Revista da Folha

Morar

01/06/2007

Morar SP Arredores: Um casarão no subúrbio

Vantagens, desvantagens e modo de vida de quem se muda para as franjas da cidade

por Giovanny Gerolla

Camila Falcão/Folha Imagem
Fachada da casa no alto do  pico do Jaraguá
Fachada da casa no alto do pico do Jaraguá
Lado bom: natureza, silêncio, privacidade. Lado ruim: carro para quase tudo, pegar rodovia para ir trabalhar, dificuldade na escolha da escola das crianças. A farmácia, a padaria, o cinema e a infinidade de restaurantes estão longe. Lado bom: ainda assim, é uma casa, com quintal e piscina, não um "apertamento". Lado ruim: mas e o acesso a prontos-socorros, médicos e outras urgências?

É assim, feito uma gangorra que alterna perdas e ganhos, o dilema que tortura quem decide trocar o apartamento no miolo urbano, cercado por todas as comodidades da metrópole, por uma vida mais tranqüila nos condomínios horizontais mais distantes e em municípios que circundam a metrópole.

Os imóveis maiores, de três ou quatro dormitórios, em terrenos que vão de 500 m2 a 1.000 m2, são um forte atrativo para as famílias que buscam espaço e sossego. Dependendo do tamanho do lote e do local, o sonho pode se tornar realidade com uma poupança ou crédito bancário a partir de R$ 200 mil, preço de um apartamento (bem) usado de dois dormitórios nos bairros centrais.

"Água (rios, represas ou o mar) e natureza pesarão cada vez mais na decisão de compra de imóvel, e a tendência é que essas regiões mais distantes, que ainda têm isso, também se especializem em oferta de serviços, como aconteceu nos Estados Unidos", acredita Elbio Fernández Mera, 63, vice-presidente de comercialização e marketing do Secovi-SP (sindicato da habitação).

A idéia do subúrbio arborizado, reduto de profissionais liberais, executivos ou aposentados, é comum nos EUA. Com uma diferença: "O subúrbio americano oferece todos os serviços", conta a designer Ana Luisa Arntser, 42, que viveu em Lawrence Ville, nas redondezas de Atlanta, Estado da Geórgia.

De volta ao Brasil, ela e família se instalaram em Itu, a 100 km de São Paulo, onde Ana Luisa trabalha, fazendo a ida e a volta todo dia. "Itu é um pouco carente das coisas, e as pessoas de lá acham bacana ir para São Paulo de vez em quando. Eu tenho enorme prazer em chegar todo dia à minha casa, porque o ar é outro."

Para economizar combustível, ela trocou o carro a gasolina por gás, reduzindo os gastos de R$ 1.000 para R$ 400 por mês. O vaivém das crianças, a família resolveu contratando motorista e babá. "No condomínio, os amigos ajudam ou pode-se contar com o ônibus fretado, que parte a cada seis horas."

"O investimento é saudável e vale a pena", acha Wilson Gomes, 28, consultor da Associação Brasileira de Moradores e Mutuários. "Os grandes residenciais oferecem academias, restaurantes, parques, lojas e várias outras opções de lazer."

A grande desvantagem, diz ele, é ter de trabalhar em São Paulo, problema que só um bom sistema de transporte público pode resolver.

Nos EUA, esses bairros distantes inicialmente se calçaram no uso do automóvel. Hoje, sabe-se que apostar nisso não é a melhor alternativa, e Nova Jérsey --uma espécie de super-subúrbio de Nova York-- é um exemplo disso. Sem a excelente linha de trem que interliga as cidades, o trânsito seria mais complicado e estressante do que já é, o que poderia reduzir as vantagens da escolha.

Camila Falcão/Folha Imagem
A professora Alda de Vasconcelos Leme no jardim de sua casa
A professora Alda de Vasconcelos Leme no jardim de sua casa
Elbio Mera, por outro lado, aposta que, com o tempo, também aqui isso se resolva. "A facilidade de transporte faz com que esses imóveis despontem como alternativa não só porque o sistema de rodovias tem permitido melhor acesso, caso do Rodoanel Mario Covas, mas também devido à tendência de fixação de grandes empresas e centros comerciais nessas áreas." Diretores e funcionários poderiam morar na região onde trabalham, diz. "Tudo fica, assim, interligado: trabalho, escola das crianças, residência, diversão."

