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Dicas de português

Redação da Unicamp não tem receita miraculosa e exige reflexão

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DÍLSON CATARINO *
especial para o Fovest Online

A época de apenas memorizar informações fragmentadas durante o ensino fundamental e o ensino médio findou-se. A ordem agora é o aluno tornar-se capaz de organizar as idéias, de estabelecer relações, de interpretar dados e fatos e de elaborar hipóteses explicativas para conjuntos de dados relativos a quaisquer áreas de conhecimento. Sem isso, não há condições de enfrentar vestibular moderno algum, principalmente em se tratando da prova de redação da Unicamp.

A Unicamp apresenta sempre três propostas de redação aos alunos:

1) um texto dissertativo
2) um texto narrativo
3) uma carta argumentativa

A escolha é sempre do aluno, que deve ler atentamente todas as propostas e escolher aquela que mais lhe agradar ou com a qual mais se identifica. Apenas uma proposta deve ser escolhida, e o tipo de texto deve ser o indicado por ela, ou seja, não se pode escolher o texto dissertativo, utilizando o tema dado para a narração.

Redação boa não é aquela em que o aluno apenas escreveu sobre determinado tema, nem aquela em que ele mostrou conhecimento da modalidade culta da língua. Redação boa é aquela cujo autor demonstra vasta cultura geral, prova por meio de raciocínio concludente que sabe argumentar com coerência e apresenta deduções que denotam a verdade de sua conclusão por se apoiar em premissas admitidas como verdadeiras. Isso se adquire por meio de leitura metódica incessante, e não por intermédio de receitas miraculosas de "como elaborar uma redação em sete lições". Somente com a leitura o aluno conseguirá elaborar argumentos fundamentados em relações lógicas e pertinentes ao tema elaborado pelo vestibular.

Escrever um texto dissertativo não é somente apresentar a análise de um fato ou de uma situação impessoalmente, tampouco contentar-se com simplesmente discutir aspectos favoráveis e desfavoráveis da questão.

O que se espera do aluno na redação da Unicamp é que tenha competência para o seguinte:

O aluno deve elaborar um texto adequado ao tema proposto pelo vestibular, ou seja, na dissertação, há de se argumentar com coerência, discutir os pontos de vista com convicção e tirar conclusões claras; na narração, há de se elaborar enredo, personagens, espaço e tempo, foco narrativo, etc.

O aluno deve demonstrar capacidade de utilizar os elementos apresentados no tema: não se deve copiar trechos da coletânea nem desprezá-la totalmente. Os textos devem ser lidos, analisados e interpretados; após isso devem-se extrair dos textos (sem copiar) as informações e os argumentos que contribuem para o desenvolvimento da redação.

A redação deve apresentar-se coesa, ou seja, os termos das orações, as orações e os períodos devem relacionar-se adequadamente, com uso apropriado dos pronomes e das conjunções.


Temas

Vejamos alguns possíveis temas para a redação do vestibular da Unicamp:

1) "A elite cultural brasileira sente-se fascinada pela marginalidade".

Sendo o Brasil um país de enormes desigualdades sociais, desenvolveu-se aqui uma certa condescendência e admiração por qualquer forma de negação da ordem instituída, mesmo quando esta se dá pela construção de uma outra ordem perversa, desigual, violenta e despótica. Sobretudo no cinema brasileiro observa-se a mitificação dos que violaram as leis e tornaram-se, por isso, inimigos da polícia e do sistema.

2) "Na sociedade atual, as contaminações de umas culturas pelas outras tornaram-se possível industrialmente, dando lugar a uma mais forte influência daquelas tornadas hegemônicas sobre as demais, que assim são modificadas".

O conceito de cultura está intimamente ligado às expressões da autenticidade, da integridade e da liberdade. Ela é uma manifestação coletiva que reúne heranças do passado, modos de ser do presente e aspirações, isto é, o delineamento do futuro desejado. Por isso mesmo, tem de ser genuína, isto é, resultar das relações profundas dos homens com o seu meio, sendo por isso o grande cimento que defende as sociedades locais, regionais e nacionais contra as ameaças de deformação ou dissolução de que podem ser vítimas. Deformar uma cultura é uma maneira de abrir a porta para o enraizamento de novas necessidades e a criação de novos gostos e hábitos, sub-repticiamente instalados na alma dos povos com o resultado final de corrompê-los, isto é, de fazer com que reneguem a sua autenticidade, deixando de ser eles próprios.

3) "A natureza foi despojada de todo valor ou significado intrínseco; o homem foi despojado de todos os objetivos, exceto o da autoconservação".

