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09/07/2001 - 04h01

"Madame Satã" narra parte da trajetória do personagem homônimo

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FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

"Madame Satã era um bandido homossexual de poucas palavras, que não gostava de brincadeira e só usava camisas de seda e colete", conta o sargento Emílio, do 1º Batalhão do Posto de Policiamento do Largo Guimarães, em Santa Tereza, no Rio de Janeiro.

Foi lá que, há uma semana, foram filmadas cenas de "Madame Satã", o primeiro longa de Karim Aïnouz, 35. O policial observava as filmagens lembrando das histórias que seu pai contava sobre o lendário bandido da década de 30. Até foto de Satã, quem diria, o sargento tem guardada. "O ator que interpreta o Madame não é tão forte como deveria", comenta.

Personagem marcante no imaginário carioca, cada um tem uma história para contar do Madame Satã, muitas vezes contraditórias. Sem querer assumir um caráter documental, o cearense Aïnouz prepara a sua versão.

Após mais de dez anos de pesquisa, o cineasta filma por mais cinco semanas -serão sete no total. "Anedoticamente, tudo começou por curiosidade. Ao frequentar o Madame Satã, em São Paulo, comecei a investigar de onde vinha o nome da boate", conta Aïnouz, num restaurante, no intervalo das filmagens.

A boate Madame Satã foi a mais completa versão da cena underground paulistana e símbolo da transgressão nos anos 80.

Transgressão é palavra-chave para a produção de Aïnouz. "O João Francisco [nome real de Madame Satã" não fazia concessões; era radical na sexualidade, na vida artística. Era um transgressor", conta o diretor.

O filme trata da história de João Francisco dos Santos, negro
pernambucano de Glória do Goitá, que nasceu em 1900 e veio para o Rio em 1910. "Eram apenas 22 anos depois da abolição da escravidão, ele representa o desejo de sobrevivência que se transformou na malandragem da época", conta Aïnouz.

Entre os feitos atribuídos a Madame Satã estão a aberta homossexualidade, a mania de bater em policiais, ter participado de três concursos de fantasias e ter sido preso várias vezes. "O que me interessa nele é que ele era um resistente e, apesar de tudo, conseguia ser feliz", diz o cineasta.

Entretanto, o filme não conta toda a história de Satã, que morreu em 1976. "Vamos até 1938, o que representa o período de formação do mito", diz o diretor. Em 38, Satã participou de um concurso de fantasias de Carnaval, que ganhou com um traje inspirado no filme "Madam Satan", de Cecil B. de Mille. Foi ainda após dois anos do evento que Madame Satã comete seu primeiro homicídio. Por isso, o diretor proibiu que João Francisco fosse chamado de Madame Satã no set de filmagem, afinal, o apelido surge justamente quando o filme acaba.

"O que me interessa no cinema é a intimidade de um ser humano com outro. Não tenho interesse em contar histórias, quero representar uma experiência, fazer uma crônica", conta Aïnouz.

João Francisco é interpretado por Lázaro Ramos, 22, em seu primeiro filme como protagonista. O ator acabou de participar da nova produção de Aluizio Abranches, "As Três Marias", e esteve em cartaz em São Paulo, no ano passado, na peça "A Máquina", de João Falcão.

"O João Francisco é muito maior do que eu, só vou compreendê-lo daqui a uns dez anos", afirma Ramos.

A melhor amiga de João Francisco, a prostituta Laurita, é interpretada por Marcélia Cartaxo. "Escrevi o roteiro pensando nela", conta o diretor, que criou a personagem.

Empolgada com o papel, Cartaxo, que em 85 ganhou o Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim, atua para conquistar outro prêmio. "Agora eu quero um Leão", diz a atriz, referindo-se à premiação do Festival de Veneza. "É diferente de tudo o que já fiz, uma personagem determinada, que incentiva a carreira artística de João", conta Cartaxo.

O ator Flávio Bauraqui, no núcleo central do filme, interpreta Tabu, o travesti que vive com Laurita e João Francisco. Participam ainda Renata Sorrah, como Vitória dos Anjos, a cantora e dona do cabaré onde Madame Satã trabalha, e Antônio Pitanga, como o barbeiro Liduíno.

Segundo Aïnouz, o visual do filme será "podrera". "João tinha uma atitude muito complexa, com diferenças de comportamento, e esse caráter irá se refletir nas imagens. Não acredito que forma e conteúdo possam ser separados", afirma.

O diretor participou como roteirista de "Abril Despedaçado", de Walter Salles, que tem estréia prevista para outubro.

"Madame Satã" é uma co-produção da VideoFilmes e da Lumière, com orçamento de R$ 3 milhões e estréia prevista para junho de 2002. Uma parceria com a Miramax e a Studio Canal já garantiu a distribuição do filme na América do Norte e na Europa.
 

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