Revista da Folha

Morar

31/08/2007

Área de serviço: Lá vem o Sol

Arquitetos e construtoras discutem o impacto da lei que exige aquecimento solar em alguns tipos de imóveis

por Renata Valdejão e Giovanny Gerolla

Rodrigo Marcondes/Folha Imagem

Sistema de aquecimento solar central do edifício Mundo Apto - Barra Funda,que tem uma série de itens sustentáveis,como fachada que dispensa pintura,reúso de água e chuveiros que gastam só sete litros por minuto


Uma lei aprovada em julho pode mudar o código de obras da capital paulista.A partir do momento em que entrar em vigor, toda nova edificação residencial com quatro banheiros ou mais por unidade e todo empreendimento comercial que consuma muita água aquecida deverão contemplar um sistema de aquecimento solar.A lei passa a valer após sua regulamentação, prevista para o final de outubro (veja quadro).

Alegislação não abrange imóveis já existentes, com exceção dos que venham a construir piscina com água aquecida. Apunição para a desobediência será a não-emissão do certificado de conclusão ou do auto de regularização do imóvel.

As construtoras dizem que a lei vai encarecer as obras. "Ela impõe um tipo de dimensionamento que pode se mostrar ineficiente em alguns empreendimentos. Sua metodologia de cálculo não encontra consenso entre os especialistas", diz Francisco Vasconcellos, vice-presidente de desenvolvimento do SindusCon-SP (sindicato da construção civil).

ASecretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente discorda." Nos imóveis de um, dois ou três banheiros, que são mais de 80% das edificações novas, o fato de ter apenas a tubulação instalada não causará aumento no custo final da obra", afirma Eduardo Aulicino, assessor técnico do órgão. "Ao contrário, permitirá que o consumidor, no futuro, beneficie- se das vantagens econômicas de um equipamento que pode se pagar em dois ou três anos e que proporciona uma redução de 40% no consumo de energia", argumenta. Nos imóveis de alto padrão, com mais banheiros,Aulicino acredita que o impacto no preço não fará diferença.

Ao largo da discussão, algumas empresas já se lançam nesse mercado.A construtora Setin está entregando neste ano, em várias regiões da cidade,dez prédios de apartamentos com metragem de 50 m2 a 60 m2 e preços na faixa dos R$ 150 mil, com aquecimento solar central instalado.O equipamento faz parte de "um produto que foi pensado do ponto de vista do ambiente", afirma o diretor do departamento de engenharia da construtora, Giorgio Vanossi.

Lançado há três anos, o empreendimento batizado de Mundo Apto tem uma série de itens "sustentáveis" em todas as unidades, além do aquecimento solar: fachada que dispensa pintura, sistema de reúso de água e chuveiros que gastam só sete litros de água por minuto, entre outros.

Vanossi diz que esses equipamentos adicionaram 2% ao custo das obras, valor que não foi repassado aos preços. "Fizemos isso como investimento", afirma.

Ele conta que a única dúvida na hora de projetar o empreendimento foi saber qual seria a incidência de sol nas torres." Fizemos uma pesquisa e descobrimos que o local com menor incidência teria 60%, o que tornava o projeto viável."

Para resolver a distribuição da água quente, todos os apartamentos tiveram os banheiros projetados próximos ao "shaft central" (vão por onde passam as tubulações verticais).A previsão é de que os prédios utilizem 60% de energia solar e 40% de aquecimento a gás nos chuveiros.

Para Vanossi, prever os banheiros próximos da tubulação muda o conceito dos projetos."Quando o imóvel tiver mais de três banheiros,um para cada lado da planta,vai complicar.Se não houver área para instalar as placas, também.Por que não oferecer desconto no IPTU para quem investir nisso?"

O que diz a lei

Quem terá de instalar
  • Toda nova edificação residencial com quatro banheiros ou mais por unidade
  • Novos imóveis comerciais que consumam muita água aquecida (hotéis, clubes esportivos, casas de banho e saunas, academias de ginástica, clínicas de estética e outros)
  • Empreendimentps, novos ou não, que venham a instalar piscina aquecida
Quem terá que prever estrutura para futura instalação
  • Residenciais novos com até três banheiros, que terão deinstalar as prumadas (tubulações) e a rede de distribuiçãoPunição para o descumprimento
Punição para o descumprimento
  • Anão-emissão do certificado de conclusão ou do auto de regularização do imóvel.Alei passa a valer após regulamentação, prevista para o final de outubro

A lei, porém, vai encontrar um mercado ainda em "construção". Para Vasconcellos, não há projetistas e instaladores capacitados nem equipamentos com eficiência energética comprovada no mercado. Ele afirma ainda que o critério adotado na nova lei para compensação das áreas que deverão ser reservadas à instalação do equipamento gera dúvidas.

Outra questão diz respeito ao gasto de água."Na Grande São Paulo, a conservação e o reúso de água são prioritários. O preço da energia elétrica funciona como racionalizador do consumo do líquido.Retirada a trava desse custo, mais água aquecida seria consumida", deduz.

