Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
26/04/2002 - 04h38

Para Karen Armstrong, "extremismo sequestra biografia do profeta"

Publicidade

PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S.Paulo

Extremistas islâmicos distorcem a mensagem do profeta Maomé e sequestram sua biografia para justificar atos de violência. A opinião é da londrina Karen Armstrong, ex-freira católica e especialista em religiões, que veio a São Paulo para lançar seu livro "Maomé: Uma Biografia do Profeta" (Companhia das Letras).

A escritora participará de um debate aberto ao público, amanhã, às 17h, no salão de idéias da Bienal do Livro de São Paulo. Leia a seguir os principais trechos da entrevista à Folha.

Folha - Em seu livro "Maomé: Uma Biografia do Profeta", a sra. diz que Maomé foi um dos homens mais notáveis da história...
Karen Armstrong -
Ele se tornou um paradigma de como podemos ser integralmente humanos. Buda, Jesus e Confúcio são outros exemplos. Pessoas que inspiraram enorme emoção. O profeta foi notável devido ao fato de que era um gênio político e religioso. Ele mostra que é possível mudar o mundo quase sozinho, sem nenhuma grande tradição monoteísta por trás. Ele conseguiu ir direto ao coração do monoteísmo e mudar o mundo ao seu redor para melhor. Ele mostra quão difícil é implementar o monoteísmo, o desejo de Deus, em um mundo de violência. O mesmo aconteceu com o Jesus crucificado.

Folha - A sra. defende a idéia de que "os extremistas sequestram a biografia de Maomé". Como?
Armstrong -
Osama bin Laden desenvolveu seu próprio programa sobre o que ele vê como a vida do profeta. Bin Laden ignora o fato de Maomé criticar a violência. Nos dois últimos anos, concentrou-se em construir uma coalizão e tomou Meca sem violência, sem coerção, como o Alcorão prega. Maomé disse que Deus exortou tribos e nações a se conhecerem melhor, não a cometer atentados ou odiar. O Alcorão diz que matar é diabólico. Todos os extremistas do mundo estão distorcendo as mensagens. Cristãos fundamentalistas ignoram o ensinamento de oferecer a outra face, judeus em Israel mencionam um trecho da Torá que pede a expulsão dos cananeus, ignorando as palavras dos profetas.

Folha - Por que o profeta é chamado de farsante com frequência?
Armstrong -
Isso acontece desde as Cruzadas. Os cristãos lutavam guerras sagradas contra os muçulmanos e diziam que ele era o profeta da espada, que conquistava por meio da violência. Os cristãos projetavam nele seu próprio comportamento. As atrocidades dos cruzados não encontram nenhuma base no Evangelho. Pelo menos 40 mil muçulmanos e judeus foram exterminados em Jerusalém no século 11. O islã era uma civilização muito superior. Os cristãos se questionavam como o islã podia prosperar tanto, e a única forma de explicar isso era dizer que Maomé era um charlatão. Nessa época, o clero estava impondo o celibato, e havia uma inveja em relação ao islã [o celibato não é obrigatório nem aconselhado no islã".

Folha - Como o profeta tratava as mulheres?
Armstrong -
Muito bem. Era um dos poucos homens que não se mostravam machistas. Ele realmente apreciava a companhia da mulher e defendia a emancipação feminina. É possível dizer que o primeiro muçulmano foi Khadija, a mulher do profeta, que acreditou nas revelações antes que ele próprio o fizesse. Era sua grande conselheira espiritual.

Folha - Alguns estudiosos defendem que não há compatibilidade possível entre a política e a liderança religiosa. Por que essa relação é forte no islamismo?
Armstrong -
A religião pode ser letal quando misturada à política. Penso nos cruzados, que foram às batalhas com a frase "Deus quer isto" em seus lábios. Gosto do modelo profético, que fala de forma profética contra as políticas injustas. Isso é o que os profetas de Israel fizeram no século 8º a.C. Eram como comentaristas políticos, dizendo aos políticos que eles estavam adotando o caminho errado. Diziam que Deus não estava mais com eles. Porque eles não estavam se comportando com justiça. Isaías disse: "Deus está agora ao lado do Egito em vez de Israel".

O profeta fez exatamente a mesma coisa em Meca. Ele se dirigiu aos poderosos que controlavam a cidade e disse: "Vocês estão esmagando as tradições da Arábia sem se importar com os pobres e com os justos. Qualquer sociedade que se comporta dessa forma é tola. Políticas verdadeiras não podem ser baseadas na injustiça. Nós temos, na Europa particularmente, a noção de quão negativa a mistura entre religião e política pode ser. No mundo islâmico, Maomé era um fenomenal sucesso político. Não creio que ele tenha começado com essa idéia. A política se tornou quase um valor sacramental, para trabalhar por justiça. Mas, mesmo no período dos califados islâmicos, havia uma separação entre política e religião.

MAOMÉ: UMA BIOGRAFIA DO PROFETA
De:
Karen Armstrong
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 31,50. 320 págs.

Saiba tudo sobre a Bienal do Livro
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página