Revista da Folha

Morar

01/06/2007

Morar SP Centro: Uma casinha numa vilinha

O sonho de uma vida mais idílica tropeça em pouca oferta e preços altos

por Renata Valdejão

Marcelo Soubhia
Morar SP Centro
É natural que o centro de qualquer cidade seja mais verticalizado que seus subúrbios e periferia. Em São Paulo, porém, a diferença é acachapante, com a área central exibindo um perfil exatamente oposto ao dos bairros, 80% de seus moradores estão instalados em apartamentos, contra 20% em casas. É esse miolo o responsável pela imagem (algo discutível) de cidade vertical ligada à capital paulista.

A mesma verticalização radical e localizada é o maior entrave ao sonho acalentado por muita gente, o de "morar em uma casinha", com quintal para as crianças e o cachorro, sem o malfadado condomínio e sem se mudar para o subúrbio. A demanda por casas de classe média supera em muito a oferta, gerando verdadeiras filas de espera, ainda mais se for provida de outro atrativo irresistível: ficar em uma "vilinha". Por serem bem localizadas e mais seguras do que as casas de rua, as cerca de 1.800 vilas antigas de São Paulo são alvo de disputa acirrada entre os que sonham com uma vida mais idílica.

Marcelo Soubhia
Tânia Eustáquio no pátio da vila dos Jardins, onde mora com o marido
Tânia Eustáquio no pátio da vila dos Jardins, onde mora com o marido
"Na região de Perdizes, não passa um dia sem que alguém apareça querendo uma casinha de vila. Há uma procura latente, não só por causa da segurança, mas pelo charme e pela qualidade de vida", afirma Francisco Paulo Lino, proprietário da Plataforma Imóveis, que atua na zona oeste.

A maioria das casas tem dois ou três dormitórios e, segundo Lino, é possível achar imóveis de dois quartos por menos de R$ 200 mil. Possível, claro, é bem diferente de provável. Já na área dos Jardins estão as casas de vila mais caras, com preços que começam em R$ 300 mil e chegam a R$ 800 mil. "Essas vilas não são para a classe média", afirma Marcel Steiner, gerente de marketing da imobiliária Axpe, cujos clientes também buscam muito esse tipo de imóvel nos bairros de Pinheiros e Itaim Bibi. O tamanho das casas varia de 100 m2 a 180 m2, a maioria de dois dormitórios.

"Essas vilas ficam em ruas sem saída, fechadas, escondidas. São verdadeiros oásis dentro da cidade, pois preservam o jeito de morar de antigamente", descreve Steiner.

Marcelo Soubhia
Kauê Kabrera (centro) com os amigos no pátio das casas que dividem na Vila Leopoldina
Kauê Kabrera (centro) com os amigos no pátio das casas que dividem na Vila Leopoldina
Perdizes, Pinheiros, Jardins, Itaim Bibi, Higienópolis, Lapa, Vila Madalena, Paraíso, Aclimação, Vila Mariana, Liberdade, Tatuapé, Vila Prudente e Mooca são alguns dos bairros com maior oferta. "As (vilas) da Mooca funcionam como comunidades. As casas são bonitinhas, e os moradores, muito amigos", afirma Lino. Dependendo do bairro, ainda é possível encontrar imóveis de R$ 1.000 a R$ 1.200 o m2, segundo Viana Neto, do Creci, um apartamento novo custa, em média, R$ 3.000 o m2.

Há três anos, o publicitário Kauê Kabrera, 29, conseguiu alugar por R$ 1.000, mesma faixa de preço dos apartamentos, uma casa de dois quartos em uma vilinha antiga, de imóveis com o pé-direito alto, na Vila Leopoldina, próximo ao Ceasa. Na época, ele morava em uma casa de rua, na zona norte. A mudança foi motivada por dois fatores: a localização (ao lado do trabalho) e a segurança. Ele diz que ninguém nem se preocupa em consertar o portão eletrônico, que está quebrado.

No início, Kabrera morava com um amigo, advogado. A chegada de outro amigo, um executivo, fez com que os três resolvessem alugar a casa ao lado. O publicitário passou a morar com o executivo, e o advogado foi para a outra casa. Derrubaram o muro do quintal que dividia os dois imóveis e passaram a cultivar bonsais no local.
A vizinhança, nas outras 22 casas, é toda formada por antigos moradores, que estão no local há 20 anos. A convivência, diz Kabrera, é pacífica. "Eles só reclamam quando há festas", conta.

Kabrera e os amigos preenchem à perfeição o perfil típico de morador de vila, jovens, geralmente artistas ou profissionais liberais, e descolados, como descrevem os especialistas do mercado. Alguns dos conjuntos misturam moradia com negócios. É o caso da vila que abriga a casa e o escritório da arquiteta Tânia Eustáquio, 45, nos Jardins. Ela e o marido compraram as quatro casas do local, transformaram duas em residência e as outras duas no escritório dele.

"É um privilégio, nessa loucura que é São Paulo. Tenho tudo o que uma casa oferece, mas com privacidade e tranqüilidade, pois a vila fica escondida", diz ela.

