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16/03/2001 - 04h14

"Traffic": Obra de Soderbergh amplia conceitos do tráfico

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INÁCIO ARAUJO, da Folha de S.Paulo

A esta altura, já não se esperava nada do Oscar nem de Soderbergh. O primeiro tem nos contemplado com uma série vergonhosa de abacaxis. O segundo não dirigiu nada de memorável desde "sexo, mentiras e videotape", que nem é tão memorável assim, incluindo aí o precário "Erin Brockovich". "Traffic" é, portanto, uma dupla surpresa. Um bom filme e
um candidato ao Oscar.

É estranho que não tenha um título brasileiro. Talvez por pedantismo, por ignorância, talvez apenas por medo da imprensa, que vive atacando os títulos brasileiros que julga inadequados, mas não acha nada estranhos que filmes estrangeiros sejam lançados com seus títulos originais.

Pode existir uma quarta razão: a palavra tráfico, tradução evidente para "Traffic", está desgastada, devido ao seu uso e a sua associação a filmes que pouco ou nada dizem a respeito do tráfico.

Talvez por isso seja o caso de agradecer a "Traffic" por ampliar esse conceito. Pois ao final da projeção o que nos perguntamos é: "O que é o tráfico, afinal?".

Ele continua sendo, claro, o ato de produzir, transportar e negociar ilicitamente substâncias entorpecentes. Mas pode ser algo mais, e é nisso que reside o interesse desse trabalho.

O principal vem do roteiro, e dos dois plots que desenvolve simultaneamente: de um lado, o dos EUA, existe um juiz rigoroso (Michael Douglas), que assume a direção da repressão ao tráfico; de outro, o do México, um policial honesto (Benicio Del Toro), também lotado no combate aos entorpecentes.

Do lado americano da fronteira desenham-se alguns subplots que ajudam a dar interesse ao filme: a) a filha adolescente de Michael Douglas é viciada; b) a mulher de um chefão (Catherine Zeta-Jones) vê-se subitamente na pobreza e toma algumas providências interessantes diante disso.

Alguns outros subplots são convencionais: uma testemunha que é protegida pela polícia passa pelos riscos habituais; um general que comanda a repressão aos tóxicos no México é um corrupto (de acordo com o filme, aliás, a honestidade é uma exceção no México -e entenda-se, por extensão, na América Latina).

Embora alterne momentos de maior e menor interesse, o roteiro de "Traffic" tem o mérito de mostrar o tráfico não como aberração, e sim como um sistema organizado, de natureza capitalista, integrado ao mundo em que vivemos e cujos lucros são proporcionais aos riscos -isto é, enormes.

Isso é muito interessante, pois temos visto as políticas antidrogas fracassarem rotundamente, entre outras pela incapacidade de compreender o que se está combatendo. Combatem-se pessoas -traficantes, produtores-, mas não as drogas propriamente ditas.

Nesse sentido, o núcleo mais rico do filme é, sem dúvida, o de Michael Douglas, pois o envolvimento de sua filha com entorpecentes não se dá por nenhum desses clichês em que Hollywood é pródiga (pais separados, infelicidade doméstica etc.). Trata-se de uma garota normal, boa aluna, com pais casados direitinho e tudo mais.

Ela -e o estranho personagem de Del Toro- é que nos lançam uma outra hipótese, que é a função do tráfico, como rede que estabelece um diálogo subterrâneo entre instâncias que não se comunicam ou se comunicam muito mal: pais e filhos, ricos e pobres, os comuns e os poderosos, EUA e México etc.

Isto é, embora trate dos entorpecentes, em um nível, em outro é a incapacidade das sociedades contemporâneas em promover o diálogo entre seus membros o real -e mais interessante- assunto deste filme.

Não será de estranhar que, a horas tantas, o juiz Michael Douglas se dê conta de que a expressão "guerra ao tráfico" não significa quase nada. E que, se quiser a sério combater os tóxicos, será preciso descobrir o que são e para o servem. E, nesse campo, tudo ainda está por ser feito.

Traffic
Direção: Steven Soderbergh
Produção: Alemanha/EUA, 2000
Com: Michael Douglas, Catherine Zeta-Jones, Benicio Del Toro
Quando: a partir de hoje nos cines Butantã, Cinearte, Eldorado, Lumière, Market Place Cinemark e circuito

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