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02/07/2002 - 03h46

Elza Soares lança novo CD e volta ao visual "black power" dos anos 70

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo, no Rio

Num show recente que antecipava seu novo disco, a carioca Elza Soares sofreu para não chorar na hora de cantar "Flores Horizontais", poema do modernista Oswald de Andrade musicado pelo diretor artístico de "Do Cóccix Até o Pescoço" (que chega às lojas na próxima semana), o paulista José Miguel Wisnik.

Flores horizontais são as prostitutas que vivem a "vida rubra de bordel" descrita por Oswald e levam Elza, aos presumidos 65 anos, a reminiscências pessoais parecidas às que a fazem chorar quando enfrenta no palco "Meu Guri", de Chico Buarque, que a leva às perdas do filho e do ex-marido campeão do futebol Mané Garrincha ("meu Mané", diz ela).

Lembre-se, Elza. "Quando eu era criança, dez anos, minha mãe era lavadeira de família rica. A patroa tinha uma filha linda, Ieda, que um dia chegou em casa tarde demais. Eu estava de cócoras, lavando roupa com minha mãe, e ouvi a patroa chamando Ieda de prostituta.

Ieda disse: "Sim, sou prostituta, mas sou rica, bonita e poderosa". Mas isso era tudo o que eu queria ser! Isso me marcou muito, até hoje adoro a palavra "prostituta".

A palavra "puta" é tão bonita, não?"
De volta ao presente, diz que os momentos de choro em shows não são truque nem malandragem de intérprete escaldada para seduzir sua platéia. "No palco sou verdadeira. Se cair morta ali, é verdade. Tenho medo de repetir "Meu Guri" em "Flores Horizontais". Vou tentar fazer mais bêbada, menos sentimental", tenta.

O palco, para ela, é onde tudo acontece. Foi de lá que despencou em 99, fraturando uma vértebra e saindo temporariamente de combate. Elza não sabe se foi de propósito, mas depois disso ganhou de Chico Buarque a aparentemente biográfica "Dura na Queda", que abre o CD.

Esse seria o nome do álbum, mas acabou perdendo para um termo tirado de "Dor de Cotovelo", que Caetano Veloso fez também especialmente para ela. Elza acha que o "do cóccix até o pescoço" da letra não se refere, de novo, à sua queda espetacular do palco.

Mas segue daí para o tema "ciúme", que orienta a letra de Caetano: "Sinto muito ciúme, não acredito que exista pessoa que não sinta. É muito ruim, deixa você burra, boba. Sinto ciúme amoroso, nas amizades, profissional. Muito".

Ciúme profissional é inveja? "Não. Inveja odeio, detesto. O que conquisto é com meu próprio trabalho, inveja é maligna."

Independente
Com seu próprio trabalho, Elza conquistou, entre outras coisas, a simpatia de Lupicinio Rodrigues, um de seus primeiros padrinhos musicais. Era dele "Se Acaso Você Chegasse", ex-sucesso com Cyro Monteiro, que lançou Elza como sambista moderna em 60.

João Gilberto também estava de olho e admirava sua musicalidade. Coincidência ou não, ela foi contratada pela mesma Odeon (hoje EMI) de João, onde faria 16 LPs nunca relançados pela EMI.

A popularidade foi instantânea, mas veio acompanhada de ataques em várias frentes, fosse pelo caso escandaloso com Garrincha, fosse pelo horror que parte da crítica musical sentiu pela contaminação jazzística que ela vinha infiltrar na pureza do samba.

"Com cintura fina e bunda grande, a gente tinha que ser sambista. Não me deram outra chance, até que fui para o rock. Nos anos 80, fiz o show "Minha Vingança Sará Malígrina" (sic), em São Paulo, no Madame Satã, com peruca branca, cenário de velas, camburão me levando embora. Foi minha vingança", relembra.

"Sempre me senti muito samba, mas sempre achei que o samba pode ser mais. Quando a Viradouro usou funk na bateria, todo mundo achou horrível. Eu dei gritos de alegria. Quero cantar Nelson Cavaquinho com raiva, o Brasil nem sabe da existência dele."

Fora da Odeon em 73, seguiu daí em diante carreira errante. De 88 a 97, não lançou nenhum disco. De lá para cá, não esquentou cadeira em gravadora -era (ou é) vista, segundo seu renovador Wisnik, como "peça de museu".

A solução foi cair de boca na independência. Wisnik a levou ao publicitário Sérgio Guerra, que fundou na Bahia o selo Maianga e devolve Elza a um projeto artístico/mercadológico ambicioso, sem amparo de grande indústria.

Faz parte do projeto o novo visual, de perucão black e calça boca-de-sino. "Acho que voltei ao "black power". Virou moda em Londres, onde ganhei da rádio BBC o prêmio de cantora do milênio. Tem tudo a ver comigo, o disco é "black power".

A faixa "A Carne" é bem negrão, fala que "a carne negra é a mais barata do mercado'", diz, referindo-se ao tema de neoprotesto criado por Marcelo Yuka e Seu Jorge e lançado originalmente pelo Farofa Carioca.

Sob produção de Alê Siqueira, o disco foi em parte gravado em Salvador, no estúdio Ilha dos Sapos, de Carlinhos Brown, presente no disco como percussionista, baixista e autor de "Etnocopop".

O time reúne veteranos como Jorge Ben Jor (compositor da inédita "Hoje É Dia de Festa") e Luiz Melodia (de quem regrava "Fadas"), intermediários como Marcos Suzano (que leva com ela um longo pot-pourri improvisado de sambas clássicos) e jovens como Yuka, Seu Jorge e o Funk como le Gusta (que toca em "Eu Vou Ficar Aqui", de Arnaldo Antunes).

A lista pode vir a ser reforçada por Rita Lee, convidada para sacramentar o casamento entre o samba do sangue de Elza e o pop de além proposto no disco. Se depender de Elza, Rita será a diretora do show que irá içá-la de novo ao palco, do cóccix até o pescoço.
 

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