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13/01/2003 - 03h03

Ministro Gilberto Gil demonstra que não é tão esotérico assim

IVAN FINOTTI
Enviado especial da Folha a Brasília

Em sua primeira semana no cargo, o ministro Gilberto Gil, 60, contrariou algumas expectativas de que seria uma "refestança" ter um cantor tropicalista num cargo de primeiro escalão do governo. Demonstrou, conforme diz uma de suas canções mais famosas, que não é tão esotérico assim.

É verdade que não faltou vatapá de abóbora em seu gabinete, pedido feito no almoço de quarta passada a um restaurante macrobiótico próximo à Esplanada dos Ministérios. Mas não, o ministro não vai trabalhar de sandálias, não tira uma soneca na rede branca após as refeições nem levou berimbaus para decorar sua sala.

E sim, Gilberto Gil usa solenes ternos ou blazers (sem repetir a gravata), está trabalhando até 13 horas por dia (na terça passada, seu expediente foi das 9h15 às 22h30) e lá dentro todos se referem a ele como "ministro" ("Gil" é tratamento usado por seus fãs, não por seus funcionários).

Em seu gabinete no terceiro andar do Ministério da Cultura, Gil passou a semana discutindo a formação de seu secretariado e recebendo representantes de instituições. Na terça-feira, por exemplo, recebeu um imortal da Academia Brasileira de Letras, um diretor da Câmara Brasileira do Livro e faltou à posse do ministro do Planejamento, Guido Mantega, para tentar definir o novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

No dia anterior, Gil já havia recebido um "não" por telefone do empresário e bibliófilo José Mindlin, que assim justificou sua recusa: "Gil, já tenho mais de 80 anos, não posso sair de São Paulo com essa idade. E, além do mais, seria um perigo eu estar no meio desses livros raros, cobiçados, cheios de história... Eu levaria tudo para casa, Gil".

Cidreira

Para acompanhar essas reuniões tão importantes para a cultura brasileira, Gil dispensa o tradicional cafezinho, para tristeza do garçom Antônio Martins. "Ministro, também trabalhamos com chá", informou ele, após uma série de recusas ao café.

O ministro quis saber qual tipo. "Tem mate, maçã, cidreira..." "Ahhh, cidreira é o ideal. É o ideal", escolheu Gil.

O ministro também tem demonstrado preocupação com o aumento da carga horária de trabalho de seus funcionários: "Tá tudo bem?", pergunta, quando encontra alguém. "Muito serviço? Isso é só no começo. Daqui a pouco, maneira." Na manhã de quarta, Gil reuniu todos eles para se apresentar e tranquilizar. Disse que não ia demitir ninguém e que "em casa de pobre também se vive. E, às vezes, se vive melhor que em casa de rico".

Sintonizado com o governo Lula, Gil liga a todo instante para José Dirceu, a quem chama de "Zé", para trocar informações ou perguntar detalhes de cerimonial. No almoço, sempre na mesma mesa onde despacha, além do vatapá vegetariano, Gil tem comido muita salada verde, arroz integral e soja. Tudo vem dos restaurantes naturais O Girassol e Naturetto, cujo carro-chefe é o escalopinho de glúten.

O ministro, entretanto, não obriga ninguém a seguir sua dieta. Na segunda passada, quando já estava em Brasília assumindo a Secretaria do Livro e da Leitura, o poeta baiano Waly Salomão mandou trazer "salmão, em homenagem ao Salomão".

Salomão também tem trazido algo da agitação tropicalista que se esperava do ministério dos artistas. Entre audiências com o ministro e reuniões de cinco horas com o ex-secretário do Livro, Ottaviano de Fiore, o poeta circula pelos corredores do ministério, com uma camisa verde-abacate e uma gravata azul-marinho que termina no meio da barriga, contando casos engraçados e bradando palavras de ordem e esperança: "Oxalá a nossa equipe dê certo! Oxalá a gente ganhe! Oxalá a gente chegue lá!".

"Ele é expressivo, hein? Precisa tomar muito chá", constata o garçom Martins em uma das passagens de Salomão. Acostumado às formalidades de Francisco Weffort, Martins logo providencia uma infusão ao novo secretário.

Salomão chegou à Brasília com Gil, no domingo da semana passada, em um Lear Jet da Força Aérea Brasileira. Ao descerem no aeroporto militar, uma comitiva de sargentos e soldados tocou corneta e bateu continência, numa cerimônia de recepção comum a ministros de Estado. Gil e Salomão, atônitos, estacaram e bateram continência de volta, numa gafe cerimonial. "Menino! Nós batemos continência!", comentaram entre si.

"Mas o Gil ficou preocupado que eles pudessem entender como uma brincadeira nossa", conta Salomão. "Ele foi perguntar ao capitão de que forma os militares entendiam quando os civis devolviam o cumprimento militar", fala Salomão. "Como uma honra", tranquilizou o sorridente capitão.

Flora Gil

Quem também passou boa parte da semana no gabinete foi a mulher do ministro, Flora Gil. "Vim para conhecer e ajudar Maria Gil, que trabalhava comigo na produtora no Rio e veio embora para Brasília trabalhar com o pai", conta Flora. Maria Gil é a secretária particular do ministro, cuidando da agenda, dos documentos importantes e, claro, do cardápio do almoço.

Em Brasília, Flora também ficou sabendo que não pode mais utilizar as leis de incentivo à cultura para patrocinar seus projetos e os de Gil.

Por enquanto, o ministro está hospedado no hotel da Academia de Tênis, um complexo que fica a dez minuto do ministério. Para lá, Gil levou seu violão, que ainda não conseguiu tirar da capa, e seu laptop Macintosh verde-limão.

Apesar de contar com dez cinemas, oito restaurantes e diversas lojas, o local já foi apelidado de "Academia do Crime" por Waly Salomão, pelo atentado ao bom gosto. "É muito cafona, uma Disneylândia, de um pós-moderno paupérrimo, contrastando com esse esplendor que é a Esplanada dos Ministérios", diz o expansivo poeta.

Para resolver esse problema doméstico, já se candidatou Flora Gil, que foi conhecer o apartamento funcional do ex-ministro Weffort, na Asa Sul. "Fui lá ontem dar uma olhada. É um apartamento maravilhoso, mas está meio caidinho, precisando de um toque feminino, uma pintura, uma orquídea... Darei quando voltar da Bahia."

Leia mais:
  • Empresas de Gilberto Gil já captaram R$ 6,99 milhões


  • Gil participa de reunião para Fórum Econômico Mundial
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