Revista da Folha

Morar

01/06/2007

Design: Cidade em transe

Epígrafes arquitetônicas

por Mara Gama

A retirada de outdoors e a exposição de suportes metálicos, rebocos, azulejos quebrados e uma profusão de fios, canaletas e "gatos" na fiação pública que estavam por baixo das fachadas foram os efeitos mais visíveis do início da transição na paisagem de São Paulo.

Para um grupo que estuda tipografia arquitetônica, a retirada da publicidade tem tido outro efeito: um auxílio inesperado ao trabalho de arqueologia urbana, na descoberta e identificação de elementos reveladores da história da cidade.

Edney Clemente de Souza/Grupo de pesquisa TAP
Entrada do edifício Brasil
Entrada do edifício Brasil
Formado por professores e pesquisadores do Instituto de Arte da Unicamp e da faculdade Senac e auxiliado por alunos de iniciação científica, o grupo estuda desde 2003 os elementos que compõem a linguagem da arquitetura.

Além de nome, data, brasões e caixas de correio, o grupo está dedicado às epígrafes arquitetônicas. São as assinaturas de construtores, arquitetos e engenheiros-arquitetos, entalhadas em mármores, granitos ou placas metálicas.
Numa área do centro expandido da cidade, limitada pelo mosteiro de São Bento, a praça da Sé e as avenidas Ipiranga a São Luiz, incluindo o largo do Paissandu e o Pátio do Colégio, já foram catalogadas mais de 200 epígrafes em edifícios que datam do fim do século 19 até o mais recente, em 1975, com maior concentração entre os anos 1930 e 1940.

Edney Clemente de Souza/Grupo de pesquisa TAP
Epígrafe do escritório Capua & Capua
Epígrafe do escritório Capua & Capua
Muitas das epígrafes não estavam catalogadas nas fichas de tombamento ou levantamento do patrimônio. Não se sabe se porque, no momento da catalogação, já estavam escondidas ou porque não havia interesse ou informação sobre o valor deste elemento particular.

Em geral inseridas na lateral dos pórticos de entrada dos edifícios, a menos de um metro do chão, algumas foram reveladas total ou parcialmente nos últimos meses, em decorrência da operação Cidade Limpa .

Priscila Farias, doutora em design, integra o grupo, junto com os arquitetos Anna Gouveia e Haroldo Galo e o historiador André Tavares.

O estudo tem dois usos para pesquisadores, usos que se desdobram, como toda boa pesquisa de fontes primárias: a informação de autoria que pode avançar para um mapeamento de atuação dos construtores na cidade e a relação entre o desenho das letras e o desenho arquitetônico.

Pelos dados até agora, os pesquisadores supõem que o hábito de epigrafar tenha sido importado da Itália, junto com a mão-de-obra e os mármores. Também parece seguro dizer que São Paulo seja a cidade brasileira onde há mais epígrafes ainda conservadas e com características diferentes de cidades como Buenos Aires (Argentina) e Santiago (Chile), em que as epígrafes são mais destacadas, maiores e colocados no cimo dos portais.

Por mais que tenha auxiliado, a operação nas fachadas também é motivo de apreensão: "Tirar a casca é deixar visível e ao mesmo tempo desproteger". alerta Priscila Farias.

Para ela, a sensibilização da população e dos órgãos de conservação para a preservação do patrimônio é urgente, sob o risco de perder o que as fachadas falsas, por paradoxal que seja, conservaram a salvo de reformas, restaurações com jatos de pedra e pixações, que já comprometem parte das epígrafes catalogadas.

Miniletras, megacores

Foi um alívio para os olhos/ouvidos de quem lê mesmo sem querer que as letras de luminosos parassem de falar tão alto e fossem substituídas por faixas de material mais simples e em menores dimensões, de acordo com o que prevê a lei Cidade Limpa.

Lojas e pontos comerciais pareciam momentaneamente constrangidos a uma revisão de seu próprio tamanho.

Mas o "downsize" obrigatório de letreiros parece ter vindo acompanhado por uma revanche: a redescoberta do galão de tinta. A reação nada silenciosa das cores está por toda parte: roxos, laranjas, azuis, verdes, amarelões, em seqüência, mostram a competição entre todos para se sobressair e identificar os estabelecimentos.

Para o arquiteto e professor Carlos Lemos, que atua na defesa do patrimônio histórico, a Lei Cidade Limpa traz em si a marca de sua provisoriedade, por permitir interpretações subjetivas e não prever a regulamentação necessária a sua seqüência.

Everton Ballardin
Casas pintadas depois da lei Cidade Limpa
Casas pintadas depois da lei Cidade Limpa
"A cidade tem de salvar sua arquitetura, vilipendiada pela publicidade e até pelos próprios moradores, que, muitas vezes, para baixar um condomínio, permitiam o uso comercial das fachadas", diz Lemos. " As pessoas têm o direito de identificar seu comércio, mas isso tem de ser possível sem o prejuízo do patrimônio público."




MARA GAMA é jornalista com especialização em design e gerente geral de entretenimento do UOL.

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