Revista da Folha

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16/04/2007

Entrevista | Roseli Machado: É hora de diversificar

Para a gestora da Fator Administração de Recursos, a manutenção de um cenário externo favorável beneficia as aplicações de maior risco

por OSCAR PILAGALLO

Marcelo Ximenez/Folha Imagem
Roseli Machado, em frente à tela de Ana Maria Maiolino, uma das obras de arte do acervo do Banco Fator
Roseli Machado, em frente à tela de Ana Maria Maiolino, uma das obras de arte do acervo do Banco Fator
Se a má notícia para os investidores é que, com a queda dos juros, os tempos de ganhar dinheiro sem fazer força acabaram, a notícia boa é que a conjuntura internacional continua favorável aos mercados.

É com essa perspectiva que trabalha Roseli Machado, 41, gestora da Fator Administração de Recursos, o braço do conglomerado financeiro que cuida de investimentos de terceiros.

Não é uma opinião consensual. Depois das turbulências entre fins de fevereiro e meados de março na China e nos Estados Unidos, vários analistas passaram a desconfiar da solidez da economia mundial. Roseli, no entanto, se mantém confiante. Para ela, tudo não passou de falso alarme, tanto que as perdas nas Bolsas de Valores foram mais do que compensadas.

Roseli fala com a autoridade de quem coordena uma equipe de seis gestores de renda fixa e variável e cinco analistas de empresas e é responsável por uma carteira da ordem de R$ 4 bilhões.

Formada em administração de empresas em 1986, começou a trabalhar pouco antes do Plano Cruzado. De lá para cá viu um pouco de tudo: pacotes econômicos, turbulências, crise asiática, crash global. Comparativamente, o cenário hoje é mais calmo. Mas ela não baixa a guarda. Às 8h30, faz a primeira reunião do dia, um ajuste fino nas posições definidas a partir de diretrizes semanais. O radar está sempre ligado. Ao assumir a mesa de operações, fica sintonizada na CNN e de olho nas cotações na tela do computador. Às vezes, de madrugada, dá uma checada no que acontece do outro lado do mundo. Se uma crise se avizinha, é melhor que se saiba evitar antes.

Com dois filhos pequenos —uma menina de sete e um menino de três anos—, Roseli diz, rindo, que de vez em quando tem que administrar duas crises ao mesmo tempo.

Na entrevista a seguir, ela orienta o pequeno investidor a interpretar os sinais vindos do exterior, de forma a aumentar sua perspectiva de ganhos financeiros.

Folha - Um pequeno investidor quer proteger seu investimento das oscilações da economia mundial. Ou quer potencializar seu ganho com suas eventuais turbulências. Para onde ele deverá olhar nos próximos meses?

Roseli Machado - Estados Unidos e China, sem dúvida. Nos EUA, o investidor deve prestar atenção sobretudo aos juros básicos. O cenário mais provável é que essa taxa se mantenha em 5,25% ao ano. Isso porque, embora a inflação de 2,4% ao ano esteja um pouco acima da zona de conforto, a economia está em desaquecimento, e o Fed [banco central] não poderia aumentar os juros para não afundar ainda mais a economia.

Folha - O mercado imobiliário americano, onde foi identificado o maior nível de inadimplência em mais de três anos, é um foco de preocupação?

Roseli Machado - Esses créditos que tiveram problema foram concedidos em média há dois anos. Eles estão na categoria de tomadores de menor poder aquisitivo, que oferecem maior risco, e representam 10% do volume das hipotecas americanas. Os outros 90% não apresentam problema.

Folha - Para a economia como um todo, qual a conseqüência dessa crise localizada?

Roseli Machado - Os bancos daqui para a frente serão mais exigentes para fornecer crédito. Isso já está acontecendo. De qualquer maneira, os bancos securitizam o crédito através da emissão de títulos e assim o risco fica pulverizado. O mercado sofreu um primeiro impacto recentemente, mas assimilou a crise. O que ocorreu com o mercado imobiliário é apenas mais um fator de desaceleração. A economia americana deve crescer este ano por volta de 2%, quando vinha crescendo 4%. Os Estados Unidos só representariam um problema para o Brasil se entrassem em recessão.

Folha - E o cenário político americano? A eleição presidencial do ano que vem, cuja campanha já começou, é levada em conta nas decisões de investimento a médio prazo?

Roseli Machado - Ainda está distante. Os democratas estão pintando como o próximo governo. Além de terem dois pré-candidatos fortes, Hillary Clinton e Barack Obama, há o desgaste dos republicanos por causa da guerra [do Iraque]. O que precisa ser considerado, no aspecto econômico, é que os democratas têm um perfil mais protecionista. Uma decisão recente de cunho protecionista em relação à China, por exemplo, embora simbólica, é um sinal de que o presidente George Bush está tendo de ceder aos democratas, que se encontram numa posição mais forte no legislativo desde a eleição do ano passado.

Folha - Se desse para isolar esse cenário americano, que influência ele teria sobre os investimentos no Brasil?

