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22/03/2002 - 16h10

Documentário desdramatiza vida do cantor Nelson Gonçalves

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MARIO SERGIO CONTI
da Folha de S. Paulo, no Rio

Nelson Gonçalves foi o cantor brasileiro de maior sucesso de todos os tempos. Em 50 anos de carreira, gravou 57 CDs, 129 LPs, 200 fitas cassetes, 400 discos em 45 rpm e 172 em 78 rpm. Foram mais de 2.000 músicas em 78 milhões de discos vendidos.

A extensão extraordinária de sua voz, particularmente nos graves, provocou reações também extraordinárias. Ela fez com que Frank Sinatra o elogiasse, em 1961, quando se apresentou no Radio City Music Hall, em Nova York. Em 1975, com "Naquela Mesa", de Sérgio Bittencourt, ele atingiu o primeiro lugar na parada de sucessos... na Bélgica.

Morto em 1998, aos 78 anos, ele teve uma vida sofrida e desregrada como os foxes que cantava. Gago (seu apelido era Metralha), foi garçom (no bar do irmão, na avenida São João), campeão paulista de boxe (peso-médio), cafetão (na Lapa carioca) e viciado em cocaína (levou um flagrante e ficou um mês preso, em 1966).

O diretor Eliseu Ewald recupera o essencial da biografia e as músicas marcantes de sua carreira. Há imagens de arquivo, velhos fonogramas e depoimentos de pessoas que com ele conviveram, como seu parceiro Adelino Moreira, o crítico e historiador Sergio Cabral e o cantor Cauby Peixoto.

Ewald entremeia as entrevistas e gravações com a recriação de momentos essenciais da vida de Nelson Gonçalves. Na recriação, o ator Alexandre Borges faz o papel do cantor e Julia Lemmertz, o de Lourdinha Bittencourt, a segunda de suas três mulheres.

"Nelson Gonçalves" é um documentário que, dado o desleixo com que o cinema nacional trata a música popular, surpreende pela sobriedade. Ele busca a vida do cantor com objetividade, preocupando-se em mostrar o contexto em que o cantor se movimentou.

O filme dá números sobre a indústria do disco e situa o poder de divulgação do rádio. Em vez de se perder em elogios ou melodramatizar a dependência da cocaína, "Nelson Gonçalves" relata os fatos com serenidade.

Essa aproximação, respeitosa sem ser reverente, esfria o filme e desdramatiza a vida do cantor. Os depoimentos de Adelino Moreira, Cauby Peixoto e Lobão deixam entrever um outro Nelson Gonçalves: um Nelson Gonçalves mercurial, arruaceiro, às vezes generoso e terno, mas sobretudo uma criatura da fauna noite, da esbórnia, que só conseguia paz na frente de um microfone.

A relativa frieza do filme parece se prender mais às características do cantor do que à estratégia do diretor. Nelson Gonçalves é um tema difícil. Ao contrário de sua voz, seu rosto é uma máscara. Não há câmera capaz de lhe registrar as emoções. Como muitos músicos, sua capacidade de racionalização era limitada, ainda que, como seus amigos atestam, tenha sido um conversador divertido.

"Nelson Gonçalves" é uma contribuição para situar o lugar do cantor na música brasileira. Não a música que passou e se mumificou, mas a que pode expressar algo da vida brasileira hoje. Os arroubos dessa música, sua cafonice abolerada, expressam desencontros em zonas de prostituição barra pesada. A boemia de Nelson Gonçalves não era alegre.

A poética de Nelson Gonçalves é punk. Talvez não caiba num documentário. Enquanto existir um foxe triste, um otário com dor de corno, um cabaré desolado, uma guitarra solitária, ela viverá.

"Nelson Gonçalves"
Direção: Eliseu Ewald
Produção: Brasil, 2001
Com: Alexandre Borges e Julia Lemmertz
Quando: a partir de hoje no Cine Arte Lilian Lemmertz e no Interlar Aricanduva

  Veja galeria de fotos do filme
 

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