A moderna insensibilidade para com a natureza é de fato apenas uma variação da atitude pragmática que é típica da civilização ocidental como um todo. As formas são diferentes. Os antigos caçadores viam nos campos e nas montanhas apenas a perspectiva de uma boa caçada; os homens de negócios modernos vêem na paisagem uma oportunidade para a colocação de cartazes de cigarros. O destino dos animais em nosso mundo é simbolizado por uma notícia publicada nos jornais alguns anos atrás: A reportagem relatava que as aterrissagens de aviões na África eram freqüentemente embaraçadas por hordas de elefantes e outros animais selvagens. Nessa notícia os animais são considerados simplesmente como obstrutores do tráfego.

4) "Os culpados pela miséria".

As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos dos antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o negro liberto, bem como o mulato eram mera força energética, como um saco de carvão, que, desgastado, era substituído facilmente por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão.

5) "O discurso do índio Pataxó durante a missa dos 500 anos do Brasil".

‘Hoje, é esse dia que podia ser um dia de alegria para todos nós. Vocês estão dentro da nossa casa. Estão dentro daquilo que é o coração do nosso povo, que é a terra, onde todos vocês estão pisando. Isso é nossa terra. Onde vocês estão pisando vocês têm que ter respeito porque essa terra pertence a nós. Vocês, quando chegaram aqui, essa terra já era nossa.’

‘São mais de 40 mil anos em que germinaram mais de 990 povos com culturas, com línguas diferentes, mas apenas em 500 anos esses 999 povos foram reduzidos a menos de 220. Mais de 6 milhões de índios foram reduzidos a apenas 350 mil. Quinhentos anos de sofrimento, de massacre, de exclusão, de preconceito, de exploração, de extermínio de nossos parentes, aculturamento, estupro de nossas mulheres, devastação de nossas terras, de nossas matas, que nos tomaram com a invasão. Hoje, querem afirmar a qualquer custo a mentira, a mentira do Descobrimento. Cravando em nossa terra uma cruz de metal, levando o nosso monumento, que seria a resistência dos povos indígenas. Símbolo da nossa resistência e do nosso povo.’

6) "Miséria atinge 1,5 bilhão de pessoas no mundo".

Nos países em desenvolvimento, um terço da população vive com menos de um US$ 1 por dia, 30% dos adultos são analfabetos, 30% não têm acesso à água potável e 30% das crianças menores de cinco anos têm peso inferior à média normal. Conforme a Organização internacional do Trabalho, mais de 40% dos habitantes da África e do sul da Ásia vivem na miséria, numa proporção que só vem aumentando nos últimos anos. Recentemente, a população pobre aumentou em 200 milhões de pessoas.

7) "Como acabar com a violência urbana".

É necessário investir em educação para prevenir a criminalidade. Mas como reagir à ousadia dos criminosos que infernizam nossas famílias sem investir milhões em novos presídios e repressão policial, mesmo sabendo que se trata de uma guerra perdida?

Estamos atolados nesse impasse. Serão necessários investimentos e muitos anos de trabalho educativo junto às camadas nas quais a violência se tornou epidêmica para que a criminalidade brasileira comece a diminuir lentamente. A complexidade do problema é tal que requer prioridade do governo e envolvimento eficaz da sociedade em ações comunitárias. Não existem soluções mágicas, infelizmente.


Dicas

Dez dicas rápidas para fazer uma boa redação na Unicamp:

1) Na dissertação, não escreva períodos muito longos nem muitos curtos.

2) Na dissertação, não use expressões como "eu acho", "eu penso" ou "quem sabe", que mostram dúvidas em seus argumentos.

3) Uma redação "brilhante" mas que fuja totalmente ao tema proposto será anulada.

4) É importante que, em uma dissertação, sejam apresentados e discutidos fatos, dados e pontos de vista acerca da questão proposta.

5) A postura mais adequada para se dissertar é escrever impessoalmente, ou seja, deve-se evitar a utilização da primeira pessoa do singular.

6) Na narração, uma boa caracterização de personagens não pode levar em consideração apenas aspectos físicos. Elas têm de ser pensadas como representações de pessoas, e por isso sua caracterização é bem mais complexa, devendo levar em conta também aspectos psicológicos de tipos humanos.

7) O texto dissertativo é dirigido a um interlocutor genérico, universal; a carta argumentativa pressupõe um interlocutor específico para quem a argumentação deverá estar orientada.

8) O que se solicita dos alunos é muito mais uma reflexão sobre um determinado tema, apresentada sob forma escrita, do que uma simples redação vista como um episódio circunstancial de escrita.

9) A letra de forma deve ser evitada, pois dificulta a distinção entre maiúsculas e minúsculas. Uma boa grafia e limpeza são fundamentais.

10) Na narração, há a necessidade de caracterizar e desenvolver os seguintes elementos: narrador, personagem, enredo, cenário e tempo.

* DÍLSON CATARINO é professor de língua portuguesa e poeta. Ele leciona em Londrina (PR)
Até mais ver.
 

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