Revista da Folha

Morar

01/06/2007

Tendência: Vagas para dormir no emprego

Incorporadoras lançam imóveis para profissionais que querem trabalhar e morar no mesmo lugar -- mas sem misturar os ambientes

por Mariliz Pereira Jorge

Escritório do fotógrafo Paschoal Rodrigues, que tem seu estúdio em casa
Escritório do fotógrafo Paschoal Rodrigues, que tem seu estúdio em casa
A vida moderna está dando cara nova à velha figura, típica dos anúncios classificados, do "profissional que dorme no emprego". Trabalhar em casa, ao que parece, virou tendência irreversível; vale como saída para fugir do trânsito, reduzir gastos com um segundo imóvel, passar mais tempo com a família, viabilizar um embrião de empresa, embarcar na onda das terceirizações dos serviços.
O mercado imobiliário captou a demanda e alguns lançamentos já incorporaram uma proposta inédita, a de conciliar escritório com residência. "O mais interessante é que neles há elevadores e entradas independentes, e a comunicação de um com o outro é discreta. O cliente não precisa nem ficar sabendo que o profissional que o está atendendo mora do outro lado da parede", declara a arquiteta Patricia Anastassiadis.
"É um mercado que só tem a crescer, uma alternativa para quem precisa otimizar espaço, tempo e dinheiro. Nada de trânsito, de investir em dois imóveis e ainda há a possibilidade de ter uma única pessoa para cuidar da casa e do escritório", resume a arquiteta.
Pelo menos dois empreendimentos já saíram do papel. Um deles é o L'Officina, no Jardins, uma parceria da Zabo, Toledo Ferrari e AAM, que têm imóveis com 89 m2, 18 m2 reservados ao escritório. A previsão de entrega é em novembro de 2008 e 70% dos imóveis já foram vendidos.
O outro, em Pinheiros, é o Combinatto, da BKO, com quatro opções de tamanho. Os dois têm propostas semelhantes, mas o projeto da BKO, que fica pronto em março do próximo ano e já vendeu 50% das unidades, prevê alguns mimos complementares de uso comum, como sala com acesso a internet, datashow, DVD e outros equipamentos para reunião de negócios. Há um espaço com cafeteria e serviços de arrumadeira, concièrge e entrega.
Claro, lá fora há um universo de gente, a maioria profissionais liberais, que não depende de um espaço comercial para tocar suas atividades, deixou o improviso de lado e quer soluções funcionais que não "briguem" com o ambiente da casa. "Muitas profissões permitem que o trabalho seja feito de casa e a internet facilitou a comunicação com o mundo externo, que são os clientes. Muita gente nem precisa ir até eles. Quem precisa recebê-los tem a preocupação de delimitar os ambientes e não permitir a invasão de um espaço no outro", diz o arquiteto Marcelo Rosset. Nas próximas páginas, as histórias de quem ganha o pão no mesmo lugar onde descansa a alma.

Paschoal Rodrigues na sala do lado "residência" do imóvel onde fica também seu estúdio
Paschoal Rodrigues na sala do lado "residência" do imóvel onde fica também seu estúdio
PASCHOAL RODRIGUES, fotógrafo
"As coisas se confundiam muito, eu queria mais privacidade no meu espaço-casa e também para as pessoas que trabalham comigo", relata o fotógrafo de moda Paschoal Rodrigues, que já experimentou várias modalidades de morar e trabalhar. Durante um tempo, se dividiu entre um apartamento no Itaim e o estúdio na Vila Clementino. Cansou do trânsito e passou a morar e trabalhar numa casa no bairro do Brooklin. A solução funcionou durante um tempo, mas ainda não era ideal, porque as coisas se misturavam. "Fiquei o suficiente para guardar o necessário e investir num espaço planejado", diz.

O projeto saiu do papel há três anos quando a casa-estúdio ficou pronta, após cinco meses de obras. De fora, a construção de 400 m2 parece dois caixotes, cercados por um muro alto --um para casa, outro para os negócios. A localização em uma esquina foi aproveitada para criar entradas independentes para casa e estúdio. O lado casa ganhou enormes janelões de vidro, com ambientes que se integram, como a sala e a cozinha americana. Os quartos, de linhas simples, ficam no andar de cima. O estúdio tem espaços multiuso como a "cafeteria", também usada como sala de reunião. "Pela primeira vez não preciso levar o cliente para tomar café na sala da minha casa. Ter os espaços bem delimitados faz a maior diferença", acha Paschoal.

