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11/02/2003 - 06h52

Roberto Freire autografa autobiografia "Eu É um Outro"

VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Ele colocou o desejo nas estantes, mas o paulista Roberto Freire, aos 77 anos, admite que as coisas do amor ainda lhe são insondáveis. "Eu só falei de amor em toda a minha vida, nos 25 livros que publiquei, mas não tenho a menor explicação para ele", diz o autor de romances como "Cleo e Daniel" (1966) ou do ensaio "Sem Tesão Não Há Solução" (1990), obras que invocam o "amor libertário", "revolucionário".

"Do amor pode-se fazer uma necropsia, nunca uma biópsia. Se eu examiná-lo, paro de amar. O amor não é para ser entendido, mas sentido, experimentado", diz Freire no tom confessional que lhe é característico.

Se as histórias desse escritor formado em medicina e psicanálise (para depois rejeitá-las) costumam ser plenas em referências pessoais, elas encontram guarida na autobiografia "Eu É um Outro" (editora Maianga), com prefácio de Ignácio de Loyola Brandão. A sessão de autógrafos acontece hoje em São Paulo.

O livro situa a formação amorosa: o casamento de 18 anos com a médica Gessy, mãe de seus três filhos, Pedro, Paulo e Roberto; as paixões posteriores, os foras que deu, mas também levou.

Segundo Freire, a autobiografia ajuda a fundamentar sobretudo a condição de anarquista somático que abraçou nas últimas décadas.

A partir de 1973, ele encontra no pensamento de Wilhem Reich (1897-1957) -discípulo que rompe com Sigmund Freud (1856-1939), sobretudo por causa da concepção da psicanálise para o corpo- as bases para a somoterapia, ou somopedagogia, série alternativa de exercícios que prioriza as reações corporais no tratamento de neuroses.

No final do livro, acostumado às críticas, o autor dedica um apêndice à somoterapia.

Freire descobriu Reich por meio do teatro. No início dos anos 70, em Paris, ele assistiu à peça "Paradise Now", do grupo norte-americano Living Theatre, dirigido por Julian Beck. Foi conhecê-lo no camarim e Beck lhe contou sobre a técnica de interpretação inspirada no teórico austríaco.

Os laços de Freire com o teatro são muitos. Ainda como cientista pesquisador em Paris, entre 1952-54, extensão da formação de médico, ele conheceu o crítico Sábato Magaldi. Na volta ao país, foi convidado por Alfredo Mesquita a lecionar na Escola de Arte Dramática (EAD). Escreveu peças, conviveu com Antunes Filho, Flávio Rangel, Plínio Marcos, Flávio Império etc., e dirigiu espaços como o TBC e o Tuca.

Na imprensa, atuou no jornal "Brasil Urgente" e nas revistas "Realidade" e "Caros Amigos", da qual se desligou há pouco por discordar da linha editorial. Na política, juntou-se aos militantes da Ação Popular, por uma revolução socialista. Foi preso e torturado. Atribui aos "telefones" (tapas simultâneos nos ouvidos) a causa que, anos depois, cegou o olho direito.

"Sempre fui um cara muito ativo, muito criativo, viajante, movido pela paixão. Agora, na velhice, as doenças me imobilizam."

"Hoje, por exemplo, sou impotente para escrever, que é o que mais gosto de fazer", diz Freire. Ele operou o olho esquerdo de catarata, sofre de diabetes e combate um câncer de pele.

A autobiografia foi uma sugestão dos filhos, que viram na sua trajetória um diálogo com o "corpo histórico" do século 20.

"São décadas de militância artística, política, científica. Quando eu não tinha nem fantasia para contar histórias, sentindo-me censurado pela saúde, descobri a idéia do [Arthur] Rimbaud em sua "Carta ao Vidente", escrita a um amigo, na qual afirma que os poetas de sua época têm "uma falsa significação do Eu, porque Eu é um outro'", diz o escritor.

O desejo, diz Freire, é ver-se espelhado por meio dos outros, das dezenas de amigos citados ao longo do livro feito de paixões, mas também de traições.

"A memória surge sem mentiras. Fiz uma história simples, de um cidadão brasileiro que viveu esses 77 anos com os outros."

EU É UM OUTRO (448 págs.)
Autor: Roberto Freire
Editora: Maianga
Quanto: R$ 39
Lançamento: hoje, às 19h
Onde: Fnac (av. Pedroso de Moraes, 858, SP, tel. 0/xx/11/3097-0022)
 

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