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08/09/2001 - 02h50

Crítica de Pauline Kael influenciou cinema em todo o mundo

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NELSON ASCHER
da Folha de S.Paulo

É difícil dizer se a norte-americana Pauline Kael, que morreu segunda-feira aos 82 anos, foi a maior crítica de cinema do século 20 ou algo assim, pois não há como medir esse tipo de grandeza, e tais qualificações tampouco fazem muito sentido.

Pode-se, porém, afirmar sem medo que, desde que, já entrada na casa dos 40, ela passou a se dedicar àquilo que o cubano Cabrera Infante (ele mesmo um ótimo praticante) chamou de "um ofício do século 20" e, mais ainda, a partir do momento em que, no final dos anos 60, tornou-se a crítica titular da revista "The New Yorker", sua fama e influência não cessaram de crescer, suas opiniões foram discutidas acalorada e não raro raivosamente, e seu estilo fez escola.

Kael possuía todas as características de um bom crítico. Ela gostava de cinema e acreditava na importância deste. Escrevia bem, deliciosamente, aliás, e com muita clareza.

Em vez de apenas ditar suas opiniões do alto de um púlpito acadêmico, a crítica preferia discuti-las com o público através de jornais e revistas.

Pauline Kael sabia que os assuntos dos filmes contavam tanto quanto seus aspectos mais técnicos e/ou profissionais, dos quais ela também entendia e sobre os quais era capaz de discorrer didaticamente.

Sua visão do mundo que o cinema tematizava (seu próprio mundo e tempo) era ampla e informada, e, embora lançasse constantemente mão dela para questionar as muitas que os filmes apresentavam ou promoviam, ela evitou escrupulosamente a tentação de tornar-se, em seus textos, socióloga, filósofa, psicóloga, guru, comentarista de tudo: a norte-americana manteve escrupulosamente seu foco e foi até o fim uma crítica de cinema.

O sucesso de sua carreira se mede pelo fato de que mesmo gente que não tenha nem sequer ouvido seu nome repete, de terceira ou quarta mão, interpretações (que já se tornaram quase oficiais) de um sem-número de filmes, interpretações estas que não são mais que suas opiniões.

O alvo dos ataques

Ela gostava do cinema de seu tempo (dos anos 60-80) e não o julgava em nada inferior ao de qualquer nostálgica "era de ouro" pregressa.

Acreditando que cinema de verdade é o de público, grande público, pois se trata mesmo de cultura de massa (e não precisa de modo nenhum se desculpar por isso, ou, no caso do cinema industrial americano, por ser americano), ela investiu contra o conceito romântico de autoria quando aplicado a um produto industrial, coletivamente criado (mas que tem responsáveis a serem responsabilizados na alegria e na tristeza), e fez da idéia do "cinema de arte", principalmente da pretensiosidade de seus defensores, o alvo preferencial de seus ataques.

O que ela detestava, convém sublinhar, era a pretensão e o sentimento de superioridade (dos intelectuais frente à massa, dos europeus "cultos" em face dos americanos "vulgares e materialistas" etc.), pois os filmes "de arte" em questão, ela os discutia como a todos os outros, em busca de méritos e defeitos.

Ela apreciava, por exemplo, os de Bergman e Fellini, mas tratava duramente Antonioni quando, em "Zabriskie Point", chegando aos EUA cheio de preconceitos e apesar de não procurar se informar de nada, ele resolvia mostrar aos americanos a "grande verdade" a respeito de seu país.

Vagueza, imprecisão, sugestões genéricas de profundidade, falta de substância e, principalmente, pseudo-intelectualismo e afetação artística eram, para ela, os pecados imperdoáveis.

Periodicamente reunidos em coletâneas cujos títulos os mesmos elementos (jogos de palavras, uso de coloquialismos e gíria bem como de referências variadas) que davam aos seus textos um sabor inconfundível tornam arriscado traduzir, seus artigos -que cobrem detalhadamente toda a produção cinematográfica da segunda metade do século que passou- são não apenas uma fonte incontornável de referência e (para quem aprecia a boa prosa) de prazer, mas também um modelo para os outros críticos e, para todos nós, um exemplo de inteligência.



 

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