São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2001


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A MORTE DE COVAS

Apesar de deixar o Estado financeiramente saudável para o sucessor, o governador de São Paulo perdeu a guerra contra a violência nas ruas, nos presídios e na Febem

Ajuste das finanças marcou gestão em SP

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

Engenheiro de formação, Mário Covas administrou o Estado como um dedicado economista. Em uma gestão sem obras grandiosas, fez do ajuste das contas públicas a principal marca de seus pouco mais de seis anos de governo.
Perdeu a guerra contra a violência urbana e certamente não entrará para a história como "o homem do metrô" -cuja extensão aumentou em apenas 5,7 km- ou do Rodoanel, um anel viário que deverá ligar as principais rodovias do Estado em torno da capital e que virou sua menina-dos-olhos, mas que, até agora, é só um viaduto, algumas alças de retorno e um enorme canteiro de obras.
Mas o saneamento que promoveu nas finanças do Estado deve dar a seu sucessor condições de abocanhar o título de realizador.
Covas deixa para Geraldo Alckmin, seu vice nas duas eleições e potencial candidato tucano à sucessão paulista, um Estado com dívidas renegociadas, previsão de um superávit primário de R$ 3 bilhões e um extenso cronograma de obras a entregar.
Em 1995, quando o tucano assumiu pela primeira vez o governo de São Paulo, o déficit era de 21,7% do Orçamento anual e não havia dinheiro para pagar as dívidas nem as obras iniciadas.
No total, o Estado devia R$ 67,9 bilhões (R$ 6,6 bilhões em contas vencidas da administração passada e R$ 61,3 bilhões em dívidas de longo prazo), pendências com a União, títulos no mercado e débitos com os bancos estaduais.
A dívida de longo prazo foi renegociada de 1996 a 1997. Na ocasião, chegava a R$ 89,7 bilhões. Hoje, é de R$ 84,2 bilhões.
Sem a negociação, segundo uma projeção da Secretaria da Fazenda, ela teria chegado a R$ 132,3 bilhões em 2000. Com ela, no ano passado, pela primeira vez desde o acordo, o governo pôde gastar mais com a saúde (R$ 3,4 bilhões) do que com o serviço da dívida de longo prazo (R$ 2,4 bilhões).
No tocante aos débitos de curto prazo, o déficit orçamentário de 21,7% (R$ 6,6 bilhões) em 1995 caiu a 2,9% (R$ 1 bilhão) em 1996.
Nos anos seguintes, o governo passou a gastar apenas o que arrecadava. Em 2000, sem incluir o serviço da dívida de longo prazo, as receitas superaram as despesas.
Do déficit ao superávit, o caminho foi longo. Fez-se à custa do que os tucanos chamaram de "economia de guerra": renegociação da dívida, financiada por um pacote de privatizações que rendeu R$ 23,4 bilhões, integralmente destinados a pagar débitos e a sanear empresas públicas; revisão de quase 5.000 contratos; extinção de dezenas de órgãos; parcelamento dos salários; demissão de funcionários -mais de 30 mil só no primeiro ano de governo; suspensão dos investimentos; paralisação de cerca de 300 obras e cortes de manutenção da máquina.
As medidas de saneamento, que bloqueavam os investimentos, somadas aos crescentes índices de criminalidade, custaram a Mário Covas a própria popularidade.
"Ou você coloca a casa em ordem ou não governa. E isso inclui frustrar as expectativas de quem o elegeu", disse, em julho de 1997.
Covas sentiu a frustração nas ruas, em embates com servidores que, em geral, pediam aumento de salários ou criticavam suas medidas administrativas.
Os confrontos se intensificaram após a primeira cirurgia para a retirada de um tumor, em 1998. A doença, disse Covas já às vésperas da segunda operação, ensinou-lhe que, mais do que nunca, deveria dizer tudo o que pensava.
A resposta ao jeito enfrentador veio, não raro, na forma de paus, pedras, ovos e laranjas. Em junho de 2000, o embate rendeu-lhe ferimentos na testa e no lábio em plena praça da República, durante confronto com professores em greve, que tentaram impedi-lo de entrar na Secretaria da Educação.
Os servidores da educação foram, nas ruas, os maiores opositores de Covas, mas foi a segurança pública a área que se transformou no seu calcanhar-de-aquiles.
Quando se candidatou à reeleição, Covas prometeu reduzir à metade os índices de criminalidade. Apostava, para isso, na integração das polícias e no policiamento comunitário.
No governo, criou a ouvidoria para fiscalizar a ação policial e investiu em equipamentos. Não adiantou. Covas deixou um policiamento comunitário embrionário, uma relutante integração operacional entre as corporações e altos índices de criminalidade.
Os assassinatos na capital, por exemplo, passaram de 4.814 em 1998 para 5.418 em 1999 -por 10 mil habitantes, pularam de 4,86 para 5,45. Outros índices tiveram crescimento semelhante.
Na esteira do aumento da criminalidade, outra promessa de campanha foi prejudicada: a de zerar o déficit de vagas no sistema penitenciário. Apesar da construção de 31 cadeias, passando de 24.620 para 49.052 o número de vagas no sistema, o déficit pulou de 6.270 para 11.203 -situação que culminou com a maior rebelião da história do sistema prisional do país, registrada em fevereiro.
A situação se repetiu na Febem, cujas constantes rebeliões, superlotação e denúncias de tortura marcaram negativamente o governo, que chegou a ser acusado pela Anistia Internacional de "tolerância semi-oficial" com as recorrentes violações.


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