Revista da Folha

+ dinheiro

27/11/2006

Afeto/prazer/renda: Até que as contas os separem

Por que é tão difícil lidar com o dinheiro no casamento

por SANDRA BALBI

Don Farrall/Getty Images
É mais difícil falar de dinheiro no casamento do que de sexo, da educação dos filhos ou "discutir a relação" no divã do analista. "Dinheiro é uma medida de valor com a qual medimos nossa individualidade, por isso é tão complicado falar dele", diz o economista e psicólogo Carlos Alberto de Oliveira Carvalho.

Como vivemos uma fase do capitalismo em que, segundo Carvalho, o indivíduo move o consumo, os casamentos seriam muitas vezes "unidades independentes fazendo trocas eventuais". O resultado disso é a ausência de um compromisso de longo prazo entre as pessoas, pois do ponto de vista das trocas individuais não há nada que justifique manter uma família: é prejuízo na certa. "'Sob essa ótica, é mais vantagem, sem dúvida, manter a individualidade na relação", diz Carvalho.

Por isso, embora dividam as despesas domésticas, a maioria dos casais em que ambos trabalham prefere manter contas bancárias separadas e cada um paga seus gastos pessoais sem dar satisfação ao outro. "As pessoas perderam a noção da interdependência e esse é um conceito básico no casamento. Enquanto cada um se pensar como um indivíduo, será um individualista que tem família", acrescenta o psicólogo.

Pesquisa realizada há dois anos em São Paulo pela H2R mostra que 40% dos casais divide igualmente as despesas, mas só 22% deles têm conta conjunta. A separação das receitas é mais radical entre os que moram juntos sem serem casados: apenas 6% têm conta conjunta. Tratam-se de relações estáveis, e 88% desses casais têm filhos. "Quem ganha mais tende a separar as finanças por temer o fim do casamento. Isso enfraquece o sentido de união, de família", diz o consultor Gustavo Cerbasi. "Eles vivem juntos, mas mantêm objetivos individuais, e os objetivos comuns ficam mais difíceis de conquistar."

Carol Carquejeiro/Folha Imagem
O cirurgião plástico Eduard Breschtbühl e a mulher, a fonoaudióloga Eliane de Rezende Breschtbühl, com a filha Isabela: ele sustenta a casa enquanto ela estuda
O cirurgião plástico Eduard Breschtbühl e a mulher, a fonoaudióloga Eliane de Rezende Breschtbühl, com a filha Isabela: ele sustenta a casa enquanto ela estuda
O último tabu

Consultores financeiros afirmam ser a questão monetária o último grande tabu da sociedade moderna. "Há casais que não sabem quanto o outro ganha, e a maioria dos homens ainda se ressente quando a mulher ganha mais", diz a consultora Márcia Dessen, da BankRisk.

Antes de subir ao altar, tratar de questões pecuniárias é ainda mais constrangedor. Na fase do namoro, dos arrulhos apaixonados, decidir quem paga a conta do restaurante é suficiente para quebrar o clima de qualquer romance. E quem é capaz de discutir placidamente se o apartamento que o pai dela dará de presente de bodas ficará no nome de ambos ou no da noiva?

Quanto mais cedo esse tipo de questão for enfrentada, mais chances tem o casamento de dar certo, dizem consultores. Nos EUA, metade dos divórcios ocorrem por problemas financeiros. Mais de um terço dos casais paulistanos entrevistados pela H2R –38%– admite que chega a brigar por dinheiro.

"Os casais devem colocar as cartas na mesa desde o início da relação. Se um é funcionário e controlado nos gastos e o outro é empresário e gosta de correr riscos, o melhor a fazer é casar com separação de bens", aconselha Jurandir Sell Macedo, consultor financeiro do Instituto de Educação Financeira, de Florianópolis.

Segundo Macedo, quando o homem ganha mais é mais fácil administrar essa questão entre o casal. "Homem adora mulher fracassada ao seu lado, já a mulher, não. Quando a mulher ganha mais que o marido, as finanças domésticas têm de ser muito conversadas, pois o homem tem uma dificuldade brutal de lidar com uma mulher bem-sucedida", afirma Macedo.

Nesses casos, a tendência de muitos maridos é boicotar a vida profissional da mulher: reclamam quando ela tem de viajar a trabalho e dizem que ela não cuida direito dos filhos, priorizando a carreira. "Alguns homens até aceitam bem viver com alguém que ganha mais do que eles, mas em geral eles sentem-se diminuídos, fracassados. Isso tem de ser discutido dentro da relação", observa.

Segundo a pesquisa da H2R com casais paulistanos, em 64% dos casos o homem ganha mais que a mulher e em 25% deles é a mulher quem responde pela maior parte das receitas. Nos 11% restantes dos casos, ambos ganham igual. "Mas mesmo quando a mulher ganha mais, é o homem que arca com a maior parte das despesas da casa. Ela só paga os supérfluos: roupas, brinquedos, viagens", diz Rubens Hannun, presidente da H2R.

Marcela Barbara, sócia da empresa, diz que parece haver um certo ressentimento entre o casal quando ela ganha mais. "A maioria dos casais (54%) diz que administra a renda em conjunto, mas isso não significa somar o dinheiro de ambos e sim decidir quem paga o quê."

A melhor forma de evitar constrangimentos ou brigas por questões financeiras é planejar os gastos a dois. "Todo mundo tem metas individuais e também metas do casal ou da família. É importante que cada um deixe claro quais são as suas metas pessoais dentro do casamento", afirma Dessen.

Ela recomenda que para custear os projetos coletivos o casal mantenha uma conta conjunta e defina qual será a contribuição de cada um para ela. Dessen su-gere que o marido e a mulher contribuam com o mesmo percentual aplicado sobre o seu rendimento. "Assim, o esforço de contribuição de cada um é igual", diz ela. Sell, do IEF, recomenda, para quem quer envelhecer junto, construir uma poupança do casal para a aposentadoria.

Acordo matrimonial

"Confiança mútua sem limites." Essa é, segundo o cirurgião plástico Eduard Breschtbühl, a base para o novo "acordo matrimonial" entre ele e sua mulher, a fonoaudióloga Eliane de Rezende Breschtbühl.

Quando casaram, há oito anos, ela trabalhava e já nos tempos de namoro compartilhavam as despesas. O primeiro apartamento foi pago pelos dois. Há um ano, ela decidiu fazer pós-graduação. Com uma filha de quatro anos, Isabela, ficou difícil equilibrar o papel de mãe, estudante e profissional.

O casal decidiu que, enquanto durasse o curso, Eliane deixaria de trabalhar e Eduard sustentaria sozinho a família. Em contrapartida, ela administraria as contas domésticas e as aplicações financeiras do casal. Eliane conta que mantém uma planilha de gastos que vai atualizando ao longo do mês. "Quando o dinheiro está curto, cortamos os jantares em restaurantes, quando sobra, posso comprar um vestido no qual estou de olho."



FolhaShop

Digite produto
ou marca