Revista da Folha

+ dinheiro

27/11/2006

Afeto/prazer/renda: Amor exigente

Como ensinar seu filho a lidar com dinheiro e a resistir à sedução do consumo

por SANDRA BALBI

Carol Carquejeiro/Folha Imagem
Alunos da terceira série do colégio Porto Seguro de Valinhos, um dos poucos que prevêem aulas de educação financeira no currículo
Alunos da terceira série do colégio Porto Seguro de Valinhos, um dos poucos que prevêem aulas de educação financeira no currículo
Fernanda, 4, esperneia diante do guarda-roupas e, em lágrimas, recusa-se a vestir o que a mãe lhe oferece. Ela grita que "só usa roupas da Green" -- rede voltada para bebês e crianças de até oito anos --, e aquela peça não tem a sua marca predileta. "Como ela descobriu a grife infantil, se não trabalha nem vai sozinha ao shopping? Certamente, pelas mãos dos pais", comenta Cássia D'Aquino Filocre, especialista em educação financeira.

Para ela, a família desempenha papel fundamental na educação financeira das crianças. "Não há nada que se compare ao exemplo dado pelos pais," afirma. Pais consumistas vão criar filhos gastadores; pais poupadores vão ajudar os filhos a ter visão de longo prazo e a se prepararem para o futuro.

Mas, no Brasil, a cultura da inflação legou uma geração de adultos despreparada para lidar com o dinheiro -- e isso dificulta o processo de educação financeira, especialmente nos lares mais abastados.

Além disso, cada vez mais ausentes -- por exigência do trabalho e das obrigações sociais -- os pais temem dizer não aos rebentos. E quando o fazem é porque chegaram ao limite do cheque especial. "Continue me amando, se eu pudesse te daria tudo", é a mensagem oculta nesse tipo de comportamento, pontua Cássia.

A maioria dos pais dificilmente resiste às birras dos pimpolhos e não suporta vê-los emburrados quando contrariados. Cedem a exigências crescentes, esquecendo que o papel da criança é fazer pirraça, insistir, e o dos pais é educar. "Muitos adultos se submetem às exigências infantis temendo perder o reconhecimento do filho", acrescenta a educadora.

Razão e emoção

O problema, diz o economista Lincoln Harten, é que os pais são "afetivo-investidores" -- investem num projeto com uma enorme carga afetiva. E nem sempre agem racionalmente. "Preciso mostrar ao meu filho que dinheiro é algo importante, fruto do trabalho, mas ele vem com aquele abraço e derruba toda a racionalidade", comenta. "Aí entra o jogo da chantagem permeando a relação entre afeto, prazer e renda."

Para Harten, os filhos têm de ser educados a lidar com essas três forças desde o berço. "O peito materno sintetiza as forças do afeto, do prazer e da renda [no caso simbolizada pelo leite]. Se falta uma delas, a criança chora", diz ele. Quando cresce, ela precisa entender que a maior ou menor disponibilidade de um desses ingredientes -- no caso a renda ou o dinheiro -- não significam que o afeto dos pais por ela é maior ou menor.

Mas, ao longo da vida, muitos pais se distanciam dos filhos e acabam mostrando a eles que o dinheiro -- ou a falta dele -- é tudo em casa. "O dinheiro virou uma moeda de troca do afeto", completa Harten. Esse distanciamento entre pais e filhos vem desaguando numa relação cada vez mais precoce das crianças e jovens com o mercado de consumo e com os meios de pagamento.

Pesquisa do Ibope Mídia mostra que 28% dos jovens entre 12 e 17 anos de idade possuem cartão de crédito. Esse é um percentual elevado, considerando-se que 54% da população possui o dinheiro de plástico. O uso de cartão de crédito pelos jovens explodiu nos últimos sete anos: em 1999, apenas 2% deles possuíam o produto.

Os dados são da pesquisa Target Group Index, realizada entre julho de 2005 e julho deste ano, com 16.768 pessoas de 12 a 64 anos nas principais regiões metropolitanas do país. Esse universo representa 62,2 milhões de pessoas.

Já os jovens entre 12 e 17 anos representam um universo de 8,9 milhões de pessoas, equivalente a 14% da população. A pesquisa mostra, ainda, que o número de compras pessoais, por mês, nessa faixa etária e o valor desses gastos supera o da média da população (leia quadro).

Diante da onda do plástico muitos pais se perguntam se crianças de 12, 13 anos estão preparadas para usar cartão de crédito. "O jovem tem um impulso de independência que não significa que esteja pronto para ela. Na mão dele, cartão de crédito é uma arma", alerta Cássia D'Aquino.

Na opinião dela, educar é preparar o jovem para que ele se torne independente, num processo.

Papel da escola

Nesse processo de formação, a escola desempenha papel complementar, segundo D'Aquino. Poucas instituições de ensino, entretanto, têm programas de educação financeira. O colégio Porto Seguro de Valinhos é uma exceção. Maria Inês Alves Cruz, coordenadora do Centro Pedagógico do Porto Seguro, diz que o programa visa a educação financeira para o consumo. "Procuramos mostrar às crianças a importância de ter dinheiro para gastar, poupar e doar", diz ela. A professora da terceira série Ana Fátima Trivelato constatou que, para as crianças, "consumir significava ter coisas em excesso".

Rodrigo Dechichi Zuppi, 10, aluno da terceira série do colégio, conta que economizou os R$ 10 da sua "semanada" durante dois meses para comprar uma camiseta da marca que mais gosta. "A gente deve gastar o dinheiro primeiro com o que é necessário, depois com os desejos", afirma o garoto.

Ele aprendeu que para realizar seus desejos tem de poupar. Marina Zuppi, mãe de Rodrigo, conta que o garoto mudou: "Ele pensa antes de gastar, aprendeu a fazer escolhas".



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