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28/04/2001 - 04h21

Hosmany Ramos lança o livro "Pavilhão 9"

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da Folha de S.Paulo

Entre as muitas gírias de cadeia que aparecem no novo livro de Hosmany Ramos, "Pavilhão 9", uma é especialmente significativa: "fazer castelos". É o sonho ao qual o preso se aferra, um subterfúgio muito pessoal para fugir à realidade detrás das grades. Pode ser começar vida nova ou realizar um grande golpe; matar um inimigo ou se tornar pastor evangélico.

Aos 55 anos, o castelo de Hosmany Ramos é a literatura. Descoberto há um ano pela francesa Gallimard, que publicou "Marginália" e pretende lançar "Pavilhão", não hesita em dizer que seu livro "dá de dez" no do também médico (cancerologista) Drauzio Varella, "Estação Carandiru".

Quando entra na pequena sala da Penitenciária de Araraquara para a entrevista, parece ao mesmo tempo tranquilo e excitado. Fala muito, e não espanta que deseje tanto falar, pelos livros e pela boca: está preso já há 20 anos.

Leia a seguir trechos da entrevista de Hosmany Ramos.
(CYNARA MENEZES)

Folha - Quando o sr. vai sair?
Hosmany Ramos -
Não há nenhuma lei que me segure mais na prisão.

Folha - O que dizem é que, como o sr. fugiu (em 1996, quando visitava a família, e foi acusado também de participar de um sequestro), começou outra pena.
Ramos -
Se fosse assim, uma pessoa condenada a 200 anos não sairia nunca. Minha expectativa é de que minha liberdade esteja na razão direta e proporcional a meu trabalho literário.

Folha - O sr. deseja a liberdade?
Ramos -
Olha, estou na prisão, escrevendo meus livros, estou tranquilo. Se quiserem me deixar 20 anos aqui, vou escrever 20 livros. A liberdade é psicológica. Se tenho condições de colocar minhas idéias no papel, sou livre.

Folha - Por que fugiu pouco antes de ganhar o semi-aberto?
Ramos -
Foi desespero. Fui passar as festas na casa da família e estava tão revoltado que não quis escutar ninguém. Errei. Estou pagando pelo meu erro. Mas quando se prende um homem, tem que dar a mão para ele quando sair. Como Cristo fez com Lázaro, porque sair da prisão é ressuscitar.

Folha - O sr. lê a Bíblia?
Ramos -
É o livro de crimes mais perfeitos que existe no mundo. Se a Bíblia não fosse escrita como um romance policial, será que tinha chamado a atenção de tantas pessoas no mundo?

Folha - O sr. errou quando inventou uma segunda vida para si mesmo?
Ramos -
Nesse aspecto, não dou minha mão à palmatória. Não provaram porra nenhuma contra mim e me condenaram.

Folha - No livro, o sr. diz que não há mais o charme dos antigos criminosos.
Ramos -
Tinha um charmoso golpe, o golpe do armário. O cara chegava em uma residência do Morumbi, sem os donos dentro, com um guarda-roupa. Batiam na porta, a empregada abria e perguntava: "O que é?". "Viemos trazer o armário." Ela abria a porta. Dentro do armário havia um fundo falso, com um cara agachadinho. Quando a mulher saía, o cara limpava a casa e fugia pela janela. Não é simpático?

Folha - Esse tipo de crime o fascinava?
Ramos -
Lógico. Você nunca leu Arsène Lupin? Achava maravilhosas aquelas histórias. O cara nunca usou uma arma, conquistava todas as mulheres e roubava.

Folha - É o que dizem do senhor.
Ramos -
Precisavam justificar porque aquele cara foi preso inocentemente. O pessoal falou que eu roubei o relógio do Pelé. O Pelé é meu amigo, jamais falou isso.

Folha - Se não tivesse sido preso, estaria satisfeito colocando silicone em bunda de mulher?
Ramos -
Não. Seria barrigudo, com filhos, cada um com uma mulher, e 1.001 problemas.

Folha - Pelo que diz, não troca a condição de preso escritor pela de cirurgião plástico liberto.
Ramos -
Acho que não. A literatura é perene. Cirurgião plástico, quando você morre, acabou.

Folha - Por que o sr. resolveu escrever sobre o Carandiru?
Ramos -
No Brasil, nós tivemos três massacres significativos. O primeiro foi Canudos, que Euclydes da Cunha retratou muito bem. O segundo é a saga de Lampião, que a literatura de cordel imortalizou. E a terceira é o Carandiru. No coração da capital cultural do país, nas barbas de todo mundo, e nenhum escritor se interessou pelo caso. Os culpados nem chegaram ao tribunal.

Folha - Por que se recusa a alimentar a lenda Hosmany? Não venderia mais livros?
Ramos -
Se o livro é bom, você não precisa fazer nada. Essas coisas de botar biografia é só quando o livro tá meio capenga da perna.

Folha - Mas há muitas pessoas que simpatizam com roubos em casa de grã-finos...
Ramos -
Se surgisse no Brasil amanhã um Comando de Caça aos Corruptos, iria receber uma medalha. Sabe o James Bond, que tem licença para matar? O governo deveria arrumar um bando e dar licença para matar corrupto.

Folha - O sr. se alistaria?
Ramos -
Se fosse antes, quando estava revoltado, faria uma limpeza. Os caras pegaram o maior boi, a literatura me salvou.

Folha - O que é exatamente fazer castelos?
Ramos -
Todo preso, sem exceção, tem um castelo. Fica alimentando um sonho na vida.

Folha - O do sr. uma vez foi voltar à cirurgia plástica. Hoje é...
Ramos -
Realizar-me através do texto, da escrita. Sem nenhuma modéstia, o meu livro dá de dez no do Drauzio Varella sobre a Detenção. Ele é um observador que não viveu. Eu vivi e observei.
 

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