Tatiana Creazzo Cury no novo escritório "descoberto" sob o telhado de sua casa
Tatiana Creazzo Cury no novo escritório "descoberto" sob o telhado de sua casa
TATIANA CREAZZO CURY, 37, empresária
Da mesa de seu "escritório", Tatiana podia ouvir o barulho vindo dos quartos dos filhos, de três e cinco anos. No espaço improvisado no corredor em frente ao quarto deles ficava a "favela", como o marido, Lallo Amaral, chamava a mesa e as estantes que eram a alma da empresa de eventos As Duas, que a mulher mantém com uma sócia.
"Eu acabava pensando em trabalho 24 horas, porque a "empresa" ficava bem no meio do corredor. O computador estava sempre ligado e, mesmo à meia-noite, eu sempre me lembrava de uma última coisinha para fazer", lembra.
O esquema improvisado durou quatro anos, até que o marido resolveu investigar um aspecto inusitado do segundo andar da casa, um detalhe arquitetônico que, do lado de fora do imóvel, era uma fachada que avançava alguns metros além do andar de baixo e, pelo lado de dentro, fazia parede com o quarto das crianças.

A passagem aberta revelou um espaço de 15 m2, e a empresa de Tatiana havia ganhado uma sede. Depois de uma reforma de dois meses, o novo escritório recebeu bancadas de trabalho, armários e gavetas para guardar o material que ficava à mostra nas estantes do corredor-empresa. A casa ganhou uma entrada lateral e escada que dão diretamente no escritório. "Agora, sim, as coisas ficaram separadas e eu posso desligar o computador, fechar a porta e encerrar o expediente", diz.

Alexandre Benfatti no loft onde mora, no andar superior de sua loja de antiguidades
Alexandre Benfatti no loft onde mora, no andar superior de sua loja de antiguidades
ALEXANDRE BENFATTI, 32, antiquário
Foi em viagens de negócios à Inglaterra e à França que o comerciante Alexandre Benfatti descobriu que morar e trabalhar no mesmo lugar era usual no seu ramo de negócio. Há quatro anos, comprou um imóvel para a loja da família e se mudei de mala e cuia para o andar superior.

"Não perdi nada com a mudança. Pelo contrário, foi uma forma de minimizar gastos com moradia, não tenho estresse com o trânsito, tenho uma bela vista do Jardim Paulistano e meus cachorros ganharam uma casa com jardim", comemora. Os dois boxer, Chantal, 7, e Toro, 2, dão o tom "familiar" aos negócios; recepcionam os clientes e passeiam pela loja, que abriga centenas de móveis e objetos.


Loja de antiguidades do comerciante Alexandre Benfatti
Loja de antiguidades do comerciante Alexandre Benfatti
O loft é decorado com peças do acervo do antiquário. Quando enjoa da decoração ou se encanta com uma nova peça, Alexandre tem a facilidade de mudar o ambiente, onde recebe os amigos e pinta nas horas de lazer. O andar de cima abriga também a cozinha compartilhada com os funcionários.
Mas a fórmula só funciona, reconhece Alexandre, porque mora sozinho. "Quero casar, ter filhos e nessa hora terei que fazer o caminho de volta ao modelo tradicional, trabalhar num lugar e morar em outro."

ROSA MAY SAMPAIO, decoradora
"Já está ficando pequeno", diz a decoradora Rosa May Sampaio, olhando para o escritório construído no lugar da edícula de sua casa, no Jardim Europa. Desde 2000 trabalhando em casa, Rosa já pensa em fazer o caminho inverso de quando decidiu trabalhar em casa, levada pela comodidade e para estar mais perto do filho, então com 12 anos.

Quando não está no escritório, a decoradora visita lojas e fiscaliza projetos. "Esse é o refresco de que preciso para arejar e não ter a sensação de que trabalho e casa são a mesma coisa, porque é claro que as coisas acabam se confundindo."

O escritório não saiu no improviso. Quando resolveu trabalhar em casa, a área da piscina perdeu espaço para uma construção com pé-direito alto e mezanino, com janelas grandes e ambientes bastante amplos. Rosa passa a maior parte do tempo no térreo, onde faz os projetos e as reuniões.
Rosa May Sampaio no escritório construído onde ficava a edícula
Rosa May Sampaio no escritório construído onde ficava a edícula

O negócio cresceu, e Rosa May sente que está invadindo demais as dependências da casa. Os clientes e fornecedores, assim como as duas assistentes, passam pela sala para chegar ao escritório. "Da janela do quarto vejo toda a movimentação e, mesmo se estou doente, não consigo desligar. Mas é difícil tomar a decisão de voltar a trabalhar na rua porque as vantagens são óbvias. É prático e gostoso."

FolhaShop

Digite produto
ou marca