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02/11/2002 - 03h47

Livraria Leonardo da Vinci, no Rio, completa 50 anos

RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo, no Rio

Em algum dia de 1970 ou 1971 -ele já não se lembra bem-, o crítico e escritor José Castello, então estudante de jornalismo, saiu apressado da livraria Leonardo da Vinci, no centro do Rio, que, neste mês, completa 50 anos. Amedrontado, Castello tinha acabado de cometer um crime.

"Era estudante de primeiro ou segundo ano de faculdade e vivia duro. Um dia, estava na livraria e vi um livro que me deixou maravilhado. Resolvi roubá-lo.

Devo ter andado umas duas ou três quadras pela avenida Rio Branco. Quando já achava que estava completamente livre, uma mão me pega pelas costas.

Voltei para a Da Vinci acompanhando o funcionário que me levava pelo braço.

Descemos a rampa em caracol que conduz ao subsolo do prédio 185 da Rio Branco. Dona Vana [Giovana Piraccini, 76, imigrante italiana e proprietária da loja" estava na mesa dos fundos. Trêmulo, devolvi o volume.

"Puxa! Cortazar. É um escritor maravilhoso", disse dona Vana. "Vamos fazer um negócio: leve o livro emprestado; daqui a um mês, devolva"."
Castello diz que abandonou o livro e a livraria, onde só pisaria novamente anos depois.

Nem a atitude do futuro jornalista nem a reação generosa da proprietária foram fatos isolados nos 50 anos da loja, refúgio e "escritório" de Carlos Drummond de Andrade -cujo centenário se comemora nesta semana-, entre tantos outros escritores.

Rui Campos, dono da concorrente "Livraria da Travessa", diz que a Da Vinci "é a mãe de todas as livrarias". "É uma referência não só no Brasil, mas internacionalmente."

A livraria conta hoje com 80 mil títulos diferentes. Espalham-se por 400 metros quadrados em estantes que vão até o limite do pé-direito de 3,80 m. Entre eles, o "Codice Arundel", com reproduções de 45 ilustrações do próprio Leonardo da Vinci, editado pela British Library. Atualmente a obra mais cara da loja, seus dois volumes saem por R$ 24 mil.

"São [livros] muito tentadores", diz o poeta e filósofo Antonio Cícero, dono de uma conta na loja quando era estudante de filosofia, no final dos 60. "Eu juro que nunca furtei. Nesse ponto sou muito careta."

Dona Vana afirma que já "emprestou" livros para muita gente. "Nós tivemos experiências fabulosas. Pessoas que depois de anos mandaram pacotes de livros de volta com uma carta de carinho: "Quando era estudante trotskista não tinha dinheiro..."."

Além dos "pobres estudantes", Dona Vana enumera outros fregueses habituais: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Golbery do Couto e Silva, Glauber Rocha, Roberto Campos, Raymundo Faoro, Ferreira Gullar.

O mais habitual, entretanto, foi o poeta Carlos Drummond de Andrade, que durante anos trabalhou no Ministério da Educação, a duas quadras dali -fazia visitas ao MEC mesmo depois de esvaziar as gavetas e retirar da parede o retrato de Itabira-, e outros tantos anos no "Jornal do Brasil", na Rio Branco. "Este lugar aqui [mostra o sofá instalado nos fundos da loja, para uso do poeta] era seu refúgio", diz dona Vana.

Em 1973, ano em que Drummond publicou o poema "Livraria", em homenagem à Da Vinci, a loja pegou fogo.

Drummond e outros intelectuais cariocas resolveram então pagar contas antecipadas, por compras futuras, "a serem movimentadas quando se tiver normalizado a situação do estabelecimento", explicou o poeta em crônica, dias depois do incêndio.

Homenagear o ilustre freguês foi a forma que a Da Vinci encontrou para comemorar o próprio aniversário. Uma exposição de livros raros, cartas e fotos do poeta preenche as vitrines do subsolo do edifício Marquês do Herval. Também será realizado, na Biblioteca Nacional, o ciclo de palestras "Cinco Décadas em Questão", sobre temas dominantes da cultura nos últimos 50 anos.

 

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