Revista da Folha

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27/11/2006

Dinheiro irracional: Entre a razão e a emoção

O "homo economicus", que toma decisões racionais, é um mito. Ao contrário dos modelos de economia, tendemos à superconfiança e a um otimismo excessive

por MARCELO BILLI

Stephen Stickler/Getty Images
Lidar com dinheiro pode ser uma experiência bem desagradável, principalmente quando você fica no vermelho ou perde recursos depois de tomar uma decisão errada. Há muito tempo os psicólogos estudam os motivos que nos levam a tomar determinadas decisões e como reagimos às suas conseqüências. Já os economistas gostam de modelos e criaram um para o ser humano. O "homo economicus" é racional, toma decisões que só maximizam seu prazer e, se erra, aprende com seu erro e não o comete mais.

O problema, diria um psicólogo, é que esse modelo não descreve muito bem o "homem real", tão diferente, tão menos racional do que o "homo economicus". Pelo menos não os homens e mulheres reais que a psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira atende em seu consultório e que sempre reclamam da relação difícil com o dinheiro, da confusão que é lidar com suas vidas financeiras, dos erros que cometem, da ansiedade que eles provocam e da dificuldade que têm para corrigi-los.

"Se olharmos a história, existe muita gente que aplica o dinheiro de forma racional, mas há momentos em que a irracionalidade impera", diz John Schulz, diretor da BBS (Brazilian Business School). O problema: as teorias tradicionais de finanças tinham pouco a explicar sobre esses momentos e sobre o comportamento dos investidores quando eles tomam decisões que pelo menos aparentemente vão de encontro aos seus próprios interesses.

Vera, consultora em psico-economia e representante no Brasil da Iarep (Associação Internacional para Pesquisa em Psicologia Econômica), é pesquisadora em uma área que tenta ajudar as pessoas a entender sua relação com o dinheiro e a explicar por que elas erram e, muitas vezes, insistem no erro: as "finanças comportamentais", um ramo da "economia comportamental" que usa conceitos de outras áreas, como a sociologia e a psicologia, para tentar tornar os modelos dos economistas um pouco mais realistas.

O grande problema de qualquer investidor, seja o que especula na Bolsa ou a dona de casa que precisa decidir onde investir suas economias, é que ele precisa fazer projeções sobre o futuro e, como todos sabem, mas às vezes parecem esquecer, o futuro é sempre muito incerto. "Saber o preço real de qualquer coisa não é algo muito fácil, seja um carro, um imóvel ou uma ação. Nós até sabemos o sacrifício que fazemos no presente para adquirir algo, mas sabemos muito menos sobre o benefício que bem foi adquirido nos trará no futuro", diz Ricardo Almeida, professor de mercados financeiros do Ibmec São Paulo.

O indivíduo racional, que processa todas as informações e toma a decisão que traz o maior benefício possível, não parece ser a regra, dizem os partidários das finanças comportamentais. "Não nos damos conta de como a nossa memória é seletiva e de como ela pode distorcer fatos", ressalta Vera.

Foi prestando atenção às limitações dos "seres humanos reais" e na maneira como nossa mente lida com situações que envolvem decisões complicadas que os economistas e psicólogos descobriram algumas tendências que mostram como é difícil encontrar um exemplar do "homo economicus" por aí.

"Ao contrário do ser humano dos modelos de economia, nós tendemos a um otimismo excessivo, à superconfiança. Lembramos muito bem dos nossos sucessos, damos publicidade a eles. Sabemos de cor os nomes dos grandes especuladores que fizeram um pé-de-meia para a vida toda, mas conhecemos poucos que perderam todos os recursos em uma jogada desastrosa", diz Vera. Além disso, muitos preferem não lidar com a realidade. "Estamos sempre prontos a detectar coisas que nos agradam e a tentar afastar coisas das quais não gostamos."

sxc.hu
É difícil aceitar prejuízos

Essa tendência de recorrer a ilusões pode não doer no bolso em outros assuntos. Exemplo: depois de levar um fora, acreditar que a namorada ou o namorado cedo ou tarde vai voltar. Mas pode ter um efeito financeiro bem ruim quando você está lidando com sua poupança.

É essa tendência que explica, por exemplo, porque as pessoas têm tanta dificuldade em admitir prejuízos. É muito comum ouvir de um operador da Bolsa que ela caiu porque os investidores "realizaram lucros", mas ninguém fala em "realizar prejuízos". Afinal, para fazê-lo, ele tem que admitir que investiu no papel errado, que errou ao prever o futuro. Junto com os psicólogos, os economistas descobriram que somos rápidos para realizar lucros, mas lentos em fazê-lo quando estamos perdendo dinheiro, justamente porque demoramos a admitir que tomamos uma decisão equivocada.

Aliás, dizem os especialistas em finanças comportamentais, não sabemos perder. Pesquisas mostram que o sofrimento de perder algo como R$ 100 é em média três vezes mais intenso do que o prazer de encontrar R$ 100. Isso é um problema porque ao nos arriscarmos mais quando tentamos evitar uma perda aumentamos o risco de que ela seja ainda maior.

Temos que decifrar, na hora de escolher o investimento ideal para nossos objetivos, uma montanha de decisões. Novamente somos bem diferentes do "homo economicus", que processa toda a decisão relevante e vai em frente. "Nós tendemos a usar regras de bolso. Algo como, por exemplo, vou comprar essa ação ou esse fundo porque meu amigo trabalha lá, ou porque é socialmente responsável, ou porque subiu durante três meses", exemplifica Almeida, do Ibmec.

A regra de bolso, dizem os economistas psicólogos, ou psicólogos economistas, são uma espécie de atalho mental que usamos para não ter que lidar com uma infinidade de informações. O problema é que nem sempre as informações preferidas por esse "atalho" são as mais relevantes para definir, no futuro, o preço do que eu estou comprando hoje.

Mais: quando saímos em busca de informações tendemos a dar mais peso àquelas que confirmam nossa visão de mundo ou nossa opinião a respeito de algo. O que de novo pode fazer com que projetemos um cenário futuro ilusório, que não leve em considerações fatos relevantes que, por algum motivo, resolvemos ignorar. "Além disso, as pessoas estão mais dispostas a acreditar que a alternativa que faz mais sentido para ela é a mais provável de ocorrer", lembra Vera.

A boa notícia é que as descobertas da economia e das finanças comportamentais identificaram os tipos de decisões que nos inclinamos a tomar e que supostamente não são racionais. A notícia não tão boa é que não é fácil corrigi-las. "Mudar é difícil, cria angústia, mas não tem outra maneira a não ser encarar a realidade. É algo de longo prazo, de pensar e rever aos poucos a maneira como você encara os fatos. Ou você vai para debaixo do tapete, ou você fica e agüenta", conclui Vera.

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