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27/03/2001
-
10h20
INÁCIO ARAUJO
da Folha de S.Paulo
Se há uma coisa justa neste mundo é o SBT transmitir o Oscar. E quem viu a festa terá notado, nos intervalos, a continuidade suave que havia entre a entrega dos Oscar e as chamadas do Troféu Imprensa.
O Oscar traz essa mistura de reverência "endomingada" com excesso cenográfico que de certa forma se parece muito com o mundo da TV no Brasil pelo novo-riquismo e que pode premiar tanto um valor realmente artístico como misturar todos os valores.
O ano 2000 terminou consagrando "Gladiador" como melhor filme. Trata-se daquilo que se pode chamar de "grande espetáculo". Uma mistura de "A Queda do Império Romano", de Anthony Mann, com "Ben Hur". O segundo, na versão sonora, dirigida por William Wyler, levou uma penca de Oscar de 1959.
Concorreu a roteiro original, mas não levou, eis aí um caso de pouca originalidade. Sua particularidade é mostrar a Roma de Cômodo como uma sociedade do espetáculo, onde a arena se torna um espaço compensatório das vicissitudes de um império que já não dava mais conta de sua própria grandeza.
"Gladiador" sofre, em contraste sobretudo com a beleza clássica de "A Queda do Império Romano", de empolamento, vacuidade e, como já se disse, de ser um cúmplice fiel desse mundo do espetáculo.
Diga-se a bem da verdade, Russell Crowe, o neozelandês que faz o gladiador em questão e levou o prêmio de melhor ator, é mesmo um senhor ator, se bem que o filme exigisse muito pouco dele.
Em todo caso, a melhor direção para Steven Soderbergh é um prêmio justíssimo. Trata-se de uma espécie de dr. Jeckyll e mr. Hide da mise-en-scène. Seu outro lado também competia, com o esperto "Erin Brockovich", trabalho pouco significativo, a não ser pelo arrivismo da personagem-título. Ambas personalidades dirigem atores igualmente bem.
"Traffic" é um filme sobre entorpecentes que observa a atividade por um ângulo original: em vez de vê-la como "o mal", a entende como o canal por onde uma sociedade em que pais e filhos, ricos e pobres, marginais e integrados de certa forma dialogam.
Soderbergh deu ao belo roteiro adaptado uma direção leve e fluente, beneficiada por uma montagem muito forte e também colaborou muito para que Julia Roberts (melhor atriz) e Benicio Del Toro (ator coadjuvante) fossem também premiados.
Julia, aliás, merece um comentário à parte. É uma dessas raras estrelas autênticas que atravessaram os anos 90. Pode não ser uma grande atriz, mas seu carisma é inegável e quase sempre só levou pedreira nas costas, como "Uma Linda Mulher" ou "Tudo por Amor", e nunca perdeu a linha. Não fosse por ela e Albert Finney, "Erin Brockovich" não passaria de um honesto telefilme. Mas não, foi um sucesso.
Na categoria de melhor filme de língua estrangeira, ganhou o que todos esperavam: "O Tigre e o Dragão". Rubens Ewald Filho sublinhou várias vezes que esse era um aceno de Hollywood ao mercado chinês. É provável.
Apesar das belas coreografias, o filme de Ang Lee não dá para lamber as botas dos grandes diretores de filmes de artes marciais, como King Hu e John Woo, para não falar dos japoneses de outros tempos.
O Brasil concorreu na categoria de curta de ficção, com "Uma História de Futebol", que perdeu para "Quiero Ser". É uma evocação da infância de Pelé bem ao gosto americano: afetiva ao ponto de derivar para o sentimental, bem arrumada, simpática e tão inócua quanto seu aparente modelo -"O Campo dos Sonhos".
A fama de Pelé, no entanto, não chegou para compensar a pouca penetração do futebol nos EUA. Se esse curta vencesse, seria a senha para instaurar no Brasil uma produção de tipo imitativo, na cola de Hollywood.
Se a Academia desprezou filmes fortes, como "Dançando no Escuro" e "Cowboys do Espaço" (com apenas uma indicação cada um), resta dizer que as premiações especiais, como de costume, colocam um pouco de ordem na casa.
Ernest Lehman é um roteirista de primeira linha, assim como Jack Cardiff é um fotógrafo idem. Mas, de todos, como não dar especial atenção a Dino de Laurentiis, que fez do melhor e do pior, como todos, mas que se arriscou como poucos, produziu de Fellini a King Vidor, descobriu estrelas como Jessica Lange e, sobretudo, foi casado com Silvana Mangano? É para tirar o chapéu.