Comum às casas e a um prédio de seis apartamentos que fica dentro da vila, um pátio com plantas e decoração paisagística enfeita a entrada, limitada por um portão eletrônico.

Em busca do sonho, não falta gente persistente. Marize Di Lisita Garrido, 30, realizou o dela há um ano, depois de dois anos de uma busca que se estendeu por todos os bairros da zona oeste de São Paulo. "Esta casa foi disputada quase a tapa entre os corretores ( das duas partes), relembra.

O imóvel é um dos dez que formam uma vilinha no bairro de Sumaré. "O que mais me chamou a atenção foi o fato de que as casas tinham as fachadas iguais, com detalhes preservados, como a porta de entrada, as janelas e o jardim da frente. Uma aparência encantadora, que lembra muito as casas de interior. No fim do dia, os vizinhos molham seus jardins e, nos finais de semana, ficam sentados em suas calçadas lendo jornal", descreve com gosto.

Marcelo Soubhia
Marize Di Lisita Garrido com o marido, na vila onde moram, no Sumaré
Marize Di Lisita Garrido com o marido, na vila onde moram, no Sumaré
Segundo Marize, o relacionamento com os moradores também lembra a vida interiorana. "Um está sempre ajudando o outro, embora às vezes aconteçam problemas tradicionais de vizinhos."

Não existe taxa de condomínio na vila, mas os moradores fazem uma divisão das despesas com energia e a manutenção do portão elétrico de entrada. Todas as casas têm quintal e, diz Marize, não há histórico de assaltos. Mesmo assim, todas as unidades têm sistemas de segurança.

Sua casa, que tem dois dormitórios e uma edícula nos fundos (cerca de 120 m2 com o quintal), custou de 50% a 60% mais do que o apartamento de três quartos em que moravam, mas, segundo ela, o investimento valeu a pena. "Além de ter mais espaço, a qualidade de vida que passamos a ter, a localização e a privacidade compensaram todo o investimento. Até nosso cachorro aprovou a troca", brinca.

Opção de endinheirados

As vilas tradicionais surgiram no início do século 20, para ocupar uma figura urbanística provocada pelo loteamento dos bairros: os miolos de quadra.

Ao delimitar os lotes, sempre sobrava um miolo entre os quintais, com espaço para, em geral de quatro a seis imóveis. Eram casas modestas, segundo Carlos Faggin, professor de história da arquitetura da FAU-USP.

A elas se seguiu uma proliferação de imóveis unifamiliares (um terreno, uma casa) nos anos 40 e 50, quando a cidade crescia em ritmo acelerado. Quem era mais rico construía a casa de frente para a rua. Hoje, essa situação se inverteu. Com isso, o perfil de alguns desses locais mudou. Nos Jardins, em Higienópolis e no Itaim Bibi, era a classe média que ocupava essas "casas escondidas". Hoje, elas são de alto padrão. Na Mooca e na Vila Prudente, as vilas eram essencialmente destinadas à moradia dos operários das fábricas. Viraram residenciais de classe média.

Os preços são mesmo outro complicador, dizem os especialistas. "Uma casa de vila em São Paulo custa um absurdo. Além disso, geralmente, os imóveis são geminados, o que prejudica um pouco a iluminação, e as vagas para veículos são descobertas", pondera Marcelo Dadian, diretor da regional de São Paulo da construtora Rossi.

Segundo ele, a diferença de preço do metro quadrado entre uma casa de rua e a de vila varia de 60% a 80%.

A construtora lança este mês, no bairro do Morumbi, o condomínio Paulistano, que vai misturar casas e apartamentos pela primeira vez na cidade. Serão 300 casas e 700 apartamentos de três e quatro dormitórios. "Projetos como esse são raros", afirma Didian. E, ao que parece, tendem a ficar cada vez mais.

A construtora Cyrela, por exemplo, acaba de lançar um condomínio horizontal na Granja Viana após três anos sem anunciar empreendimentos desse tipo. "Faltam terrenos", afirma Ubirajara Spessotto, diretor de incorporações.

São Paulo viveu um "boom" de condomínios horizontais desde a aprovação da lei 11.605, de 1994. A Lei de Vilas, como ficou conhecida, permitiu a construção de várias casas em terrenos antes destinados a um único imóvel nas antigas zonas 1 (estritamente residenciais).

Só no período de janeiro de 2002 a abril de 2007, foram lançados mais de 800 conjuntos em vários pontos da cidade, segundo Celso Amaral Neto, diretor comercial da Amaral D'avila Engenharia de Avaliações. A maior parte dos localizados nos bairros mais próximos do centro, porém, é de alto padrão.

O preço do metro quadrado nessas regiões é muito alto, resultando em casas que chegam a custar R$ 5.000 o metro quadrado, afirma José Augusto Viana Neto, presidente do Creci-SP (Conselho Regional de Corretores de Imóveis). "Atualmente, não vejo condições para a volta dos lançamentos desse tipo de empreendimento", afirma. "A opção que sobra para a classe média é a dos imóveis usados."

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