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da Folha Online
em São Paulo
Imortalizada pela Academia Brasileira de Letras em 1990 _ela foi a primeira mulher brasileira a ocupar a presidência da ABL_, a escritora Nélida Piñon disse no domingo (30) lamentar a atual situação econômica do Brasil, uma "fase de grande empobrecimento".
Nélida, que lança na 16ª Bienal do Livro o conjunto de crônicas "Até Amanhã Outra Vez" (Editora Record, 284 páginas, R$ 28), conversou demoradamente com seu público no domingo (30), durante tarde de autógrafos na 16ª Bienal Internacional do Livro, no Expo Center Norte, em São Paulo.
"Falo dessas pessoas que chegam aos meios de comunicação, ao poder. Estou cada vez mais sem paciência com a elite brasileira", reclama.
Em um Brasil idealizado, Nélida afirmou gostaria que as pessoas tivessem um mínimo de dignidade para viver, porque todos têm imaginação e condições para sobreviver assim. "O que não posso aceitar é um casal não poder parar em um botequim para tomar um guaraná ou comer um sanduíche porque isso iria atrapalhar o orçamento doméstico", disse.
"Os excluídos também construíram esse país e um Brasil que revelou Machado de Assis, um dos maiores escritores do século 19, tem condições de ser regenerado, de melhorar", afirma.
O livro
Esses contrastes entre a realidade e a imaginação são o ponto de partida de "Até Amanhã Outra Vez", que reúne 121 crônicas publicadas durante vários anos em jornais brasileiros. "Mas fiz uma seleção muito grande", afirma Nélida.
Para a escritora, as crônicas fazem parte da história da América Latina. "Através delas, das descrições e da implantação do sistema narrativo, pudemos descrever e mostrar quem somos, nossa paisagem interior", afirmou.
Seu sistema de criação se baseia nesses fatos, sempre tendo uma idéia como ponto de partida e não um fato específico. "Sou muito ligada às pessoas ao cotidiano, gosto do mundo concreto e estou sempre no das idéias. O que procuro fazer é dar consistência carnal para essas idéias", afirma a carioca.
O papel da literatura é justamente este, de ter uma cumplicidade com a realidade. "A palavra é o maior patrimônio do homem e o ser humano, um dia, teve a necessidade de se comunicar", afirma. "Precisamos valorizar isso."
Nélida se considera uma narradora, sempre procura contar uma história. "Narramos a vida inteira e quem escuta também narra. Isso é extraordinário", disse, lamentando apenas o fato de ser mais reconhecida no exterior do que no Brasil. "Costumo falar que agradeço ao meu avô Daniel por ter vindo ao Brasil com 13 anos e ter me dado a majestade da língua portuguesa."
Vida e obra
Nélida Piñon nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1938, e se formou em jornalismo na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Começou a trabalhar no jornal "O Globo", como estagiária, mas logo depois se tornou editora literária de uma revista. "Mas sabia que isso iria durar pouco porque desde menina sabia que eu seria uma escritora."
Seu primeiro livro, o romance "Guia Mapa de Gabriel Arcanjo", foi publicado em 1961.
Suas obras mais conhecidas são "Casas de Paixão", de 72, e "República dos Sonhos", de 84. Atualmente ela dá aulas na Universidade de Miami.
Entre seus prêmios principais destacam-se o "Prêmio Internacional Juan Rulfo de Literatura
Latino-Americana e do Caribe", em 1995, e o "Lazo de Dama de Isabel la Católica", outorgado por Don Juan Carlos, rei da Espanha, em 1992.
(André Tarchiani Savazoni)
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