ótima, principalmente de peixes e frutos do mar.

Ela pode parecer sem graça por fora, mas, por dentro, a igrejinha da praça central surpreende. O Museu Histórico Municipal é o que há de melhor. Fotos dos primeiros habitantes da região, os índios aonikenk e kaweshkar, estão lá. Objetos que pertenceram ao primeiro colono da Patagônia chilena, o alemão Herman Eberhard, também.

Jayme Borquez
Bicicleta no cais de pescadores de Puerto Natales; o "baqueano" vestido a caráter; montanhas do Parque Nacional Torres del Paine
Natales ganhou recentemente seu primeiro hotel de luxo, o Remota, projetado pelo famoso e premiado arquiteto chileno Germán del Sol, que também assinou a concepção dos hotéis estrelados Explora Patagônia e do Atacama, no deserto, que fica ao Norte do país.

O Remota é uma espécie de galpão de fazenda patagônica estilizada, feito de concreto, vidro e carvalho -a madeira nobre da região. Dentro, simplicidade e bom gosto: mesas de linhas retas, lustres de vime, papel e arame. Os quartos têm o mesmo padrão, sem TV, com banheira e aquela vista maravilhosa. Piscina aquecida e jacuzzi ao ar livre ajudam a relaxar e tirar o cansaço no fim do dia, depois de horas de caminhada.

Para agüentar os longos percursos, dê uma reforçada na ingestão de proteína. O chef do Remota, Rene Espinoza, 50, prepara um cordeiro assado na brasa -o clássico do cardápio-, temperado com alho, vinagre, vinho branco, sal, pimenta-do-reino e cominho. Uma delícia.

Revigorado na manhã seguinte, não existe a mais remota possibilidade de se render à preguiça. O jeito é explorar.

Fim do mundo

Uma hora e um pouquinho mais de carro, partindo de Natales, chega-se a uma das entradas do Parque Nacional Torres del Paine. Pelo caminho, emas, flamingos e gansos selvagens, entre outros animais patagônicos, parecem avisar o que virá pela frente. Na chegada, um rebanho de guanacos, espécie de primo da lhama e um dos habitantes típicos do parque, dá boas-vindas ao visitante.

Na seqüência, outra espécie comum no Paine que parece atravessar uma fase de procriação, os mochileiros, forasteiros que enfrentam o frio e o vento forte em caminhadas intermináveis parque adentro.

Jayme Borquez
Visão da Geleira Serrano
Visão da Geleira Serrano
A Patagônia é um território que atrai muitos turistas, principalmente europeus. De arqueólogos a botânicos, de montanhistas a sedentários, todos se rendem à beleza da natureza.

Tem sido assim desde que o navegador português Fernão de Magalhães esteve por lá, na segunda década de 1500, atrás de um rota alternativa que ligasse o Atlântico ao Pacífico.

Os estudiosos dizem que a Cordilheira Paine foi moldada por erupções vulcânicas e movimentos de terra que ocorreram há cerca de 12 milhões de anos. São estranhos picos retorcidos e torres lisas, praticamente impossíveis de serem escaladas. No lado leste, encontram-se as Torres de Paine, e a oeste, os Cuernos del Paine (Chifres do Paine), torres com cerca de 3.000 m de granito, assim chamadas devido às saliências em formato de chifres.

Nem sempre é possível avistar as torres. Nesta época do ano, que chega a ter 18 horas de sol por dia, venta muito, e o tempo muda repentinamente. Numa velocidade estonteante, nuvens cobrem o céu. Lá se foi a bela foto.

Portanto, fique atento às previsões meteorológicas. A temperatura no verão varia de 4ºC a 15ºC. É perfeitamente possível cair abaixo de zero durante à noite, mas também pode tranqüilamente subir à casa dos 25ºC, numa tarde ensolarada.

Se tiver sorte, corra para a melhor vista das Torres del Paine: a que fica no lado sul do lago Nordenskjöld, com a imagem inesquecível, refletida na água.

Uma coisa é certa, faça chuva ou faça sol, você poderá tirar literalmente uma casquinha dessa aventura quando for visitar a geleira Grey, de onde imensos pedaços de gelo se desprendem e ficam boiando, derretendo lentamente ao sabor do tempo, enquanto assumem as mais variadas formas.

No caminho, camuflado em meio à vegetação que margeia a trilha de acesso ao Glaciar Grey, um casal de huemul, uma espécie de veado, faz seu lanchinho de fim de tarde, indiferente à presença dos visitantes. O cervo é outro símbolo do Chile e já esteve na lista de animais ameaçados de extinção.

Seu principal predador (natural, diga-se), o puma, é dificílimo de encontrar naqueles recantos. Eles ainda existem. Pegadas e restos de suas refeições costumam aparecer pelas trilhas do parque, mas o mamífero foge diante de qualquer sinal de proximidade dos invasores.

Frio de rachar, vento impetuoso e contínuo. Pouco importa. No coração da Patagônia, a força da natureza segue seu fluxo e ainda preserva trechos intocados pelo ser humano.

Roberto de Oliveira viajou à Patagônia chilena a convite da LAN e do hotel Remota.

Quem leva

Interpoint Viagens e Turismo
Tel. (0/xx/11) 3087-9400
www.interpoint.com.br
Aéreo, traslados, três noites em apto. duplo com pensão completa e passeios com guia. A partir de US$ 1.740.

Viagem Aventura
Tel. (0/xx/11) 2175-2900
www.viagemaventura.com
Aéreo, traslados, três noites em apto. duplo com pensão completa e excursões diárias. A partir de US$ 1.674.

Windows Tour Operator
Tel. (0/xx/11) 4195-0117
www.windowstour.com
Aéreo, traslados, três noites em apto. duplo com meia-pensão e excursões diárias com guia. A partir de US$ 2.390.

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