É bom ressalvar que algumas das vantagens --como tranqüilidade e verde-- não são prerrogativa dos condomínios horizontais. A professora Alda de Vasconcelos Leme, 64, diz ter encontrado "paz espiritual" a 40 minutos de carro da praça da Sé, no alto do pico do Jaraguá. "Há 17 anos, quando comecei a construir, não se ouvia nada daqui de cima. Agora já tenho vizinhos, água, esgoto, eletricidade e até uma linha circular de ônibus que leva ao terminal Pirituba."

O marido, que não pretendia viver "isolado" do mundo, ficou na pequena casa em Pirituba, onde o casal morava e trabalhava. Atualmente, ali ainda funciona a escola onde ela leciona: "De lá até aqui são 30 minutos a pé, de subida íngreme, ou dez minutos de carro", conta. Para levar o lixo até onde passa o caminhão, desce a rua carregando os sacos por três ou quatro minutos. Mas ela diz que está longe de ser um sacríficio. "É uma benção de Deus."

Quando tem que ir ao banco ou ao médico, são três, quatro minutos de caminhada até o ponto de ônibus que a leva ao terminal Pirituba e, dali, um trem para a estação de metrô mais próxima. Em compensação, pode-se dar ao luxo de morar com duas filhas e sobrinhos: são quatro dormitórios, salas de café, estar e jantar, quatro banheiros, varanda, jardim e um sótão que serve como dormitório.

A distância de tudo, sabem os suburbanos, derruba o preço. "Morei perto da estação Carandiru do metrô, e optei por ter mais qualidade de vida pagando menos", afirma o publicitário Adriano Pereira de Andrade, 41, consciente de que sua casa de quatro dormitórios na Cantareira, em terreno de 980 m2, custaria pelo menos três vezes mais em outro bairro. "Mas eu não teria todo o verde da serra, espaço para meus bichos nem conheceria o 'barulho do silêncio'."

Sua lista de lado ruins: para ir trabalhar, no Bom Retiro, só de carro; em alguns pontos não há nem sinal de celular. A farmácia mais próxima fica a 12 km, o minimercado a 4 km, o acesso é difícil (por três estradas muito escuras) e o transporte público, praticamente inexistente.

Para organizar o dia-a-dia, Adriano costuma fazer a "compra do mês" e aproveita a ida ao trabalho para comprar alimentos frescos. Mas, em nove anos, nunca foi assaltado, festeja.

A "compra do mês" é vital, concorda o agente de turismo José Selingardi Júnior, 51, que foi morar na Granja Viana depois que sua empresa se mudou da Faria Lima para Alphaville. "Não há trem ou metrô fácil, o ônibus pára longe e você acaba usando carro para tudo. Mas a infra-estrutura tem crescido bastante nos últimos dez anos, como restaurantes com delivery, alguns mercados e lojas de móveis."

Rogério Canella
O publicitário Adriano Pereira de Andrade em sua casa de quatro dormitórios na Cantareira
O publicitário Adriano Pereira de Andrade em sua casa de quatro dormitórios na Cantareira
Ex-morador do Brooklin, ele conta que só não se mudou ainda para Alphaville porque a mulher, arquiteta, tem um escritório bem estabelecido em casa. Os filhos fizeram suas próprias adaptações. "Um está em São Paulo, porque tem horários loucos de trabalho, e a outra comigo, pois também trabalha em Alphaville", conta.

No caso do adestrador Juliano Bicudo Sanchez, 31, a mudança foi até boa para a criança de um ano e oito meses. Há cinco meses a família faz o percurso Atibaia-São Paulo diariamente, e a solução foi deixar o menino em uma escola da capital. "Ele fica com a avó, enquanto trabalhamos. No dia do rodízio, dormimos os três em São Paulo."

Ele conta que pega a mulher no trabalho às 17h e uma hora depois já está em casa. "Meu filho tinha problemas respiratórios quando nos mudamos. Só o fato de dormir fora da cidade e passar os finais de semana em um lugar que é bem mais limpo já vale. Mas nada disso seria possível sem carro."

A situação pode complicar se os filhos já estiverem na idade da balada, problema da empresária Sandra Valéria Silva, 44, dona do Bistrô da Sara, no Bom Retiro, e moradora de Alphaville. "É mais trabalhoso, mas eu procuro pensar que é só uma fase. Vejo os vizinhos se revezando com as caronas. Meus filhos têm a vantagem de poderem dormir na casa do pai quando saem à noite", relata.

A filha volta para Alphaville com o motorista do pai, que ainda vive no Morumbi. "Quando me separei, queria uma casa. Tentei morar no Planalto Paulista, mas sofremos um assalto, e resolvi me afastar. No condomínio, posso dormir de janelas abertas, e isso não tem preço", conclui.

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