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05/12/2002 - 08h00

"Ônibus 174" usa sequestro para criticar o Estado, diz diretor

MARCELO BARTOLOMEI
Editor de entretenimento da Folha Online

O documentário "Ônibus 174" chega aos cinemas de São Paulo nesta sexta-feira para fazer barulho. Retrato do sequestro que chocou o país em 12 de junho de 2000, o filme impressiona muito, e faz pensar.

O fio-condutor é a história do ex-menino de rua Sandro do Nascimento, 21, que tomou oito pessoas como reféns dentro de um ônibus no Jardim Botânico (zona sul do Rio de Janeiro) e ameaçou matar ao menos três delas na frente das centenas de câmeras da mídia brasileira. Com isso, invadiu toda a programação de TV e foi visto por praticamente todo o país.

Divulgação
Veja fotos do filme
José Padilha, diretor de "Ônibus 174"; clique para ver fotos do filme
Para José Padilha, 35, que faz sua estréia como diretor no cinema com o documentário, o filme usa o sequestro para falar de uma questão mais ampla. Ele é uma crítica ao Estado e passa por assuntos que vão da violência à infância no Brasil. Antes, ele havia produzido "Os Carvoeiros".

"Ônibus 174" utilizou imagens das TVs, que no dia do sequestro fizeram uma cobertura inédita e sem cortes do sequestro do ônibus que passava pelo Jardim Botânico. O filme custou R$ 1 milhão.

Junto de seu sócio Marcos Prado na produtora Zazen Produções, Padilha não quer fazer só um trabalho por vez. Entre próximos projetos há um documentário dirigido por Prado, batizado "Estamira", sobre uma idosa que sofre de esquizofrenia e que prefere um lixo público a um abrigo para idosos no Rio. O filme, que também tem seu papel social, deve ser lançado no Festival do Rio BR de 2003.

Leia, a seguir, trechos da entrevista:

Folha Online - Como surgiu a idéia de usar o episódio do sequestro do ônibus e transformar em um filme?

José Padilha -
Foram dois estágios. Primeiro quando eu vi a ocorrência, como todo mundo, e dava para ver que aquele ali é um material de arquivo único porque, geralmente, sequestros acontecem em casas, prédios fechados onde você não consegue filmar, e aquele era em um ônibus, com estrutura de vidro. Aquilo para mim já era um material inédito. Em janeiro de 2001, quando eu vi o filme "Um Dia em Setembro" (do cineasta Kevin MacDonald, Oscar de melhor documentário em 2000), sobre um sequestro de uma equipe de tiro de Israel em Munique, que era muito bacana, apesar de não mostrar os sequestradores, também me chamou muito a atenção. Comecei, então, a fazer o "Ônibus 174", mesmo sem captar recursos. Era uma idéia muito boa para ficar esperando.

Folha Online - Qual foi o seu contato visual com o sequestro do ônibus no Jardim Botânico? Durante quanto tempo?

Padilha -
Eu vi quase tudo. Eu não peguei o começo. Umas 16h30, eu fazia ginástica em uma academia, e vi pela TV. Como era em frente à minha casa, eu não tinha como voltar, e fiquei lá assistindo.

Divulgação
Veja mais fotos
Cena do documentário brasileiro "Ônibus 174", no momento em que o sequestrador libera uma refém; clique na foto para ver uma galeria

Folha Online - Como foi a produção do filme? Quanto tempo demorou?

Padilha -
O produtor é meu sócio, o Marcos Prado. A gente começou em fevereiro de 2001 e a primeira cópia ficou pronta em setembro de 2002. Durante este tempo todo a gente filmou, refilmou, pesquisou e montou.

Folha Online - Sempre que você faz um filme, é preciso fazer algumas escolhas... Quais foram as suas e por que você decidiu por elas neste documentário?

Padilha -
Eu escolhi contar duas histórias em paralelo. Uma da ocorrência policial que foi filmada pelas TVs e outra é a do Sandro [do Nascimento, o sequestrador]. A idéia é que a história dele explique a sua relação com a polícia com um certo valor explanatório sobre o seu comportamento dentro do ônibus. O Sandro é um personagem extraordinário na medida em que ele representa uma classe de pessoas que existe no Brasil, a dos meninos no Brasil, e é sobrevivente da chacina da Candelária. Optei por esta reconstituição.