Roseli Machado - Esse cenário indica a continuação por pelo menos mais um ano de liquidez abundante, o que beneficia os mercados emergentes como Brasil. Assim, os juros devem continuar caindo, e a Bolsa deve continuar subindo.

Folha - A Bolsa seria a melhor opção?

Roseli Machado - O melhor é diversificar. Desde o segundo semestre do ano passado está havendo uma migração do investidor dos fundos de renda fixa para os fundos de maior risco. É uma tendência natural, que veio para ficar. Antes a gente tinha um retorno muito alto, com juros perto de 20%, e risco muito baixo, o risco de o governo não honrar a dívida, coisa que ninguém imaginava. Agora, os juros, que estão um pouco acima de 12% ao ano, devem, a partir do próximo ano, ficar próximos dos 10%. Isso obriga o investidor a ter um mix de investimentos em seu portfólio. Se eu fosse um investidor pequeno com perfil moderado, como é a maioria, eu teria 40% na renda fixa, 50% em fundos multimercados e 10% em ações.

Folha - Ações de algum setor em especial? As empresas exportadoras, por exemplo, estão ganhando com a alta das commodities nos mercados internacionais.

Roseli Machado - As cotações de vários produtos subiram muito nos últimos dois anos, algumas delas chegaram a dobrar. Os mercados de metais, minério de ferro, produtos agrícolas e petróleo está aquecido. A previsão é que, se a China continuar crescendo num ritmo acelerado, os preços estabilizem num patamar elevado. Isso é positivo para o Brasil, é vantajoso para as empresas exportadoras.Mas, no caso do pequeno investidor, o melhor é deixar a decisão na mão do gestor, a não ser que seja uma pessoa totalmente dedicada aos mercados, que tenha parado de trabalhar para ter tempo de acompanhar o mercado em tempo real, na tela dos computadores. Isso porque os movimentos do mercado são bruscos. Eles dependem não só da conjuntura macroeconômica, mas também de condições técnicas. É muito difícil para um pequeno investidor sozinho ter rapidez suficiente para tomar uma decisão e mudar de posição antes perder grande parte do investimento. Já o gestor tem estrutura para se antecipar ao fato e fazer frente a essas situações.

Folha - Não haveria o risco, a médio prazo, de o preço das commodities ter um impacto também negativo, na medida em que criaria pressão inflacionária nos países industrializados que são grandes importadores de outros produtos brasileiros?

Roseli Machado- Os Estados Unidos assimilaram bem essas altas. O que explica isso é o fato de terem importado deflação da China, que tem baixo custo de produção e vem apresentando ganhos de produtividade. Além disso, os países da Ásia estão com suas moedas artificialmente desvalorizadas, o que barateia suas exportações. O fato é que China e EUA precisam um do outro. Os EUA precisam da China para se financiar, e a China precisa dos EUA para crescer. Vai chegar um ponto em que a China vai desenvolver um mercado interno e não vai depender tanto dos EUA, mas isso ainda está longe. Por enquanto deve prevalecer esse equilíbrio instável. Aliás, esse mecanismo de importar deflação, que funciona como um contrapeso [às inflações domésticas], ocorre em todos os países para os quais a China exporta.No caso do Brasil, o efeito é até potencializado pela moeda valorizada.

Folha - A China já vem crescendo com força há cinco, seis anos. Vai continuar no mesmo ritmo?

Roseli Machado - A previsão é que a China, que além de tudo está investindo também para a realização dos Jogos Olímpicos de Pequim no ano que vem, mantenha por mais um tempo um crescimento de mais de 10% ao ano.

Folha -A questão política na China não gera preocupação entre investidores? Afinal, trata-se de um sistema híbrido entre o capitalismo selvagem e o comunismo também selvagem, já que baseado na repressão

Roseli Machado- O que havia antes? Comunismo e muita pobreza. Agora há comunismo e um pouco menos de pobreza. O trabalhador que comia uma tigelinha de arroz, hoje come duas. Ele está satisfeito e acha que vai melhorar. É difícil que se repita o mas-sacre da praça da Paz Celestial [em 1989]. As pessoas sentem que a vida está melhorando, embora devagar. Mas claro que há sempre novas aspi-rações e demandas, o que em algum momento deve elevar os custos ligados ao trabalho, comprometendo a competitividade dos produtos chineses. Mas a situação não deve mudar, pelo menos por mais dois ou três anos.

Folha - E a América Latina? Em que medida uma liderança antiamericana, como a de Hugo Chávez na Venezuela, ou a posição de Evo Morales, da Bolívia, sobre o gás, poderiam causar alguma instabilidade e afetar o ânimo dos mercados no Brasil?

Roseli Machado - Acho que esse ce-nário latino-americano não ajuda, mas também não prejudica o Brasil. O pre-sidente Lula está fazendo uma opção pragmática. Deixa as portas abertas para conversar com Chávez e Morales, mas não vira as costas para os EUA, como ficou claro nas visitas do Bush ao Brasil e do Lula aos EUA. Para o mercado, isso é bom.

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