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01/01/2002 - 03h49

"Cantar é uma droga pesada", disse Cássia Eller em entrevista à Folha

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PEDRO MACIEL
free-lance para a Folha

Cássia Eller era uma das mais surpreendentes revelações da música popular brasileira surgida na última década. Virou fenômeno de vendas com o CD "Acústico MTV", lançado em 2001. A sua voz grave e o seu jeito irreverente de interpretar a transformaram numa das cantoras mais suingadas da MPB. O seu registro vocal lembra a música chorada do blues.
Eller ria do mundo quando cantava. Debochava dos costumes burgueses.
Desafiava a sociedade com seu jeito descontraído de se apresentar no palco. Nesta entrevista inédita, síntese de duas conversas, realizadas em 1996 e 2001, Eller, morta no último sábado, fala das suas influências, ídolos e sobre seu repertório baladeiro de rock e funk.

Folha - Cássia, nós somos sempre muito mais do que os outros pensam da gente. O que mais você é além de roqueira e blueseira?
Cássia Eller -
Eu não sei me definir. Nunca soube muito bem dizer quem eu sou. Só sei que sou alguém que gosta de escutar todo tipo de música. Gosto de música em geral. Gosto demais de blues e rock e também gosto de baladas. A música clássica também me comove. Na verdade, escuto de tudo. Meu repertório surge a partir do momento que estou vivendo.

Folha - Os críticos estão sempre definindo ou rotulando os artistas. Eles são isso ou aquilo e ponto final. Você pode ser isso e aquilo e ainda ser nada disso...
Eller -
Eles já me definiram de tudo. Nem sei mais o que sou, na opinião deles. Eu acho engraçado eles me definirem, porque nem mesmo eu sei me definir. Eu, por exemplo, não me rotulo nem como roqueira ou blueseira ou isso ou aquilo. Eu acho que sou um pouco de cada coisa.

Folha - O seu registro sonoro e a sua maneira indiferente de estar no mundo lembram um pouco a Janis Joplin. Você pretende gravar mais alguma canção dela?
Eller -
Eu gravei "Mercedes Benz" com o Victor Biglione. Foi um especial que a gente fez para a TV. Não tenho planos de cantar mais nada do repertório dela. Não sei. Mas, se rolar, quem sabe. Por enquanto a minha vontade mesmo é de gravar músicas de compositores de São Paulo. Eu curto pra caramba essa turma. Também quero fazer coisas com quem eu for conhecendo por aí.

Folha - Janis Joplin influenciou a sua maneira de interpretar?
Eller -
Quando conheci a Janis, eu já cantava. Claro que já tinha ouvido falar dela. Lembro quando era criança de ter visto ela pela televisão. Minha mãe escutava, mas passava batido, nunca tinha me tocado. Depois que comecei a cantar foi que eu percebi que minha voz, não a voz, mas sim o jeito de cantar, era muito parecido. Essa semelhança se deve, eu acho, pelo fato da gente gostar de blues.

Folha - Janis não suportou as cobranças, o jeito careta da sociedade e se lançou no abismo...
Eller -
Não foi só ela que não suportou. Muitos músicos e artistas não suportaram e ainda não suportam as cobranças babacas. Na época dela, as pessoas estavam começando a se libertar, a pensar por si mesmas, a pensar com a própria cabeça. Acho que isso continua até hoje, mas hoje a gente sofre menos. Mas as cobranças continuam. Tem que ser um bom ator nessa vida para ser feliz.

Folha - Você se espelha em alguma intérprete em especial?
Eller -
Não. Sempre gostei de escutar a música como um todo. Eu nunca me encantei exatamente com as vozes das cantoras, exceto a Nina Simone. De vez em quando até imito ela. No mais, a Elis é a cantora brasileira que mais aprecio, mas não foi uma influência forte. No meu repertório não se vê nada que possa ser comparado com alguma cantora brasileira.

Folha - Fale um pouco de seu repertório.
Eller -
É difícil de falar. Na verdade, eu tenho vontade de gravar mais músicas suaves, que não exijam muito da minha voz. Acho que a gente, nos primeiros trabalhos, tenta mostrar o tamanho da voz, quer berrar, fazer o mais baixo e o mais alto que for possível. Agora que já tenho um tempo de estrada, eu já não tenho tanta gana de mostrar. Estou a fim de fazer mais baladas, mais relax.

Folha - O seu repertório define um pouco o tempo em que vivemos. Pode-se dizer que a sua música fala a língua de uma geração?
Eller -
Acho que sim. Mas não tenho certeza. Talvez fale sim, apesar de que as coisas precisam de um tempo longe para sabermos o que estava realmente perto da gente. A minha música fala do cotidiano da gente, das coisas de agora. Talvez a minha música coincida com a minha geração.

Folha - E você se identifica com a sua geração, com o seu tempo?
Eller -
Não sei. Acho que esse negócio de geração é muito engraçado. Esse rótulo, essa expressão, é só pra gente se identificar, se situar. Nem sempre estamos no lugar certo, com a turma certa ou num tempo que tem a ver com nossas idéias. Não creio que todo mundo seja igual ou que determinada faixa etária pense igualzinho. Ninguém é igual a ninguém. Graças a Deus. Geração é só um momento que a gente vive.

Folha - Dizem que cantar espanta os espíritos...
Eller -
Não sei explicar isso. Eu viajo muito quando estou cantando. Não acho que cantar seja espantar espíritos ou fantasmas. Cantar é conversar com os outros, afinar o papo com os outros. É uma viagem muito louca e muito distante. Perco-me em lugares que nunca antes imaginava estar.

Folha - Cantar então é viajar?
Eller -
Parece uma droga pesada, um chá do Santo Daime. É muito louco. Eu não sei te dizer se é bom ou ruim, só sei que na hora de cantar não estou aqui, estou viajando pra algum lugar que não sei dizer aonde.

Folha - Você falou em droga. Na época de sua gravidez, você deu um tempo, um refresco...
Eller -
Nessa época eu dei um tempo geral. Mas eu já enfiei muito meu pé na jaca por aí, já fiz muita besteira, muita loucura.


Saiba tudo no especial Cássia Eller

 

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