Revista da Folha

Morar

31/08/2007

Morar SP: Cada um na sua

Na USP ou nos EUA, pesquisas revelam que a tendência de maior individualidade entre os casais veio para ficar

por Renata Valdejão

Fotos Ronaldo Franco/Folha Imagem

Nádia Christopoulos e José Camargo, que moram em apartamentos diferentes; nos finais de semana ele dorme na casa dela, em quarto separado


Tudo bem, o amor é lindo etc. & tal, mas a vida a dois debaixo dos lençóis é um pouco mais complexa que o clichê romântico ou a convenção social que estabelece que casal bem-resolvido é aquele que dorme (ou faz tudo) junto.

Numa pesquisa recém-concluída pelo Nomads (Núcleo de Estudos de Habitares Interativos), da USP, para aferir a convivência dentro de casa, 86% dos paulistanos consultados

responderam que consideram importante reforçar a indivi-dualidade do casal. Para 29%, a melhor opção é manter ba-nheiros individuais; 21% defendem pias diferentes no mesmo banheiro e 14% são mais radicais: quartos particulares para maridos e mulheres (veja quadro na pág. 38).

A filosofia do "casal, casal, individualidade à parte" não é fenômeno restrito a São Paulo ou a metrópoles. Nos EUA, país-mãe de todas as tendências, uma pesquisa da As-

sociação Nacional dos Construtores de Casas revela que o movimento é ascendente e está provocando mudanças nas plantas residenciais. Segundo o levantamento americano, até o ano de 2015, 60% das unidades construídas sob encomenda terão duas suítes principais, uma para ele, outra para ela.

Outro estudo do Nomads, este feito em 2000, a partir de plantas paulistanas, já mostrava o crescimento no número de suítes dos apartamentos paulistanos. "Percebemos que, nas unidades de quatro dormitórios, em geral, há duas suítes próximas uma da outra, com possibilidade de abertura comum ou de uma porta única no corredor", afirma o arquiteto e pesquisador Marcelo Tramontano.

Segundo a arquiteta Claudia Santos, professora do departamento de arquitetura da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), há várias novidades tomando conta do mercado, principalmente em São Paulo, todas levando a um incremento na individualidade, que pode ser traduzida em quartos separados ou, pelo menos, em banheiros privativos. "Os apartamentos lu-xuosos têm suítes com dois banheiros", afirma. "No padrão médio, o banheiro é único, mas tem duas pias", diz. Quartos maiores com duas camas estão se tornando freqüentes.

A arquiteta Rosita Zylberstajn, do escritório Andrea e Rosita Zylberstajn Arquitetura e Design, diz estar observando uma tolerância cada vez menor, principalmente por parte das mu-lheres, à "bagunça", especialmente no banheiro.

Na hora de dormir, as reclamações variam de cônjuges que se movimentam muito na cama e "roubam" a coberta a problemas com ronco.

"O pedido de equipamentos duplos (de duas pias a dois quartos) era raro, mas está se tornando cada vez mais usual. As pessoas, mesmo morando juntas, tentam manter uma privacidade maior", conta Rosita.

Ricardo Yazbek, incorporador e presidente da Fiabci Brasil (federação internacional das profissões imobiliárias), que acompanha de perto o mercado, afirma que mais usual do que as plantas com dois banheiros são os projetos prevendo uma "sala de banho" com duas janelas, que permitem a reconfiguração para o "banho senhor" e o "banho senhora".

"Naquelas plantas que possibilitam personalização, inva-riavelmente presenciamos essa demanda", diz.

As explicações para essa pequena revolução comportamental variam. "A mulher agora trabalha fora; os casais héteros têm menos filhos ou não têm nenhum. Os casais homossexuais, que também gostam de quartos separados, ajudam muito a mudar a configuração das plantas", afirma Claudia Santos, da UFRJ.

