Revista da Folha

+ dinheiro

27/11/2006

Entrevista | Eduardo Giannetti da Fonseca: O preço da felicidade

"A desigualdade exacerba o poder do dinheiro: quem não o tem acaba supervalorizando-o, e quem o tem acaba ficando com muito poder na sociedade"

por SANDRA BALBI

Carol Carquejeiro/Folha Imagem
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, 49, retoma nesta conversa com + dinheiro o tema da felicidade, objeto de um de seus livros, e diz que há limites para a relação entre dinheiro e bem-estar subjetivo. Giannetti, que é também professor do Ibmec São Paulo, diz que a atual "corrida armamentista" do consumo se espelha na sociedade americana, mas tem suas origens na alma humana.

Ele evoca Petrônio, autor de Satyricon, obra em que um milionário da Roma antiga afirma: "Só me interessam os bens que despertam no populacho a inveja de mim por possuí-los". E lembra que a posição relativa na sociedade conta mais que o nível absoluto de renda para os indivíduos medirem sua felicidade. Leia a seguir trechos da entrevista:

Folha - Dinheiro traz felicidade?

Eduardo Giannetti da Fonseca - Não existe uma resposta simples. O que foi investigado mostra que à medida em que a renda média por habitante de um país aumenta, isso se traduz em maior nível de bem-estar subjetivo. Mas só até um certo ponto. Depois essa relação desaparece.

Para países que vêm de um patamar muito baixo, no início do processo de crescimento, o aumento da renda média por habitante tem forte correlação com o aumento da felicidade. Mas a partir do momento em que o país atinge um determinado nível de renda – cerca de US$ 10 mil de renda média anual por habitante – a relação entre crescimento econômico e aumento do bem-estar subjetivo fica muito tênue.

Folha - Como o Brasil se situa nessa análise? Somos infelizes?

Giannetti da Fonseca - Essa análise considera a renda média pela paridade do poder de compra, e não pela taxa de câmbio. Por esse cálculo a renda média no Brasil está em torno de US$ 7.500 anuais – ainda temos algum espaço para crescer com ganhos de bem-estar subjetivo, mas não muito.

É ilusão achar que um país com US$ 20 mil de renda média por habitante tem a metade da felicidade de outro país que tem renda de US$ 40 mil por habitante.

Folha - Por quê?

Giannetti da Fonseca - Primeiro porque você já satisfez suas necessidades vitais de consumo, se adaptou aos novos confortos. Segundo porque há uma importância crescente da posição relativa. Há um experimento feito em sala de aula, em vários países do mundo, em que se propõe aos alunos o que cada um prefere: estar numa sociedade em que ele ganha 100 e todo mundo ganha 50, ou numa sociedade em que ele ganha 150 e todo mundo ganha 300.

A resposta é que as pessoas preferem estar ganhando menos, mas o dobro do que os outros. A posição relativa conta mais do que o nível absoluto de renda.

Folha - E como se mede a felicidade?

Giannetti da Fonseca - Por pesquisas de opinião. Você pergunta ao indivíduo como é que ele se sente –satisfeito, medianamente satisfeito ou insatisfeito. Aí você tem padrões estatísticos e vai vendo como esses padrões evoluem no tempo.

Um exemplo simples: se eu tomo um copo de leite todas as manhãs, e isso me dá muita satisfação, o fato de o resto da cidade estar ou não tomando um copo de leite em nada irá alterar essa sensação. Mas suponha que eu me coloquei como objetivo comprar uma BMW, no que investi um bom tempo da minha vida. Agora, imagine que no dia seguinte eu acordo e descubro que todos os carros da cidade foram trocados por BMWs iguais à minha.

A satisfação e o prestígio que aquele bem me trazia simplesmente acaba. Será que eu teria me empenhado tanto para conquistá-lo se soubesse que todo mundo iria conseguir também? Provavelmente não. Há uma enorme competição na sociedade por bens posicionais, que conferem algum tipo de diferença valorizada pelos outros.

Folha - Esse é um comportamento típico desses tempos de grande diversidade de bens de consumo?

Giannetti da Fonseca - Pode estar se exacerbando, mas é tão antigo quanto a cultura humana. Há um poeta latino, Petrônio, que escreveu Satyricon, em que um milionário romano diz: "Só me interessam os bens que despertam no populacho a inveja de mim por possuí-los".

Mas de uns tempos para cá a chamada corrida armamentista do consumo está ficando cada vez mais aguerrida. Talvez isso represente um padrão de convivência mais associado à cultura americana.

