Revista da Folha

Morar

01/06/2007

Perfil: Hoje é dia de Índio

Prédios com estações próprias de tratamento, privada que não precisa de esgoto, celulares que se decompõem: as idéias de Guto Índio da Costa atiram em todas as direções

por Chantal Brissac

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Linha de garrafas térmicas Aladdin
Linha de garrafas térmicas Aladdin
Podem ser a recente experiência da paternidade e e o desejo de criar um mundo melhor para a filha recém-nascida, Lis, fruto de seu casamento com a estilista Marta. Pode ser a necessidade de navegar na onda do marketing virtuoso em defesa da saúde da Terra. Ou pode ser a soma disso tudo. Mas não há dúvida de que um dos assuntos preferidos do carioca Guto Índio da Costa, 38, é a sustentabilidade.

"Podemos estimular a indústria a criar produtos que ajudem a preservar o planeta", diz Guto, um dos mais premiados designers brasileiros da atualidade. Um deles: "Que tal um vaso sanitário que resolva o problema em si mesmo e, portanto, dispense canalizações e o próprio processo do esgoto, algo tosco e obsoleto?"

Autor de projetos como o ventilador Spirit, que, além de prêmios brasileiros, recebeu o "Oscar" do design industrial, o IF Design Award, em Hannover, em 2002, Guto vem se empenhando há alguns anos para tentar provar que é possível fazer desenho de qualidade com custo baixo. "O objetivo é trazer soluções inovadoras com materiais recicláveis e que consumam o mínimo de energia", afirma.

Um exemplo é o próprio Spirit, que já vendeu mais de 1 milhão de unidades no Brasil e em vários países europeus. De plástico policarbonato translúcido e colorido, o ventilador foi criado há cinco anos, mas, três anos depois, já havia convertido o investimento de R$ 1 milhão em faturamento superior a R$ 50 milhões, e tanto pode ser encontrado em lojas populares, como as Americanas (por R$ 250, em média), como em templos do design espalhados pela Europa (a partir de 200 euros).

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Ventilador da linha Spirit, seu maior sucesso comercial
Ventilador da linha Spirit, seu maior sucesso comercial
Um dos quatro filhos do arquiteto Luiz Eduardo Índio da Costa, Guto cresceu cercado de influências. "A preocupação estética permeou toda minha infância e juventude. Quando eu tinha oito anos, mudamos para uma casa projetada por meu pai e decorada por minha mãe, com cada detalhe pensado e estudado. As viagens em família também focavam a arte", lembra.

Adolescente, sonhava desenhar aviões. Quase foi para o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Decidiu-se pelo desenho industrial e foi para a Suíça estudar no Art Center College of Design. Fez estágios em empresas na França (Barr' Design) e Dinamarca (Jacob Jensen Design) e trabalhou no escritório Neumeister Design, em Munique, na Alemanha.


ESGOTO
"Por que ainda copiamos a Grécia antiga? Estudamos sanitários que decomponham matéria orgânica em vez de transportá-la tubo abaixo"

Volta e meia atende clientes no hemisfério norte. Recentemente, voltou de uma reunião com um dos maiores fabricantes de celulares do mundo, nos Estados Unidos, onde propôs trabalhar na criação de um telefone ecológico, biodegradável, capaz de evitar que, a cada mudança de tecnologia, milhões de aparelhos entupam o lixo.

"A idéia é criar um celular com cartuchos intercambiáveis. O cartucho é a tecnologia, pode mudar sem que seja preciso jogar fora a estrutura. A tecnologia muda, mas o produto permanece, cria-se um mecanismo de reciclagem de responsabilidade do fabricante: ao pegar o cartucho novo, você entrega o velho", explica.

