Revista da Folha

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16/04/2007

Sustentabilidade pega (e paga) bem

Empresas preocupadas com o impacto social e ambiental de seus negócios ganham espaço no mercado de capitais

por JANAINA LAGE
MARCELO BILLI

E m 2001, o ABN Amro lançava no mercado financeiro brasileiro um fundo cujo objetivo era investir em empresas sustentáveis. Não eram poucos os céticos em relação à iniciativa. Tampouco eram raros os investidores que, apesar de não dizê-lo publicamente, acreditavam que havia certa contradição entre fazer negócios e fazer o que é certo. Desde lá, o Ethical, o fundo do ABN hoje com patrimônio de R$ 240 milhões, acumula valorização de 356%, comparada com alta de 248% do Ibovespa. Os fundos desse gênero também se multiplicaram. Já há pelo menos uma dúzia deles administrando cerca de R$ 1,3 bilhão no Brasil.

Montagem/Dreamstime.com
"Não existe dicotomia entre fazer negócios ou fazer a coisa certa", diz Linda Murasawa, superintendente de produtos sócio-ambientais do ABN Amro. É verdade que o patrimônio dos fundos que investem em papéis de empresas sustentáveis ainda é uma gota no oceano na indústria de fundos no Brasil, que administra quase R$ 1 trilhão. Mas é uma gota que cresce.

Se há algo que pode transformar a preocupação com impactos ambientais e sociais dos negócios em alguma coisa concreta, dizem especialistas, é o bolso. Um bom sinal de que eles estão certos, é que os bancos estão entre os setores que andam rápido para se adaptar aos novos tempos. Desde 2004, o IFC (International Finance Corporation), braço do Banco Mundial, promove os Princípios do Equador, conjunto de regras às quais as instituições financeiras podem aderir. As que o fazem adotam uma série de condições para liberar empréstimos para empresas. Elas se comprometem, antes de liberar grandes empréstimos, a analisar desde o impacto ambiental do projeto financiado até o comprometimento do tomador com a transparência e com a legislação local.

Leonardo Wen/Folha Imagem
Reflorestamento na Bahia; madeira sem certificado de origem não entra em países industrializados.
Reflorestamento na Bahia; madeira sem certificado de origem não entra em países industrializados.
Segundo Clarissa Lins, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, o Brasil é o país emergente com maior número de bancos signatários dos Princípios do Equador (Itaú, Unibanco, Bradesco, BB, ABN AMRO Real e HSBC). Segue à frente da África do Sul, o segundo país emergente no ranking. "Os Princípios do Equador são um conjunto de diretrizes aplicáveis voluntariamente por instituições financeiras que concedem empréstimos na modalidade de project finance. Dessa forma, os bancos procuram garantir que a execução dos projetos ocorra de forma ambientalmente responsável."

Risco para o negócio

Quem adere diz que não o faz apenas por bom-mocismo. Pelo contrário. "Uma empresa pode estar bem financeiramente, mas se ela coloca produtos no mercado que fazem mal à saúde das pessoas, ou que geram impactos ambientais ou sociais muito negativos, pode ter problemas e fechar as portas", diz Linda. Os riscos ambientais e sociais, diz o mundo financeiro, também são um risco para o negócio, portanto, podem acabar levando uma empresa a não ter condições de pagar um empréstimo.


Indicadores de sustentabilidade das empresas, concluem analistas, serão cada vez mais considerados na hora de analisar as operações de crédito das empresas. O outro lado da moeda: se os bancos tornam-se cada vez mais exigentes com esses padrões, as empresas terão que se adaptar pelo menos aos padrões mínimos exigidos pelo mundo financeiro, para terem acesso a crédito em condições adequadas.

A idéia por trás de um fundo que investe em empresas sustentáveis é similar. Corporações que não se preocupam com padrões éticos, sociais e ambientais são também as que enfrentam as maiores probabilidades de perder dinheiro por conta de riscos que elas não consideravam. Riscos como a possibilidade de os consumidores não aceitarem mais um determinado tipo de produto; ou de que a desobediência a regras ambientais acabe levando a punições legais, perda de mercado e prejuízos. "[Quando investe em empresas sustentáveis] você está investindo na capacidade gerencial do corpo diretivo das empresas", diz Henrique Ferreira, diretor de Produtos do HSBC Investment, que administra o HSBC Ações de Sustentabilidade Empresarial.

Drbouz/Dreamstime.com
Empresas poluidoras,que têm nas chaminés sujas seu símbolo, não têm espaço na nova economia
Empresas poluidoras,que têm nas chaminés sujas seu símbolo, não têm espaço na nova economia
Quem anda pelo mundo da sustentabilidade diz que a tendência é irreversível. E que tornar os negócios sustentáveis é algo que deixou de fazer parte apenas da

O investidor não quer arriscar-se a investir em uma empresa que pode ser multada por questões ambientais

estratégia de marketing, como era visto há não muito tempo. Tornou-se item básico de sobrevivência. Mesmo para as pequenas empresas, observa Linda, do ABN. "As grandes empresas exigem cada vez mais que seus sejam seguidos por seus fornecedores, um universo em que estão pequenas e médias empresas", diz ela.

