Revista da Folha

+ dinheiro

27/11/2006

Internacional: Poupança exótica

O mercado transformou o tradicional porquinho em um cardápio de aplicações para todo tipo de público, de religiosos a gays

por ÉRICA FRAGA

Joe Sax/Getty Images
A indústria financeira do mundo desenvolvido atingiu nos últimos anos um nível de sofisticação capaz de garantir a oferta de fundos para diferentes investidores. Há opções para todos os gostos e bolsos, que vão de fundos socialmente responsáveis –destinados aos que querem aplicar dinheiro de acordo com crenças religiosas, valores morais ou até opção sexual– aos chamados ETFs (Exchange-Traded Funds), que acompanham vários índices do mercado.

Uma forte tendência nesses mercados é tentar combinar retornos satisfatórios com consciência tranqüila. Daí a grande procura por fundos destinados a católicos, muçulmanos e judeus; homossexuais e simpatizantes, defensores de direitos humanos e do ambiente, e por aí vai. O procedimento para investir é relativamente simples: o administrador do fundo faz uma filtragem das ações que irão compor sua carteira. Só passam na peneira empresas que atendam aos critérios de restrição impostos pelo regulamento do fundo.

No Brasil, a indústria de fundos carece de diversificação, em conseqüência de fatores como altas taxas de juros, baixos níveis de educação e de renda per capita. Embora existam há algumas décadas, os fundos socialmente responsáveis –que filtram suas aplicações no mercado de ações de acordo com as preocupações sociais ou ambientais de seus investidores– viraram moda nos últimos anos. Segundo levantamento do banco Itaú, o patrimônio dos principais fundos desse tipo no Brasil é de R$ 390 milhões. O número é insignificante se comparado ao que ocorre em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, o patrimônio total dos fundos de ações socialmente responsáveis se multiplicou por 15 entre 1995 e 2005, alcançando US$ 179 bilhões (cerca de R$ 394 bilhões). Tendência similar foi seguida por Reino Unido, Austrália e Canadá.

Outro exemplo de como a indústria de fundos no Brasil ainda deixa a desejar em matéria de variedade são os modernos ETFs, que funcionam como fundos mútuos, mas são negociados como ações e se tornam cada vez mais populares entre investidores sofisticados de grandes centros financeiros. Em 2005, só na Bolsa de Valores de Nova York foram lançados 46 ETFs. Outros 42 surgiram na Euronext (bolsa de mercados futuros que reúne alguns países europeus) e 22 na Bolsa de Valores de Israel. Já no Brasil o número de EFTs continuou estancado em apenas um em 2005. O único fundo existente no país é o PIBB (Papéis de Índice Brasil Bovespa), lançado pelo BNDES em 2004 e administrado pelo Itaú.

Embora a indústria de fundos brasileira tenha um patrimônio substancial (em relação ao PIB, ultrapassa o de países como o Reino Unido), está muito concentrada em renda fixa, enquanto as maiores possibilidades de diversificação se encontram no mercado de ações. Segundo dados do site Fortuna, 90% dos recursos dos investimentos de varejo estão aplicados em fundos de curto prazo, DI ou renda fixa; 6%, nos fundos multimercados; e apenas 4% nos fundos de ações.

Se considerada a indústria de fundos como um todo (varejo e atacado), o percentual aplicado em fundos de ações no Brasil era equivalente a 7% do total no fim de 2005, segundo o Investment Company Institute. A diferença em relação a outros países impressiona. A mesma relação era de mais de 50% nos EUA e superava 70% no Reino Unido e no Japão.

Mercado restrito

Uma pergunta inevitável que surge é: se as maiores oportunidades para diversificação se encontram no mercado de ações, por que os brasileiros não investem mais nesse nicho? Provavelmente há muitos fatores que, combinados, ajudam a responder isso. Mas o principal parece ser o fato de a taxa de juros no Brasil seguir alta. Com uma relação entre a dívida pública e o produto interno bruto (PIB) ainda em torno de elevados 50%, o risco de crédito do país continua relativamente alto. Isso faz com que o governo precise oferecer a investidores taxas de juros atrativas para se financiar.

Esse alto endividamento explica por que o governo passou a ter de gerar na última década superávits primários (economia de recursos do setor público utilizada para pagamento de juros) significativos que reduziram sua capacidade de investimento. A essas barreiras somam-se outros fatores, como os indicadores sociais brasileiros, para explicar a pouca variedade nos fundos. Com uma renda per capita baixa em relação à de países desenvolvidos –e de muitos emergentes–, o número de investidores brasileiros é pequeno. Talvez ainda mais significativo seja o fato de o nível educacional no Brasil ainda deixar a desejar –o que dificulta o acesso a informação e o entendimento das características de produtos financeiros mais complicados, como os ETFs.

Nos próximos anos, os indicadores sociais continuarão a atual tendência de melhora, mas a um ritmo ainda lento. Já o cenário econômico deverá se manter favorável à política de redução gradual dos juros, com queda continuada da relação entre dívida pública e PIB e inflação em baixos patamares. Com isso, em média, a taxa Selic deverá cair para aproximadamente 13% entre 2007 e 2010, contra 19% nos últimos cinco anos, segundo projeções da Economist Intelligence Unit. Juros menores serão o principal estímulo para uma demanda por maior diversificação do mercado de fundos.









Érica Fraga é analista de América Latina da consultoria britânica Economist Intelligence Unit

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