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No bairro do Leblon, cabine telefônica da Telemar que faz parte do Projeto Rio Cidade
No bairro do Leblon, cabine telefônica da Telemar que faz parte do Projeto Rio Cidade
Guto diz que o excesso de descarte do mundo moderno o incomoda. "Se encararmos que somos uma sociedade descartável mesmo, então precisamos criar materiais menos duráveis, biodegradáveis, que sejam digeridos por microorganismos. Quem sabe..."

É nesse filão que irão surgir as grandes oportunidades, especula. "Sei que é um conceito novo e que as indústrias estão se lixando para isso, mas, como consumidor, eu preferiria comprar um celular novo que tivesse preocupação ecológica do que um que não tivesse", diz.

Já o vaso sanitário, outro de seus futuros projetos, é fruto da indignação com a péssima gestão de água e esgoto do Brasil. "É estarrecedor o que se faz no Rio de Janeiro, jogando esgoto in natura no mar, uma de nossas maiores riquezas."

Para ele, o problema é simples. Já que o investimento na infra-estrutura subterrânea de megadutos é tão cara, que tal cuidar do esgoto na fonte, em cada prédio, em cada banheiro, no limite de cada vaso sanitário?

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No bairro do Leblon, iluminação urbana que faz parte do Projeto Rio Cidade
No bairro do Leblon, iluminação urbana que faz parte do Projeto Rio Cidade
"Por que ainda copiamos o sistema que já existia na Grécia antiga? Se cada prédio tivesse uma redução de IPTU para instalar uma pequena estação de tratamento e reaproveitar a própria água, teríamos uma incrível melhoria. Estudamos idéias para vasos sanitários que quase não utilizem água, que decomponham matéria orgânica em vez de transportá-la tubo abaixo", explica.

No escritório que divide com o pai e uma equipe de 30 profissionais em Botafogo, Guto pratica o que chama de "consultoria criativa". O designer trabalha em conjunto com a empresa gaúcha de engenharia Victum. Cria soluções para empresas como Arno, GE-Dako, Itautec, Legrand, Aladdin, Cognitec, Futura, entre outras. "Não somos o craft design, artesanal, com séries limitadas. Somos o contrário disso", define. Já fizeram lavadora automática, fogão, tanquinho, espremedor de frutas, garrafa térmica, caneta...

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Sede do estúdio Índio da Costa Design e Arquitetura no bairro de Botafogo
Sede do estúdio Índio da Costa Design e Arquitetura no bairro de Botafogo
CELULAR DEGRADÁVEL
"O cartucho é a tecnologia, que pode mudar sem que seja preciso jogar fora a estrutura. Ao pegar o cartucho novo, você entrega o velho"

Já fizeram também mobiliário urbano, caso da parceria com Luiz Eduardo no Projeto Rio Cidade, que repaginou o bairro do Leblon com um design bonito e funcional. O projeto foi finalista do Mies van der Rohe Award for Latin America 2000 e exposto no MoMa (Museu de Arte Moderna), em Nova York.

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O arquiteto
O arquiteto
E como é criar para o grande público? "É viver na fronteira entre a arte e o "business", define, enquanto explica as nuances do megainvestimento que as indústrias fazem em marketing e pesquisas. "Elas se cercam de informações para criar algo que tenha sucesso comercial, o que faço sem vergonha e demérito. Existe um discurso meio acadêmico como se não fosse bom criar para ter sucesso comercial, mas estou fora desse papo. Para mim, o maior prêmio é que o objeto em si seja bem-sucedido comercialmente e tenha perenidade. Um produto que fica 50 anos no mercado é a prova de bom design e qualidade."

Para Guto, a criação não deve ter limites de área de atuação. Atualmente, ele está debruçado sobre um projeto de transporte urbano. "O metrô exige investimento de US$ 100 milhões/km, por isso estamos estudando uma alternativa inferior a US$ 10 milhões/km. Acredito que possa vir a ser uma grande solução de curto prazo para nossas cidades.É impossível imaginar que a malha viária urbana será capaz de absorver tantos carros", diz.

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