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28/04/2001 - 04h16

"Memórias de um Sobrevivente" chega em maio às livrarias

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da Folha de S.Paulo

"Acompanhei muitos serem destruídos, quais folhas ao vento. A maioria, a dor estupidificou, desumanizou e os fez piores do que já eram. A mim, sinceramente, não sei por quê, tornou mais sensível", diz o detento Luiz Alberto Mendes Júnior, 48, em "Memórias de um Sobrevivente", que chega dia 10 de maio às livrarias.

Seu livro resulta da tentativa de responder à pergunta que o acompanha nos 29 anos em que está preso: por que ele se tornou quem ele é. O que começou como busca interior agora toma a forma de envolvente texto literário.

Mendes Júnior foi "revelado" por oficinas literárias realizadas no Complexo Penitenciário do Carandiru, em 99, e comandadas pela atriz Sophia Bisilliat e Fernando Bonassi, colunista da Folha. O texto de "Memórias de um Sobrevivente", escrito há dez anos, enfim foi tirado da gaveta e levado para a editora Companhia das Letras, que decidiu lançá-lo.

A pena de Mendes Júnior soma hoje mais de 70 anos, por uma série de delitos, que incluem roubo e homicídio. Atualmente, ele aguarda transferência para uma penitenciária e ocupa, com mais 13 presos, uma cela no Centro de Detenção Provisória da Vila Independência, em São Paulo.

Foi nessa prisão que Mendes Júnior recebeu a Folha, na tarde da última quarta-feira, para falar de seu livro. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
(SYLVIA COLOMBO)

Folha - Você diz que seus companheiros na adolescência foram destruídos pela violência do mundo do crime. Por que acha que teve uma sorte diferente da deles?
Luiz Alberto Mendes Júnior -
Essa é uma questão bastante profunda para mim. Nós viemos em quatro para a cadeia. Um deles se matou na cela-forte de Avaré, o outro saiu da cadeia há uns dez anos e virou mendigo. O terceiro saiu recentemente da Casa de Custódia de Taubaté, onde "chapou". Eu fui o único que conseguiu chegar até aqui bem. Talvez exista um fenômeno aí, e eu o chamo de livro. Os livros me salvaram.

Folha - Os livros fazem parte de sua vida há muito tempo?
Mendes Júnior -
Eu fui criado em Juizado de Menores, em institutos. Não gostava de livro, nosso negócio era roubar, matar, fazer desgraça. Era a PM que tomava conta da gente. E saíamos desses lugares não revoltados, mas sim estupidificados. O que eu queria era descontar em quem passasse pela minha frente.

Folha - E como os livros apareceram?
Mendes Júnior -
Quando fui para a penitenciária, estava já condenado a um castigo de seis meses de cela-forte e seis meses de RO (regime de observação). Na cela-forte, a gente não podia conversar nem fumar. Então, falávamos pela privada. De madrugada, tirávamos a água. O encanamento dava na cela-forte em frente e ressoava na caixa de descarga, então podíamos nos comunicar. Em frente à minha cela, estava Henrique, um companheiro, hoje já morto, que começou a me falar sobre livros.

Folha - Por que você decidiu escrever sua história?
Mendes Júnior -
Foi bem depois disso. No começo, não se tratava de um livro. Eu queria entender o que tinha acontecido na minha vida. Tinha chegado a uma situação de desespero, pois consegui passar no vestibular da PUC, em direito, quando fiquei livre por um tempo. E joguei tudo para o espaço -fui preso novamente. Aquilo bateu na minha cabeça de uma maneira muito forte. Perdi o controle de minha vida.

Folha - E por que buscou o caminho da escrita?
Mendes Júnior -
Comecei a pensar, a refletir. Estava com mais de 30 anos, comecei a querer entender quem eu era e o que tinha acontecido comigo. Pesquisei com minha mãe como tinha sido a minha família antes de eu nascer, a estrutura da minha infância. Fui registrando essas coisas junto com o que eu lembrava. Depois de uns meses, achei que o que tinha dava para fazer um livro.

Folha - Sua narrativa é envolvente, como trabalhou seu estilo?
Mendes Júnior -
Acho que o meu segredo está no costume de escrever cartas. Correspondo-me com muitas pessoas, e, quando se está preso, precisamos convencer as pessoas de que o que temos para contar merece ser ouvido.

Folha - Ao narrar sua adolescência, você se identifica como um "órfão da ditadura". Mas, na época, você não tinha consciência sobre o que se passava. Quando relacionou sua história com a do Brasil?
Mendes Júnior -
Eu não tinha consciência do que vivia quando era adolescente. Que aquilo que eu via acontecer nas ruas era parte de uma história maior, de repressão, que existia em outras esferas do país durante o regime militar. Fiz a ligação depois, quando li sobre o marxismo. Gostei do que aprendi. Não virei um marxista, mas aquilo fez a minha cabeça, e eu mudei o jeito de observar a sociedade em que cresci.

Folha - O que você gosta de ler?
Mendes Júnior -
Gosto muito de Erico Verissimo. Li duas vezes "O Tempo e o Vento". Também gosto de Sartre e dos existencialistas. Fui muito influenciado pelos autores da Escola de Frankfurt, Herbert Marcuse, principalmente. Também leio muito sobre história, filosofia e pedagogia.

Folha - Que reação espera de seus leitores?
Mendes Júnior -
Quando estava nas ruas, tínhamos 12, 13 anos. Hoje os meninos estão lá aos oito, nove. Sei que vão passar tudo o que eu vivi. A minha história vai se repetir na vida deles. Se meu livro puder fazer com que as pessoas observem isso, vou me sentir muito feliz. Quero continuar a escrever. Não vou parar mais.
 

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