Um exemplo típico, afirma a superintendente do ABN Amro, é a certificação ISO 14000, basicamente um documento que atesta se os padrões estabelecidos de gestão ambiental estão sendo cumpridos. "Não adianta a empresa se certificar caso seus fornecedores também não tenham o certificado. Os fornecedores precisam se enquadrar. É claro que não é algo que acontece da noite para o dia, mas o movimento das grandes puxará as pequenas", completa.

Mercado de capitais

No Brasil, uma certificação informal acontece no mercado de capitais. A Bovespa já elege as empresas sustentáveis do pregão da Bolsa paulista. Após elegê-las, monta um índice, o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), lançado no final de 2005. Composto por 34 empresas de 14 setores, o índice seleciona as companhias usando metodologia que avalia aspectos ambientais, sociais, econômico-financeiros, de governança corporativa e as características gerais e natureza do produto ou serviço oferecidos pela empresa.

A cada ano, a Bovespa reavalia o índice, período longo, mas que está, de acordo com Ricardo Pinto Nogueira, superintendente de Operações da Bovespa, de acordo com o tipo de investimento ligado aos papéis do ISE e ao significado do índice— o de investimento de longo prazo. Há também o aspecto prático. Para avaliar as empresas, a Bolsa precisa analisar as respostas de questionários enviados para 150 empresas cujas ações são relativamente mais negociadas que as demais.

Nogueira diz que o perfil do investidor que aplica recursos com base no ISE inclui desde pessoas engajadas, que acreditam nos valores de respeito ao meio ambiente, até os mais pragmáticos. "O investidor pragmático e conservador não quer correr o risco de investir em uma empresa que pode ser multada pelo Ibama ou ter seus empreendimentos parados por agressões ao meio ambiente," diz Clarissa Lins, diretora da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, argumenta que há evidências comprovando a correlação entre empresas que lidam melhor com aspectos ambientais e respeito aos acionistas minoritários e a gestão aprimorada dos negócios. Traduzindo: empresas com padrões éticos, ambientais e sociais acabam obtendo resultados melhores do que suas pares que não tomam esses cuidados. "A ameaça trazida pelo aquecimento global vai obrigar empresas e agentes financeiros a uma maior reflexão sobre o tema. A seleção de papéis não vai mais se dar sem o escrutínio da situação ambiental e social das empresas", diz ela.

Bancos e empresas de energia predominam na Bolsa


No Brasil, a maior parte dos fundos de investimento hoje se baseia no ISE para eleger os papéis em que irão investir. A exceção é o ABN Amro, que adota metodologia própria e analisa a situação das empresas estudando 48 indicadores de 80 empresas. "Uma base de quatro mil informações", diz Pedro Villani, gestor do Fundo Ethical. O banco leva em consideração, por exemplo, se a empresa tem certificação ambiental, qual o nível hierárquico do diretor de meio-ambiente, ocorrência de multas e adoção de política de segurança de trabalho. Nem são analisados papéis de setores internacionalmente considerados como "não-sustentáveis", como a indústria de tabaco, armamentos, bebidas alcoólicas. "Durante cinco anos levantamos os dados de empresa por empresa", diz Villani, do ABN Amro.

"Esse é o tipo de produto que as pessoas vão cada vez procurar mais", diz Ronaldo Patah, superintendente de renda variável da Unibanco Asset Management, que lançou o mais recente fundo sustentável do mercado financeiro e que pretende captar pelo menos R$ 50 milhões neste ano. A base para a estratégia de investimento do fundo será o ISE. "Vamos usar o critério do ISE para escolher, mas sem compromisso com os pesos que as ações têm no índice" relata Patah.

O ISE foi inspirado no Dow Jones Susteinability Index, da Bolsa de Nova York. As Bolsas de Londres e de Joanesburgo também têm índices similares. Segundo Nogueira, da Bovespa, não foi possível repetir no Brasil o modelo da Bolsa de Nova York em razão do tamanho do mercado. No Dow Jones, a metodologia elege as melhores empresas de cada setor. No Brasil, em alguns setores há apenas uma ou duas empresas listadas em Bolsa.

A carteira atual do ISE, por exemplo, tem forte concentração nos setores de energia elétrica e bancos. Segundo Nogueira, o peso do setor de energia em índices de sustentabilidade é uma característica brasileira. "A única empresa de energia da América Latina que está no índice da Dow Jones é a Cemig. O Brasil tem tradição de longo tempo na energia hídrica. A Aneel e as empresas de energia têm sido muito cobradas pelo governo e pelas ONGs, o que contribui para melhores práticas. A presença destas empresas é um aspecto tipicamente brasileiro", diz.

Mesmo setores tradicionalmente reconhecidos como de maior impacto ao meio ambiente, como o de exploração de petróleo, estão presentes no índice. A Petrobras, que já teve diversos acidentes ambientais no passado, passou recentemente a integrar a carteira.

No longo prazo, as empresas sustentáveis deverão ser as melhores opções de investimento

O desempenho recente do ISE ainda não impressiona. Desde que foi criado, o índice segue praticamente grudado no Ibovespa, mesmo porque estão lá parte importante das grandes empresas que também estão listadas no principal índice da Bolsa. Mas, lembram analistas, o propósito do índice não é o de gerar ganhos superiores ao de mercado no curto prazo. Pelo contrário, o que todos esperam é que, no longo prazo, as empresas sustentáveis se revelem as melhores opções de investimento. Portanto, é de se esperar que, em breve, os negócios sustentáveis deixem para trás as empresas que supostamente perderam o bonde da sustentabilidade.

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