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16/02/2001 - 04h32

Crítica: Chocolate e a mão pesada da (arga)massa

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da Folha de S.Paulo

Li o livro "Chocolate", de Joane Harris (Record, 272 págs, R$ 31), e achei excelente dentro da categoria "divertimento para adolescentes". Uma história muito bem contada nos moldes de um conto de fadas, uma fábula antiga. É de entender que logo se transformasse em filme.

Teve cinco indicações para o Oscar 2001. Melhor filme, atriz (Juliette Binoche), atriz coadjuvante (Judi Dench), música e roteiro adaptado.
Mesmo que não leve um troféu, suponho que a indicação já deva significar muito.

Vou ao cinema para a Folha com mentalidade de cozinheira, que é meu métier no jornal. Quero ver, primeiro, a comida.
Ingredientes:

O prato tem tudo para dar certo. Um livro de sucesso bem adaptado para sustentá-lo, atores conhecidos, uma espetacular cidadezinha francesa, belas fotografia e trilha musical e a imbatível e velha trama do bem contra o mal, do convencional contra o alternativo, dos espíritos livres contra os subjugados. De ingredientes estão bem.

O principal deles, o protagonista chocolate, fez o que pôde. Brilhou cremoso nas panelas com nuances marrons e brancas, melou colheres de pau, moldou-se às mais variadas fôrmas, escaldou dedos, transformou-se em bombons dourados, em xícaras cheias até a borda polvilhadas com pó amargo e encimadas por bolotas de chantilly fresco. Foi exposto em vitrines de um bom gosto incrível -nem a bruxa de Joãozinho e Maria faria melhor. Tudo isso durante a Quaresma, época de jejum e reflexão, numa cidadezinha católica.

Não conseguiu, porém, dizer com a necessária força a que vinha. Era a metáfora do pecado moderno, da sedução, do prazer, do mal, da tentação.
Foi apenas chocolate, o que já é muito.

Modo de fazer:

E a tensão e a catálise que deveria surgir entre a comunidade tradicional e a forasteira Binoche, que chega com a filha pequena e abre uma chocolateria?

Vem trazida pelos ventos da aventura para incentivar a mudança de comportamento do povoado e deveria se comportar como agente de mudança.
Tinha de ser a outra, a estranha, a catalisadora, o espírito indomado, a feiticeira intuitiva e...

O que se vê? Entusiasmados fofoqueiros na cidadezinha, ávidos por novidades, cada um mais excêntrico do que o outro (não fosse inglesa, a escritora!). Temos a velha sabida, inteligente e desbocada, que nos bons tempos se banhava nua no rio da cidade (Judi Dench). O marido, dono de bar que joga e maltrata a mulher. A mulher que treme, gagueja e rouba compulsivamente. O padre que dança rock, o prefeito obsessivo. A própria filha carente de Binoche que tem como maior amigo um canguru invisível.
Uns "freaks" de causar inveja, no modo de vestir e de agir.

As forças da persuasão para a mudança teriam de ser muito mais fortes para enfrentar tanta esquisitice. Faltou a Binoche um grão de loucura, um xale vermelho, um ato de prestidigitação, fermento.

E, além de tudo, o filme se passa nos anos 50, e enfatiotaram a moça com as modas da década, a mais quadrada possível. Cabelinho horroroso, saia rodada de anágua e aquele cinto largo, de elástico. Sapatos vermelhos, mas eram o grito da década, e o mais escandaloso, se bem lembro, era o roxo brilhante. Falas macias, poucos arroubos, moçoila trabalhadeira.
Onde foi parar a mágica, o clima, o bicarbonato, o cremor tártaro?
Binoche, a cozinheira pâtisserie, melou o filme com seu namoradinho cigano (Johnny Depp). Boba demais. Pouco ousada. Em vez de se fazer de bruxa, se fez de psicóloga, cheia de conselhos óbvios, aplicando o teste de Rorschach nos clientes. Não surpreende. Faltou chile no seu chocolate.

Quando eu soube que teria que assistir ao filme, corri para a Internet. Um crítico de jornal americano fez graça ao se lembrar de um famoso cartum do "New Yorker". O marido mastiga penosamente uma fatia do bolo que a mulher fez e pergunta, mandíbulas aniquiladas: "O que foi que você usou como argamassa?".

É isso. O chocolate não deu liga porque pesaram a mão. Cimentaram. Perderam o ponto do espírito, da graça, da ironia e da leveza. Era um livro só para jovens. Um bombom dourado e alegre. O filme, já não sei mais. (NINA HORTA)

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