Revista da Folha

+ dinheiro

27/11/2006

Baú do Rossi: O dia em que fui sócio de George Soros

por CLÓVIS ROSSI

Rogério Cassimiro/Folha Imagem
Não sei lidar com dinheiro. Definitivamente, não sei. Minha primeira experiência, há uns 40 anos, foi tão traumática que desisti. Quando meu pai morreu, meu irmão ainda era estudante de Medicina na Unicamp. Para levantar algum dinheiro para custear os estudos, fazia "free-lancer" como vendedor de um fundo de investimento. Comprei. Era o Fundo Halles. Faliu.

Por isso --e outros fracassos posteriores-- fiquei feliz da vida ao me tornar, digamos, sócio de ninguém menos que George Soros, o mega-investidor ou, como preferem outros, o mega-especulador, o homem que quebrou o Banco da Inglaterra, ao especular contra a libra esterlina (nem contra a lempira hondurenha eu consigo especular).

Ambos (é incrível enlaçar eu mesmo e George Soros no mesmo plural) freqüentamos os encontros anuais do Fórum Econômico Mundial em Davos, nos Alpes suíços. Claro que o "freqüentamos" é liberdade poética. Eu vou por conta da Folha, com um orçamento controlado, ele vai com todo o luxo que um multimilionário se permite, já com a vida ganha para todas as próximas gerações.

Um ano, hackers invadiram o site do Fórum e ficaram com os números de todos os cartões de crédito usados para pagar os almoços, jantares e cafés-da-manhã que abundam em Davos. O meu estava na lista, porque vou a esses eventos, fontes imperdíveis de notícia.

Talvez seja a linha de notícia mais cara do mundo: cada refeição custa algo em torno de 60 euros.

Quando me avisaram da invasão do site e do roubo dos números de cartão, confesso que pensei em ligar para Nova York e dizer:

"E agora, George, o que faremos?".

Como meu sócio circunstancial dificilmente atenderia, desisti, cancelei o cartão e, pela primeira vez, ganhei dinheiro em uma operação financeira: o Fórum não cobrou os jantares daquele ano.




Davos, aliás, é uma aldeia pródiga em encontros com gente que sabe lidar com dinheiro. Até com quem tem o poder de determinar o custo do dinheiro para os ricos, muito ricos.

Falo, por exemplo, de Hans Tietmeyer, quando era presidente do Bundesbank, o Banco Central alemão, antes da criação do Banco Central Europeu. O Bundesbank determinava o pulsar dos juros na Europa toda.

Fascinava-me ler no "Financial Times" ou "International Herald Tribune", dois dos grandes jornais globais, descrições sobre o poder de Tietmeyer, as expectativas e ansiedade com que a Europa acompanhava suas ações (ou inações). Pelo que lia, achava-o o mais próximo possível de um ogro. Até que topei com ele em um ônibus (sim, ônibus, pois Davos é pequena demais).

Sentou-se ao meu lado. Mais parecia um tio bonzinho de antigamente do que o ogro que eu imaginava. Ia puxar assunto (juros, a economia mundial, o euro a ser logo lançado, a reunificação da Alemanha, qualquer dessas epopéias). Ele se antecipou. Perguntou se eu achava que as pistas de esqui (Davos é estação de esqui) estariam macias para esquiar. Entendo de esqui ainda menos do que de dinheiro. O papo morreu de inanição.




Em compensação, nos trópicos, o papo pode render até nos lugares mais insólitos. Durante a Cúpula Iberoamericana realizada em 1993 em Salvador, Bahia, Fernando Henrique Cardoso, recém-designado ministro da Fazenda, já estava preparando um plano econômico (todos os ministros da Fazenda desde pelo menos a redemocratização, oito anos antes sempre preparavam planos, que, aliás, sempre fracassavam).

Antecipar informações sobre esses planos era ouro em pó nas redações. Por isso, fiquei feliz quando vi FHC entrar no banheiro, ocupar o mictório ao lado de onde eu, despreocupado, já estava, e começar a conversar.

É bom dizer que FHC só aprendeu a segurar a língua depois de tomar posse como presidente. Antes, era fonte inesgotável de informações, muitas das vezes confidenciais (nada que abalasse a República, mas enfim boa matéria prima para jornais).

Deu detalhes ou idéias do que viria a ser o Plano Real. Se eu contasse, à época, onde obtive tais informações, ninguém acreditaria. Até, admito, era concorrência desleal: as moças, que são hoje metade ou mais das redações, não podiam aceder ao local. Bem feito.




Mesmo não sabendo lidar com dinheiro, fui acusado, uma vez, de responsável por uma baita alta de preços.

Foi assim: descobri, no finzinho do governo Sarney, que haveria um novo plano econômico, congelamento incluído. Seria o "Plano Verão".

O informante era, naquele momento, membro do Conselho Editorial da Folha e fora chamado para conversas com o então ministro Mailson da Nóbrega. Contei aos meus superiores hierárquicos. O diretor de Redação, Otávio Frias Filho, bolou no ato o que viria ser a manchete de capa: "Congelamento é iminente; Seplan resiste" (Seplan era a Secretaria de Planejamento, que não gostava da idéia de congelamento).

No domingo seguinte, o Plano foi de fato lançado, de fato havia o congelamento, mas o então sindicalista Luiz Antônio de Medeiros, convocado para ouvir explicações sobre o plano, queixou-se de que congelar os preços era inútil porque todos já haviam feito os reajustes. "É o efeito Folha", brincou Medeiros.

Como não sei lidar com dinheiro, o meu preço não chegou a ser reajustado.

Clóvis Rossi é colunista da Folha

FolhaShop

Digite produto
ou marca