Para racionalizar o consumo nos condomínios, segundo ele, seria preciso adotar a medição individualizada. "No entanto, as construtoras se ressentem da falta de soluções tecnicamente e economicamente viáveis ao uso da medição individual com o aquecimento solar."

Para Erica Yoshioka, professora do Departamento de Tecnologia da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), dependendo do tamanho do projeto, a área exigida para a instalação do sistema poderá ser grande. "Será preciso fazer, muitas vezes,uma ginástica para alcançar o Sol."

Segundo ela, a previsão de aquecedores solares vai influenciar desde a concepção dos edifícios até a inclinação dos telhados."Dependendo da linguagem arquitetônica, é mais difícil encontrar soluções para a inclinação das placas e áreas disponíveis para a captação,de acordo com o número de pavimentos", explica."Será necessário observar mais detalhadamente o posicionamento em relação ao Sol e ao entorno,para que as sombras não atrapalhem os coletores."

Erica pede o desenvolvimento de tecnologias para resolver o problema da falta de áreas de captação solar em cidades como São Paulo: "Já na década de 70, em Paris, estuda- vam-se coletores parabólicos", diz."Por que não adaptar a eles sensores para movimentar a placa na direção do sol?"

A indústria diz que o Brasil ainda está longe de ter essa tecnologia, que seria "caríssima".Segundo a empresa Solares, de Santa Catarina, sistemas de tubos a vácuo (em que o ponto de troca térmica no coletor é isolado a vácuo), que otimizam o transporte de calor, são capazes de reduzir até 30% a superfície necessária aos coletores, mas custam, em média, três vezes mais que os equipamentos comuns.

O gerente de vendas da Heliotek,Jaime Sillos, acredita que os preços devam cair, se a demanda realmente aumentar. "Com ganho de escala, o consumidor terá maior facilidade de se adaptar à nova lei", diz."Uma solução, que tem sido aplicada em outras cidades, é a instalação de um painel triangular de concreto na cobertura do prédio, voltado para o sol e com a inclinação ideal para os coletores."

IPT critica gasto de água

Segundo o pesquisador Douglas Messina, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, a lei não menciona a relação do uso do misturador de águas fria e quente à perda de grande volume de água. "Se comparado ao chuveiro elétrico comum, a água gasta pode chegar a mais que o dobro", diz. De acordo com ele, o Brasil ainda possui diversos recursos hídricos a serem explorados na geração de eletricidade. "O problema é a falta de investimento nessa infra-estrutura", afirma. "Acredito que, no futuro, a falta de água terá um peso muito maior."
O sistema de aquecimento solar de água é constituído por placas coletoras com chapas metálicas enegrecidas, que envolvem uma serpentina de cobre e são revestidas de vidro.A água passa pela serpentina isolada termicamente e se aquece com a incidência solar, para depois ser armazenada em um reservatório. Cada reservatório tem capacidade equivalente ao tipo de uso.

Além de usar fonte limpa de energia, o aquecimento solar de água abate da conta de luz boa parte dos gastos com o chuveiro, o maior vilão doméstico em matéria de consumo.

"Na pior das hipóteses,o tempo de retorno do investimento inicial em uma residência unifamiliar [cinco pessoas, com boiler de 300 litros], que pode variar de R$ 1.500 a R$ 3.200, é de dois a três anos [com a redução do consumo de gás ou eletricidade]", diz Sergio Colle, professor do Lepten (Laboratórios de Engenharia de Processos e Tecnologia de Energia), da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Por ter seu funcionamento condicionado ao clima, o aquecimento solar não é auto-suficiente,exigindo sempre um apoio elétrico ou a gás.As condições climáticas no Brasil, no entanto, são muito boas e, de acordo com Colle, com sistemas compactos de uma placa só, sob máxima eficiência (boa insolação associada à inclinação ideal das placas em determinada latitude), é possível suprir 65% da demanda diária de água quente de quatro pessoas,o que significaria uma redução de custo de até 40% nas contas de energia elétrica. Esse desempenho, que já é significativo, poderia ser melhor, segundo ele."Um sistema inteligente, ainda em desenvolvimento, seria aquele em que o apoio elétrico é acionado segundo informações de previsão meteorológica. Ele seria capaz de suprir 95% de toda a água quente necessária no chuveiro de uma residência", calcula.

Colle, que também é pesquisador de soluções populares apoiado pela Caixa Econômica Federal, afirma que os equipamentos vendidos no Brasil são baseados em concepções antigas e tecnologias "primitivas".

O sistema é exatamente o mesmo para casas e prédios, só que os condomínios verticais exigem área para a instalação das placas e boiler de armazenagem maiores. "As laterais dos prédios podem ser pensadas como áreas de captação de energia, além da cobertura", sugere.

Divulgação

Aquecedor compacto de 200 litros com coletor solar,da Soletrol


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