Saiba quem ganhou o Oscar 2001
Crítica: Oscar se assemelha ao mundo da TV brasileira
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da Folha de S.Paulo
Se há uma coisa justa neste mundo é o SBT transmitir o Oscar. E quem viu a festa terá notado, nos intervalos, a continuidade suave que havia entre a entrega dos Oscar e as chamadas do Troféu Imprensa.
O Oscar traz essa mistura de reverência "endomingada" com excesso cenográfico que de certa forma se parece muito com o mundo da TV no Brasil pelo novo-riquismo e que pode premiar tanto um valor realmente artístico como misturar todos os valores.
O ano 2000 terminou consagrando "Gladiador" como melhor filme. Trata-se daquilo que se pode chamar de "grande espetáculo". Uma mistura de "A Queda do Império Romano", de Anthony Mann, com "Ben Hur". O segundo, na versão sonora, dirigida por William Wyler, levou uma penca de Oscar de 1959.
Concorreu a roteiro original, mas não levou, eis aí um caso de pouca originalidade. Sua particularidade é mostrar a Roma de Cômodo como uma sociedade do espetáculo, onde a arena se torna um espaço compensatório das vicissitudes de um império que já não dava mais conta de sua própria grandeza.
"Gladiador" sofre, em contraste sobretudo com a beleza clássica de "A Queda do Império Romano", de empolamento, vacuidade e, como já se disse, de ser um cúmplice fiel desse mundo do espetáculo.
Diga-se a bem da verdade, Russell Crowe, o neozelandês que faz o gladiador em questão e levou o prêmio de melhor ator, é mesmo um senhor ator, se bem que o filme exigisse muito pouco dele.
Em todo caso, a melhor direção para Steven Soderbergh é um prêmio justíssimo. Trata-se de uma espécie de dr. Jeckyll e mr. Hide da mise-en-scène. Seu outro lado também competia, com o esperto "Erin Brockovich", trabalho pouco significativo, a não ser pelo arrivismo da personagem-título. Ambas personalidades dirigem atores igualmente bem.
"Traffic" é um filme sobre entorpecentes que observa a atividade por um ângulo original: em vez de vê-la como "o mal", a entende como o canal por onde uma sociedade em que pais e filhos, ricos e pobres, marginais e integrados de certa forma dialogam.
Soderbergh deu ao belo roteiro adaptado uma direção leve e fluente, beneficiada por uma montagem muito forte e também colaborou muito para que Julia Roberts (melhor atriz) e Benicio Del Toro (ator coadjuvante) fossem também premiados.
Julia, aliás, merece um comentário à parte. É uma dessas raras estrelas autênticas que atravessaram os anos 90. Pode não ser uma grande atriz, mas seu carisma é inegável e quase sempre só levou pedreira nas costas, como "Uma Linda Mulher" ou "Tudo por Amor", e nunca perdeu a linha. Não fosse por ela e Albert Finney, "Erin Brockovich" não passaria de um honesto telefilme. Mas não, foi um sucesso.
Na categoria de melhor filme de língua estrangeira, ganhou o que todos esperavam: "O Tigre e o Dragão". Rubens Ewald Filho sublinhou várias vezes que esse era um aceno de Hollywood ao mercado chinês. É provável.
Apesar das belas coreografias, o filme de Ang Lee não dá para lamber as botas dos grandes diretores de filmes de artes marciais, como King Hu e John Woo, para não falar dos japoneses de outros tempos.
O Brasil concorreu na categoria de curta de ficção, com "Uma História de Futebol", que perdeu para "Quiero Ser". É uma evocação da infância de Pelé bem ao gosto americano: afetiva ao ponto de derivar para o sentimental, bem arrumada, simpática e tão inócua quanto seu aparente modelo -"O Campo dos Sonhos".
A fama de Pelé, no entanto, não chegou para compensar a pouca penetração do futebol nos EUA. Se esse curta vencesse, seria a senha para instaurar no Brasil uma produção de tipo imitativo, na cola de Hollywood.
Se a Academia desprezou filmes fortes, como "Dançando no Escuro" e "Cowboys do Espaço" (com apenas uma indicação cada um), resta dizer que as premiações especiais, como de costume, colocam um pouco de ordem na casa.
Ernest Lehman é um roteirista de primeira linha, assim como Jack Cardiff é um fotógrafo idem. Mas, de todos, como não dar especial atenção a Dino de Laurentiis, que fez do melhor e do pior, como todos, mas que se arriscou como poucos, produziu de Fellini a King Vidor, descobriu estrelas como Jessica Lange e, sobretudo, foi casado com Silvana Mangano? É para tirar o chapéu.
Saiba quem ganhou o Oscar 2001
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