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04/08/2001 - 04h27

Biografia honra o mito de Nara Leão

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

O jornalista carioca Sérgio Cabral, 64, leva adiante o projeto informal de contar a história da MPB por intermédio de alguns de seus principais personagens. Lança agora "Nara Leão - Uma Biografia", em honra àquela que ele considera "a mais importante cantora brasileira de sua época".

Autor, antes, de biografias de Ary Barroso, Elizeth Cardoso e Tom Jobim, Cabral procura definir qual foi a época de Nara (1942-1989). "Começa em 64, quando ela lançou seu primeiro LP, e vai até... Até o final, eu diria", data, referindo-se à morte precoce da artista, aos 47 anos, em virtude de um tumor no cérebro que a consumira durante dez anos.

A capixaba radicada desde bebê em Copacabana seria para ele, então, a mais importante mesmo nos anos de estrelato incontestável do triunvirato Elis Regina/Maria Bethânia/Gal Costa. "Não digo que ela fosse a melhor cantora brasileira, porque havia Elis e Elizeth. Mas era a mais importante. Sempre antecipou tendências, sempre buscou o novo. Cada disco dela era uma surpresa para todo mundo", opina o pesquisador.

Se mais tarde Nara carregou por anos a fio o rótulo de "musa da bossa nova", Cabral admite que num primeiro momento ela não era muito mais que uma mascote do movimento. Foi quando, ainda adolescente, passou a reunir em seu apartamento a nata daquela geração, em torno de longas noites de voz, violão e bossa.

"No começo o pessoal não acreditava muito nela, e ela própria tinha dúvidas sobre isso. Mas foi fazer teste na Columbia, pelo visto queria ser cantora, sim".

Foi assim que, antes mesmo de estrear em disco, seis anos após a eclosão da bossa, Nara rompeu com o movimento -chegando a se posicionar acidamente contra ele.

Discreto no livro, Cabral responde se a ruptura amorosa com um dos líderes da bossa, Ronaldo Bôscoli, teria causado a adesão de Nara ao samba de morro e à canção militante:

"Há quem ache isso, como por exemplo Roberto Menescal (membro da primeira leva da bossa e para sempre amigo íntimo de Nara). Eu não acho muito, não. Aconteceu, ela rompeu com Bôscoli. Mas não quis ficar contra a bossa por causa disso".

Cabral defende no livro que Nara seria fundadora, com o LP de estréia, da moderna música popular brasileira e da própria sigla MPB, que só começou a ser utilizada de modo corriqueiro na era dos festivais, no meio dos anos 60.

"Quando ela gravou o primeiro disco, o pessoal da bossa a acusou de estar indo para o outro lado. Não perceberam que estava dando um passo adiante, cantando músicas de várias origens, sem o repeteco da bossa nova, mas usando elementos dela. A bossa era uma música com características muito específicas da zona sul do Rio, mas a música de Nara trazia o Nordeste, o samba do subúrbio carioca, outros ares. Assim acabaram sendo depois Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e tantos outros", afirma.

Nascia ali, com Nara e a sigla MPB, a era da canção de protesto. Diz Cabral: "Não digo que seu LP de estréia era um disco da oposição, porque Jango ainda estava no poder quando ela o fez. Mas trazia os princípios todos do CPC, da música participante, militante". Aquele primeiro "Nara"
saiu um mês antes do golpe militar que a levaria de fato à oposição.

Oposição, em seu caso, queria dizer oposição mesmo. Um dos ápices da biografia, juntamente com as desavenças com Elis Regina, é a descrição do rebuliço que Nara causou em 66, ao defender numa entrevista a saída dos militares do poder e a extinção das Forças Armadas.

Militância agressiva ou bravata inconsequente de uma garota de 24 anos? "Ela era uma menina da zona sul, que estava começando a obter mais informações. Não era uma pessoa madura politicamente. Acho que falou sem saber, sem conhecer a fundo a situação do país. Acho que se arrependeu, que se soubesse como as coisas eram não teria dado a entrevista".

Seja como for, o episódio rendeu à jovem estrela ameaça de processo e de prisão, uma "procissão" de dezenas de intelectuais brasileiros à porta de sua casa para lhe prestar apoio e até um poema de Carlos Drummond de Andrade (reproduzido no livro) pedindo ao presidente do Brasil que não prendesse Nara Leão.

Para Cabral, "A Banda", de Chico Buarque, que venceu com ele e Nara na interpretação o festival de MPB da Record em 66, vinha assim como uma forma de amenizar a barra-pesada política que já os rodeava: "Ela começou a se cansar do protesto. Imagine o peso na mão de dois meninos, que é o que ela e Chico eram na época, de assumir aquela liderança, aquela responsabilidade".

Nara ainda apoiaria o advento do grupo tropicalista, em plena expansão no período 67/68, mas após o AI-5 exilou-se em Paris com o marido, o cineasta Cacá Diegues. Um período de relativo afastamento da carreira de cantora popular durou ao menos até 75.

O câncer, que começou a se manifestar em 79, não inibiu uma década inteira de dedicação constante à música, particularmente à bossa nova que a jovem Nara chegara a combater.

Cabral fala da tarefa de biografar Nara, também sua amiga: "Foi difícil. Escrevi sobre Ary Barroso com muito mais facilidade. O fato de eu conhecê-la e saber de sua discrição talvez me tenha levado a um comportamento discreto".

Não contou tudo que sabia, então? "Contei tudo, não escondi nada, não. O que não contei foi por erro ou esquecimento".

O jornalista diz que não pensa ainda num próximo volume de sua "pequena história da MPB", mas dá lá suas pistas: "Hermínio Bello de Carvalho me pede o tempo todo para fazer a biografia de Aracy de Almeida. Meu editor, Almir Chediak, quer que eu escreva um livro sobre tudo o que vi nesses anos. Eu gostaria de escrever pequenas biografias, de Cyro Monteiro, Baden Powell...".

Leia a nossa opinião sobre o livro na Crítica Online
 

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