O restante é quem você vai colocar, quem entrevistar, quem filmar.

Da parte da ocorrência policial, a escolha é um pouco óbvia, pois havia mais pessoas dentro do ônibus e que tinham participado do sequestro e que precisavam falar para contar como foi.

Folha Online - Por que contar a história do Sandro, sob a ótica marginal, e não da Geísa Gonçalves, que foi a grande vítima do episódio e morreu no final do sequestro?

Padilha -
O Sandro... pela história da vida dele... Ninguém é responsável pelo trauma que ele sofreu na infância. É um acaso, e isso fez com que ele virasse um menino de rua e vivesse em situação de miséria. Depois que ele virou menino de rua, aos 8 anos, ele passa a ser responsabilidade do Estado. A vida do Sandro, diferentemente da vida de todas as outras pessoas que estavam ali, fala da relação do Estado brasileiro com o miserável. Isso é socialmente mais importante do que as outras histórias, por mais interessantes e relevantes que elas sejam. A história do Sandro é, desparadamente, a mais relevante ali.

Folha Online - O filme tem várias críticas à polícia carioca e a instituições como a Padre Severino, que recolhe menores infratores. Mas não há um "outro lado". Por que?

Padilha -
As críticas que a gente tem não são argumentativas, elas são demonstrativas. O que se fala da polícia em relação à ocorrência, você vê aquilo. Não é uma cabeça falando que a polícia errou. Você vê os erros. Quanto à Padre Severino, o que a gente vê são os internos de lá falando como eles são tratados e como o Sandro era tratado. A gente conta duas histórias objetivamente. Elas expõem as falhas dessas instituições. A gente não propõe argumentos do tipo a polícia deveria ser treinada de tal maneira nem que o salário do policial deveria ser X. Existe o outro lado da moeda que as pessoas que são convidadas para falar defendendo em nome das instituições sabem que não há como se defender. Então elas não aceitam falar e não falaram. Por exemplo, eu mandei um e-mail para o Garotinho, tentei falar com ele, mas ninguém quis falar. Em um documentário você convida as pessoas a falarem. Uma parte do que você coloca no documentário é decisão do diretor. Outra parte é decisão do mundo. Eu não quero falar. Tudo bem, está fora.

Folha Online - Nem as investigações que foram feitas depois nem alguma menção sobre o que não aconteceu aos policiais estão no filme?

Padilha -
Não teve desdobramento nenhum. Nada aconteceu com ninguém. Se eu digo que não aconteceu nada eu posso estar errado porque vai haver um julgamento. O que mais eu poderia dizer além do que a imagem já mostrou? O Marcelo Santos [policial que errou a mira e deu o primeiro tiro na refém Geísa] se levantou e errou o tiro e os policiais asfixiaram o Sandro no camburão. Se foi homicídio culposo ou doloso não cabe a mim dizer, o tribunal vai decidir. Eu acho que as imagens deixam bem claro o que aconteceu ali.

Folha Online - Mas algumas imagens deixam dúvidas.

Padilha -
O que é dito no documentário é o que aconteceu. A polícia matou o Sandro asfixiado. E no final a gente ouve os tiros que mataram a Geísa, um do Marcelo Santos e dois do Sandro. A trajetória do Sandro é o mais importante do filme. Eu estabelecer que a polícia mata as pessoas no final do caso do ônibus 174 ia tirar a emoção que está amarrada à vida dele. Por outro lado, eu já mostrei a chacina da Candelária. Todo mundo sabe que a polícia mata. O Luiz Eduardo [Soares, ex-secretário da Segurança Pública no Rio de Janeiro] diz isso claramente na cena aérea do ônibus: a polícia terminou o serviço que tinha começado na Candelária. Isso é dito por uma pessoa que foi secretário da segurança e foi chefe da polícia. Para mim é suficiente.

  Veja fotos do sequestro do "Ônibus 174"

Assista ao trailer:
  • 56k | alta velocidade*

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