Revista da Folha

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16/04/2007

Memória do dragão

Nos 13 anos do real, os jovens que desconhecem o fenômeno da alta generalizada de preços enfrentam o mercado de trabalho

por OSCAR PILAGALLO

Neste ano está chegando ao mercado de trabalho a primeira geração sem a memória dos tempos da inflação. É geração dos jovens com idade em torno dos 25 anos que está deixando as universidades.

Esses jovens tinham 12 anos em 1994, quando foi criada a moeda em que muitos deles receberam mesada durante a adolescência. Considerando-se que antes dessa idade a noção que se tem de dinheiro é limitada, pode-se afirmar que eles não sabem, na prática, o que é inflação.

Inflação é o aumento geral de preços. Está no dicionário. Entre a definição e a percepção, no entanto, há uma longa distância.

A inflação referida não é essa pequena variação de hoje em dia, medida com a precisão de duas casas depois da vírgula. É a inflação dos dois dígitos por mês, dos quatro dígitos por ano. É a hiperinflação, que bateu em 2.700% em 1993 e que os chargistas representavam como um dragão.

Como é a vida com a inflação nesse nível estratosférico? Em duas palavras: caótica e perversa.

Caótica porque o grau de previsibilidade é quase inexistente: um bom salário reajustado bimestralmente se revelava um ganho pífio; um aluguel alto com reajuste semestral era excelente negócio para o inquilino.

E perversa porque quem perdia era invariavelmente a parte mais fraca: o trabalhador sem condições de negociar, o cidadão sem conta em banco, e portanto sem ter como se proteger da desvalorização diária da moeda. A melhor definição para a inflação é que a considera um mecanismo de transferência de renda. Ganha com a inflação quem tem poder para antecipar receitas ou atrasar pagamentos.

Essa história terminou com o real, que faz aniversário neste trimestre. Embora a estréia da moeda tenha se dado em 1º de julho, ela teve uma fase embrionária, de transição – a URV (Unidade Real de Valor)–, iniciada em março.

O plano pôs fim ao período de pacotes econômicos que começou com o Cruzado em 1986. Foram anos de moedas efêmeras. Mas a verdade é que, pelos padrões internacionais, as moedas brasileiras nunca foram longevas.

Depois do longo período dos mil-réis, a primeira moeda brasileira moderna foi o cruzeiro, introduzido em 1942.

Em plena Segunda Guerra Mundial, a implementação do cruzeiro enfrentou percalços. As cédulas, impressas na Europa, chegavam ao Brasil com alguma dificuldade, e muitos lotes, transportados em navios torpedeados, foram parar no fundo mar. De qualquer maneira, o cruzeiro durou sem reformas até 1967, quando o regime militar cortou três zeros das notas. O padrão cruzeiro novo duraria três anos.


Em 1970, o dinheiro voltou a se chamar apenas cruzeiro, nome mantido até 1986, depois de não resistir a um "milagre econômico" e a dois choques do petróleo.

Comparado a esse histórico de instabilidade, o real prestes a completar 13 anos está se saindo bem. Mas, medida em anos de circulação, é ainda apenas a terceira moeda do Brasil, depois das duas primeiras fases do cruzeiro, que duraram 25 e 16 anos, respectivamente.

A ênfase na estabilidade econômica tem um custo. A conta é expressa em fraco crescimento. Não precisaria ser assim, necessariamente. Mas foi assim que aconteceu no Brasil, cuja política econômica está ancorada em juros elevados (apesar das quedas recentes) e câmbio valorizado.

Crescendo pouco, o país não gera os empregos necessários para os jovens que estão em idade de ingressar no mercado de trabalho, aqueles mesmos jovens que não têm memória da inflação.

As críticas em geral são focadas na falta de reformas complementares que permitiriam uma política monetária menos restritiva. Mas há sempre quem sugira que um pouco mais de inflação, em troca de mais crescimento, não faria tanto mal assim.

O argumento tem perdido força, mas a tentação está sempre presente. Como dizia o economista John Kenneth Galbraith, morto há um ano: "A história da moeda revela duas tendências altamente seguras. Após uma experiência recente com inflação, as pessoas preferem preços estáveis e, tendo longa experiência com preços estáveis, tornam-se indiferentes ao risco de inflação".

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