O psiquiatra e psicoterapeuta Flávio Gikovate, autor de vários livros sobre relacionamentos, atribui ao condicionamento social o fato de a maioria da sociedade ainda encarar o ato de partilhar o mesmo quarto como sinal de saúde do casamento. "Isso acontece mesmo quando os impedimentos são objetivos: ronco ruidoso, diferenças grandes de horários de dormir e acordar, ocupações durante horas de insônia de um dos cônjuges, diferenças térmicas etc."

Gikovate, que escreveu "Ensaios sobre o amor e a solidão" (MG Editores, 272 págs., R$ 47,90), considera os resultados da pesquisa do Nomads um avanço tímido.

"Ainda não vejo isso acontecer no cotidiano dos casais. Trabalho há 40 anos e já atendi mais de 8.000 pacientes. Vejo que, mesmo em condições difíceis, eles insistem em, pelo menos, adormecer juntos. Muitas mulheres, por exemplo, mudam-se para o outro quarto por causa do ronco dos maridos (parece que eles, como regra, são mais ruidosos), mas o fazem discretamente durante a noite, sem que o casal admita oficialmente que tem dois quartos", conta.

A resistência se explica pela dificuldade de mudar hábitos e crenças, diz ele. "Alguns, discretamente, têm quartos separados e alternam entre dormir juntos e separados, conforme as circunstâncias. Mas não tenho dúvida de que [a separação de quartos] é uma tendência que vai crescer, já que o anseio por privacidade e preservação da individualidade só tem avançado", diz.

Por enquanto, afirma, o que vem se consolidando é a falta de gosto em compartilhar o banheiro. "Muitos casais preferem ter dois banheiros na suíte. Isso é algo que certamente vai acontecer muito depressa entre nós."

Foi o que fez o casal de arquitetos Juliana Traldi Bomfim e André Bomfim, que projetou em seu apartamento um banheiro duplo, com duas pias separadas por uma parede e um boxe com duas duchas paralelas, sem divisão. O espaço dela tem ainda uma ducha manual.

No dele, o chuveiro fica sobre uma banheira. Cada um tem o seu nicho para escovas de dente, pentes, xampus

e sabonetes. "Mas o melhor de tudo é que um não amarrota o famoso tapetinho do banheiro do outro. Eu recomendo", brinca Juliana.

O casal costuma ocupar o cômodo ao mesmo tempo. "Só não dividimos o banheiro quando um de nós está utilizando o vaso sanitário, mas todas as outras tarefas são partilhadas de maneira equilibrada", explica. Juliana conta que, com o novo banheiro, o relacionamento melhorou. "Podemos conviver com privacidade, e nenhum dos dois se atrasa mais", comemora.

O quarto é o mesmo, mas cada um tem o seu guarda-roupa. As filhas do casal, de três e sete anos, seguem o caminho: já têm cubas separadas na pia de seu banheiro.

Na vanguarda da ten-dência, a empresária Nádia Christopoulos, 48, e o "namo-rido" José Camargo, 70, decidiram morar em apartamentos diferentes. Juntos há muitos anos e pais de um garoto de 18 anos, os dois se encontram no fim de se-mana. "Toda sexta, ele vai para minha casa. Dorme por lá na sexta e no sábado, mas em quarto separado", conta.

O sono leve dela e o ronco dele contribuíram em gran-de medida para o arranjo. "Há uns dois anos, durmo com tapa-ouvidos daqueles de avião, mesmo com ele no outro quarto", revela.

Para ela, foi primordial a atual geração de mulheres ter percebido que as coisas não precisam acontecer como antigamente: a mulher, para não acordar o marido, que é o provedor, finge que está dormindo. "Atualmente, todos, homens e mulheres, trabalham. Cada um quer ter

o seu descanso", diz.

A empresária conta que tinha o sonho de morar junto e dormir no mesmo quarto. Quando o filho nasceu, mudou de quarto, para não atrapalhar o marido. Nunca mais quis voltar a dividir a cama. "Namorar é namorar, dormir é dormir."

Andrea e Rosita Zylberstajn na casa de um casal de clientes que optou por camas separadas

Andrea e Rosita Zylberstajn na casa de um casal de clientes que optou por camas separadas

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