Folha - Essa corrida não pode levar a frustrações, especialmente entre os jovens que mal se formam e já estão empenhados em ganhar muito dinheiro?

Giannetti da Fonseca - Aí se misturam várias coisas. Eu acho que a principal fonte de motivação para o sucesso no mundo econômico-financeiro é a insegurança em relação ao emprego.

Os jovens estão muito preocupados em encontrar algum tipo de inserção num mundo em que os empregos bons são poucos e nos quais muitos não irão encontrar uma inserção dentro das regras atuais do jogo. Eu acho que os alunos hoje estão muito mais atentos à economia e à preparação para o mundo do trabalho porque têm muito medo do futuro.

Na minha geração, em que o país crescia, a gente não precisava se preocupar se ia ou não ter emprego. Hoje eles começam a pensar em emprego no segundo ano da faculdade, e acabam dando mais atenção e valor para o estágio do que para os estudos, o que é um desperdício. Você não vê isso em nenhum país desenvolvido.

Há uma precarização das relações de trabalho no país, e os jovens estão muito inseguros em relação ao futuro. Parte do diferencial agora é ter um bom emprego – este é, hoje, um bem posicional no Brasil, infelizmente.

Folha - Os jovens estão preparados para essa realidade?

Giannetti da Fonseca - Eu gostaria de estar num mundo que fosse exatamente o contrário: você ensinar o jovem a poupar desde muito cedo uma parte da sua renda em vez de gastar se endividando. Com o horizonte de vida agora se estendendo a 80, 90 anos, as pessoas vão ter que se preocupar muito mais cedo com o ciclo de vida, com seu futuro.

Essa extensão do ciclo de vida deveria levar a uma ampliação da capacidade de agir no presente tendo em vista o futuro.

Folha - O brasileiro é feliz apesar da desigualdade de renda e da pobreza?

Giannetti da Fonseca - A desigualdade exacerba o poder do dinheiro. Primeiro porque quem não o tem acaba supervalorizando-o. As coisas brilham com muito mais intensidade para quem está na escuridão. Se você tem pouco dinheiro o valor dele fica exacerbado aos seus olhos, na sua imaginação. Você imagina que se tivesse dinheiro todos os problemas da sua vida estariam resolvidos – e não estão. Para os que têm muito, também se exacerba o valor do dinheiro, pois isso dá a eles um enorme poder na sociedade.

Existem várias pesquisas sobre felicidade no Brasil, e o que aparece que é mais surpreendente sobre o bem-estar subjetivo é o seguinte: se você pergunta para o brasileiro se ele se considera feliz, quase 70% dirá que sim, independentemente de renda e faixa etária. Mas aí você pergunta para a mesma mostra: "os brasileiros em geral são felizes?". Só 25% dirá que sim. Ou seja não há uma consistência entre o que cada uma das partes pensa a seu próprio respeito e o que essas mesmas partes pensam a respeito do todo a que elas pertencem. É como se o todo no Brasil fosse menor que a soma das partes.

Folha - Qual a razão disso?

Giannetti da Fonseca - A minha interpretação é que as pessoas usam métricas diferentes para avaliar a sua própria felicidade e a felicidade alheia. Quando elas olham para si, pensam no seu mundo interno, na sua subjetividade. Quando olham ao redor de si, olham para as condições de vida. E aí, obviamente, não tem como imaginar que as pessoas vivendo em condições tão precárias possam estar felizes.

Folha - Por que os economistas se preocupam com o Produto Interno Bruto mas não com a Felicidade Nacional Bruta?

Giannetti da Fonseca - Os economistas acadêmicos estão voltados cada vez mais para essa dimensão subjetiva. Os economistas que estudam o comportamento humano estão se dando conta de que o mundo objetivo não é toda a realidade.

Não há uma relação bem comportada entre as mudanças no mundo objetivo e as mudanças subjetivas. Isso é especialmente verdade nos países da alta renda, que no campo da pesquisa econômica viviam a ilusão de que quanto mais renda melhor, necessariamente.

Ao trabalhar com mais afinco e mais competitivamente para aumentar o seu nível de renda você pode estar sacrificando outros valores, o que torna o seu nível geral de felicidade menor. Pode estar sacrificando, por exemplo, a convivência com os amigos, a família, a educação dos filhos, uma vida mais contemplativa, menos estressada e menos voltada para o imediato da competição do dia-a-dia.

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