Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
25/01/2003 - 04h07

Crítico diz que popularidade de Harry Potter é "desesperante"

RODRIGO MOURA
free-lance para a Folha

Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o ensaísta Harold Bloom.

Folha - Como era o sr. como um jovem leitor?
Harold Bloom -
Eu era sedento, como um jovem leitor. Eu passava todo o meu tempo lendo quando era ainda muito criança. Foi um tipo de intoxicação.

Folha - Como foi o método de pesquisa para esta antologia? Há muitas diferenças entre antologias para adultos e esta?
Bloom -
Não. Eu, deliberadamente, mr. Moura, quis quebrar essas diferenças, como disse na introdução. Cada vez mais acredito que aquilo que o século 19 chamou de literatura infantil é algo muito desprezível no fim do século 20 e no início do 21, na era do Harry Potter. Minha intenção, com essa antologia, era reunir contos e poemas que se ajustassem ao título, para crianças extremamente inteligentes de todas as idades, incluindo eu mesmo como uma criança de 72.

Folha - E há muitas escolhas afetivas e pessoais entre as obras selecionadas...
Bloom -
Mas, você sabe, estive pensando nisso outro dia. Acho que esta é uma antologia de que [Jorge Luis" Borges teria gostado bastante. Há dois de seus autores favoritos, G.K. Chesterton e Robert Louis Stevenson. Ele conhecia a língua inglesa, poesia e romance, muito bem de fato. Ele leu Cervantes, "Dom Quixote", em inglês antes de ler em espanhol. Sua mãe era inglesa e eles conversavam em inglês durante sua infância. Então, acho que, como uma antologia borgeana, essa é cheia de boas histórias e de fantasia, embora não tenha tentado ser especificamente borgeano.

Folha - Todos os autores são europeus ou norte-americanos...
Bloom -
Isso acontece apenas porque eu estava lidando com um contexto cronológico no qual eu me coloquei como leitor. Eu deliberadamente não incluí nada escrito após a Primeira Guerra Mundial, pois acho que a sensibilidade ocidental se transformou radicalmente na Primeira Guerra. Isso mudou a consciência das pessoas. Aquele tom elevado das fantasias imaginativas que marcou as narrativas do século 19 e mesmo as do período eduardiano [referente ao reinado de Edward 2º (1901-1910), rei da Inglaterra" desapareceu para sempre. Se o livro incluísse a literatura feita até hoje, teria uma série de ótimos autores latino-americanos. Meu livro mais recente, "Gênio", que ainda não saiu no Brasil, é cheio de literatura em português e inclui, é claro, o grande Machado de Assis.

Folha - O sr. é leitor da produção literária voltada para o mercado jovem? O sr. mencionou Harry Potter: alguma vez já o leu?
Bloom -
Há alguns anos eu nunca havia nem sequer ouvido falar em Harry Potter. Até que li algo no "Wall Street Journal" sobre o fenômeno Harry Potter, o que soou algo alarmante para mim. Fui a uma livraria, isso há três ou quatro anos, e comprei um exemplar "paperback" (edições mais baratas) do primeiro livro da série e o li. E fiquei chocado e alarmado. Era uma das obras mais mal escritas que eu lera em anos! Fiquei horrorizado que aquele fosse o livro mais popular entre os jovens do mundo todo. Hoje isso continua. Mas estou convencido de que esse fenômeno seja efêmero, esses livros vão acabar em poeira. Não sei se você já os leu, mas são muito ruins!

Então acabei fazendo essa antologia e, só depois que recebi o primeiro exemplar e li a introdução e o índice, compreendi que era minha reação a todo esse fenômeno. Mas não há nenhum propósito pragmático nisto. Mesmo que esse livro seja um sucesso no mercado norte-americano e tenha vendido 70 mil cópias, "Harry Potter" vendeu 3 milhões de exemplares. É uma situação absolutamente desesperante. Acho que as crianças deveriam ler Lewis Carroll, Edward Lear, mas elas não estão lendo "Alice no País nas Maravilhas". Acredito que no Brasil seja igual, que vocês tenham fantásticos autores que não são mais lidos pois as crianças só querem ler Harry Potter.

Folha - E há toda uma estratégia mercadológica por trás, com personagens invadindo o mundo do consumo de outros bens, filmes etc.
Bloom -
Bem, o que podemos dizer? Pensei outro dia que isso já aconteceu antes, não é nenhuma novidade. Sempre houve, na história da literatura ocidental, livros que são muito populares, entre adultos e crianças, mas 30 ou 40 anos depois ninguém se lembra quais são... Viram pó. Eu não estarei por aqui em 30 anos para ver, mas Harry Potter já terá desaparecido. E Shakespeare e Carroll ainda estarão por aqui.


CONTOS E POEMAS PARA CRIANÇAS EXTREMAMENTE INTELIGENTES DE TODAS AS IDADES
Organizador: Harold Bloom
Editora: Objetiva
Preço: R$ 21,90 (144 págs.)
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página