05/11/2001
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10h59
Pedro Luís e a Parede fazem trabalho consistente em novo CD
PEDRO ALEXANDRE SANCHES da Folha de S.Paulo
"Zona e Progresso" é prova de que, se nossas gravadoras permitissem a seus artistas caminharem com seus próprios passos, seria muito mais nítido e fácil de ver uma rota de evolução na música popular brasileira contemporânea.
O disco é, até aqui, o trabalho mais consistente de Pedro Luís e sua trupe. A saga percussiva foi compactada a um nível basal, que não permita acondicionar a banda sob rótulos redutores. Algo equivalente aconteceu com o sabor antropofágico. A poesia explodiu em novos estilhaços.
No quesito poético, aparece realçada certa morbidez (uma das faixas se chama "Morbidance", que parece guardar uma citação musical leve ao hino tropicalista "Alegria, Alegria", de Caetano Veloso), certa atração por temas incômodos e pesados, que gravita em torno de dois pólos no CD.
Um deles é "Batalha Naval", antropofagia de "O Meu Guri" (81), de Chico Buarque, sobre a guerra civil vivida na carne pelos meninos cariocas pobres.
O outro pólo se encontra em "Não ao Desperdício", do músico/artista plástico Cabelo (em parceria com Glaucia Saad), desta vez sobre sociedade de consumo, desta vez mórbido, mas cínico.
Candidata à grande canção do CD é o samba triste "Parte Coração", composto por Pedro Luís isoladamente, uma tubulação cromada entre o passado e o imaginário mórbido 2001 do artista.
Outra candidata ao posto é "Nega de Obaluaê" (75), extraída do segundo álbum de Wando, quando o futuro rei das calcinhas fazia gênero black power. "Nega de Obaluaê" era samba-rock, mas não nas mãos da Parede -OK, a moda existe, mas é o samba-rock que deve servir ao afropop de Pedro Luís, não o inverso.
Há mais, e mais, e mais. "Dez de Queixo" urbaniza e moderniza o xote. "Ciranda do Mundo" (de Eduardo Krieger) urbaniza e moderniza a ciranda. "Zona e Progresso" aperfeiçoa o suingue samba-funk, mas de novo são ritmos a serviço dos propósitos estéticos do grupo. O ritual afro-religioso do genial Candeia passa pelo mesmo processo, em releitura tenaz de "Saudação a Toco Preto" (71).
Por fim, o suingue tipo Jorge Ben e o funk tipo Tim Maia se reencontram em "Do Leme ao Leblon" (de Carlos Negreiros), Lampião, Padre Cícero e Lia de Itamaracá reunidos nas areias cariocas. São Tim Maia rebola nas nuvens, mal-humorado, e o bonde da história toca para frente.
Zona e Progresso Grupo: Pedro Luís e a Parede Lançamento: MP,B/Universal Quanto: R$ 25, em média
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