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31/01/2003 - 03h22

Deus de Cacá Diegues escapa da concepção religiosa e se humaniza

JANAINA FIDALGO
da Folha Online

Supersticioso e rabugento, o deus que chega hoje aos cinemas brasileiros não poderia ser mais humano nem mais brasileiro do que é. E é desta forma que essa importante figura literária da cultura ocidental, como faz questão de ressaltar o diretor Cacá Diegues, cria ainda mais proximidade com o espectador.

"Este não é um filme religioso. O personagem desse filme é um personagem literário da cultura ocidental, que é Deus. Não há nenhuma intenção teológica neste filme. É claro que cada um de nós tem as suas crenças, as suas teses sobre religião e teologia, mas não é o caso. Me perguntar se acredito ou não em Deus seria a mesma coisa que perguntar ao Spielberg se ele acredita em extra-terrestre", diz Diegues.

"Deus É Brasileiro", que estréia hoje em mais de 100 salas de cinema do país, é baseado no conto "O santo que não acreditava em Deus", de João Ubaldo Ribeiro, extraído de Livro de Histórias (hoje republicado com o nome Já Podeis da Pátria Filhos). O longa, co-produção com a Columbia Tri Star, custou R$ 7 milhões.

A idéia inicial de Diegues era juntar todos os contos do livro de João Ubaldo em um só filme, como fez o diretor Robert Altman em "Short Cuts", de 1993. "Eu não consegui encontrar o eixo em torno do qual os personagens se movimentavam e então escolhi esse conto por razões várias", diz o diretor.

Os únicos personagens do filme que existem no conto são Deus (Antonio Fagundes), o santo (Bruce Gomlevsky) e Taoca (Wagner Moura) -um pícaro que guia Deus na busca por um santo para substitui-lo durante as férias. No filme, em vez de o encontro inicial de Deus e Taoca se passar na baía de Todos os Santos, como escreveu João Ubaldo, os dois se conhecem na foz do rio São Francisco.

"A partir desses personagens e desta pequena situação nós desenvolvemos um filme de estrada, que é uma estrutura cinematográfica que eu adoro, que serve muito ao meu gosto e à minha curiosidade pelo Brasil", afirma Diegues.

João Ubaldo participou da primeira versão do roteiro de "Deus É Brasileiro", mas desistiu antes de a adaptação ficar pronta.

"Quando terminei a primeira versão do roteiro o João Ubaldo caiu fora. Primeiro porque ele começou a escrever o romance dele e segundo porque ele detesta escrever roteiro. O João Ubaldo diz que o roteiro é uma coisa burra", explica Diegues.

Para concluir o roteiro do longa e acrescentar à história novos personagens, o diretor contou com a colaboração de Renata Almeida de Magalhães, que assina também a produção do filme.

Locações

As belíssimas locações de "Deus É Brasileiro", com destaque para a estonteante paisagem do Jalapão, no Tocantins, foram se entrelaçando por mera coincidência, segundo o diretor.

"É claro que a primeira idéia era fazer o filme na Bahia, porque o Ubaldo escreveu o roteiro para se passar lá. Aí começou a acontecer uma série de coisas que foram absolutamente acidentais. Não fui eu que inventei a viagem. Foi a viagem que foi se inventando ao longo da nossa loucura de locações", justifica o diretor.

Alagoano, Cacá Diegues foi buscar na infância a imagem que tinha da foz do Rio São Francisco, fruto das viagens que fazia com o pai.

"Aquela imagem do meu encontro com a foz do São Francisco ainda muito criança explodiu na minha cabeça como uma coisa definitiva. É claro que tem uma idéia no filme de ser uma dialética entre os projetos de Deus e o que o homem fez desses projetos, a idéia da potencialidade de felicidade que existe neste planeta e como nós destruídos isso, com a solidão, a miséria, a injustiça social e a violência. Aquela foz é uma coisa paradisíaca, de uma beleza extraordinária que provoca felicidade", explica.

Quem ajudou a fechar o trajeto de seu filme de estrada, foram os diretores Walter Salles ("Central do Brasil") e Sérgio Marchado ("Onde a Terra Acaba"), que mostram a Diegues fotos do Jalapão. A intenção era encontrar um lugar virgem, que não fosse a Amazônia, onde o encontro entre Deus e o santo pudesse ser filmado.

"Quando tudo terminou fizemos o traçado geográfico da viagem e me dei conta de que eu estava filmando só na margem esquerda do rio São Francisco. Decidimos ser coerentes e assumidos essa margem, procurando promovê-la culturalmente, usando seus atores, expressões e costumes locais."

Nem mesmo a trilha sonora do filme, que conta com a linda canção "Anjos Caídos", de Lirinha, interpretada pelos pernambucanos do Cordel do Fogo Encantando, fugiu desta lógica. Os alagoanos Djavan e Hermeto Paschoal e o pernambucano Lenine também fazem parte da trilha.

Brasil hoje

"Deus É Brasileiro" começou a ser feito três anos atrás e foi filmado há um ano e meio. No entanto, para Cacá Diegues não poderia haver momento melhor que o atual para que seu longa estreasse.

"Tem uma coincidência que me deixa muito feliz. É que esse filme está sendo lançado exatamente num momento excepcional da vida brasileira. Há um horizonte iluminado diante da gente, em que novas esperanças surgem no país. Esse filme, embora não fale especificamente disso, traz dentro de si essa idéia da tolerância e de absorver diferenças", afirma o diretor.

Diegues relaciona a aceitação da condição humana, de natureza imperfeita e falha, e a eterna busca pela felicidade à situação atual do país.

"Eu torço pelo Brasil. Eu quero que o Brasil dê certo."

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