|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EXTREMISMO
Os especialistas John Esposito e Fred Halliday rejeitam "guerra de civilizações",
advertem contra generalizações e analisam causas de fundamentalismo
Radicalização ocupa vazio social e político
DA REDAÇÃO
Não é possível falar em
um só mundo islâmico, assim como não
existe um mundo
cristão homogêneo. Associar os
supostos autores dos atentados ao
World Trade Center a todos os
muçulmanos é o mesmo que relacionar radicais protestantes que
atacam crianças na Irlanda do
Norte a todo o cristianismo. Movimentos extremistas em países
islâmicos se apropriam da religião para preencher um vazio de
opções políticas e sociais.
Isso é o que pensam dois dos
mais importantes especialistas
em islamismo, o norte-americano
John Esposito e o britânico Fred
Halliday. Em entrevistas à Folha,
eles rejeitaram a teoria do "choque de civilizações", que antecipa
um confronto entre os países muçulmanos e o Ocidente, provocado por diferenças culturais e religiosas. À ela, contrapõem a análise histórica e política.
Esposito, professor de religião e
relações internacionais da Universidade Georgetown, em Washington, afirma que a tendência
de identificar o islã como ameaça
global veio substituir o comunismo, da mesma forma que o apelo
à religião para mobilizar a população se seguiu à falência de modelos nacionalistas e socialistas
adotados, após a independência,
por países muçulmanos.
Para Fred Halliday, autor de "Islã: o Mito da Confrontação" e
professor da London School of
Economics, o extremismo religioso é uma forma de populismo:
"É uma reação demagógica
contra o fracasso do Estado secular moderno, visto como ditatorial, corrupto e incapaz de resolver os problemas sociais e econômicos gerados pela rápida urbanização e o desemprego em massa. Tem elementos de antiimperialismo e uma predileção por
teorias conspiratórias."
A Revolução Islâmica de 1979
no Irã, diz Esposito, foi um marco
disso. "A revolução foi vista como
a reafirmação da independência,
da identidade e dos valores islâmicos, e como a rejeição de governos autoritários e da influência
estrangeira excessiva."
Ambos advertem contra o risco
de generalizações. "Há extremistas em todas as religiões. O assassino do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin é um exemplo de fundamentalista judeu que
distorceu sua religião para justificar um assassinato", diz Esposito.
"Os maiores crimes do século
20 foram cometidos por comunistas e nazifascistas. Quem introduziu o terrorismo como arma no
mundo contemporâneo foram irlandeses, armênios e indianos",
afirma Halliday.
Autor de "Islã Político, Além da
Ameaça Verde", entre outras
obras, Esposito observa que a desvantagem, para os muçulmanos, é
que sua realidade é desconhecida
no Ocidente: "Quando você vê
notícias sobre grupos cristãos radicais atacando clínicas de aborto
nos Estados Unidos, você automaticamente sabe que isso não
representa a corrente principal da
religião. Mas, se você não sabe nada do islamismo e tudo que vê são
radicais agressivos, pode confundir a minoria com a maioria."
Esposito afirma que o problema
do uso indiscriminado do termo
"fundamentalismo islâmico" é
que, muitas vezes, ele inclui grupos que atuam dentro do sistema.
"Isso permite que regimes autoritários se refiram a qualquer oposição como extremista, para justificar o uso da violência."
Paulo Daniel Farah, da Redação, e Nelson Franco Jobim, free-lance para a Folha, em Londres
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: Entenda Índice
|