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22/02/2003 - 03h49

"Meus livros irão desaparecer", diz Stanislaw Lem

IVAN FINOTTI
da Folha de S.Paulo

Após se recusar a dar "qualquer tipo" de entrevista devido aos cuidados com a saúde, Stanislaw Lem, 81, concordou em responder, por e-mail, a uma ou duas perguntas da Folha.

Ao falar de "Solaris" e de seu legado à ficção científica, o autor se empolgou e, de sua casa na Cracóvia, Polônia, concedeu a seguinte entrevista.

Folha - Pode-se dizer que um dos temas de "Solaris" é a idéia de que jamais conseguiremos nos comunicar com um alienígena?
Stanislaw Lem -
Eu não me envolvo na interpretação de meus livros; deixo essa tarefa para o leitor. E eu nunca me sentei na minha mesa de escrever com um plano completo para o livro inteiro. O último capítulo de "Solaris" foi escrito após uma parada de um ano. Eu tive que deixar o livro de lado, já que não sabia o que fazer com meu herói. Hoje, eu nem mesmo me lembro a razão de não conseguir terminá-lo por tanto tempo...

Folha - Quais suas lembranças daquele momento?
Lem -
Só me lembro que a primeira parte foi escrita num jato, com fluência e facilidade, enquanto a segunda foi terminada, depois de um longo tempo, em um dia de sorte. O fato é que eu não tenho um retrato final da obra toda. Quando eu guio Kelvin pela estação de Solaris e o faço encontrar o assustado e bêbado Snaut, eu não sabia o que estava deixando Snaut ansioso. Eu não tinha idéia de por que Snaut estava tão assustado com um estranho completamente inocente. Naquela hora, eu não sabia, mas logo eu descobriria, porque eu continuei escrevendo.

Folha - Há mais de dez anos o sr. não escreve ficção. Por quê?
Lem -
Em 1989, parei de escrever ficção. Apesar de ter várias idéias para novos projetos, cheguei à conclusão de que não seria conveniente fazer uso delas em face da nova situação mundial. A materialização de alguns de meus conceitos (isto é, a transformação do fantasmagórico em realidade) paradoxalmente se transformou em um obstáculo para o favorecimento da ficção científica.

Folha - O que mudou na prática?
Lem -
Agora eu estou cada vez mais consciente do fato de que não sei nada. Não sou nem capaz de me familiarizar com todas as novas teorias científicas. Às vezes, tenho a impressão que as universidades crescem num grau mais rápido que o próprio universo enquanto os professores se multiplicam de forma ainda mais rápida. De dois em dois anos, cada um deles tem que publicar um novo livro (obviamente descrevendo uma nova teoria). Idéias malucas não são incomuns nas ciências, mas quem lerá todos esses livros? Quem irá separar o nonsense daquilo que tem valor? Quem colocará tudo isso junto numa perspectiva correta?

Folha - Quem?
Lem -
Deve haver alguns gênios por aí, mas eu não sou mais capaz de reconhecê-los. Não acredito mais, mesmo que tentasse gritar o mais alto possível, que eu possa mudar alguma coisa. Esse crescimento exponencial não vai parar. E daí, já que meus livros foram traduzidos para 40 línguas e venderam 27 milhões de exemplares? Eles irão todos desaparecer, já que enxurradas de novos livros estão inundando tudo, arrastando tudo o que foi escrito antes. Hoje, um livro numa livraria não tem nem tempo de pegar um pó. É verdade que atualmente vivemos mais, mas a vida de todas as coisas ao nosso redor ficou bem menor. O mundo está morrendo tão rapidamente que não é mais possível se acostumar a nada.

Folha - Muitas pessoas conhecem seu trabalho por causa das adaptações cinematográficas. O sr. concorda? O que pensa disso?
Lem -
Só recentemente Hollywood "descobriu" meus livros. Por isso, seria difícil falar sobre qualquer influência séria das adaptações cinematográficas na recepção ao meu trabalho. Fora o "Solaris" de Tarkovsky, o filme de Soderbergh foi a primeira adaptação de grande orçamento de um dos meus trabalhos.

Folha - Na ocasião do lançamento de "Solaris" de Tarkovsky, o sr. criticou o filme. O sr. não gosta da adaptação? Por quê?
Lem -
Eu definitivamente não gostei do "Solaris" de Tarkovsky. Ele e eu diferimos profundamente em nossa percepção do romance. Enquanto eu imaginava que o final do livro sugeria que Kelvin esperava encontrar algo extraordinário no universo, Tarkovsky tentou criar a visão de um cosmos desagradável, seguida pela conclusão de que se deveria voltar imediatamente para a Mãe Terra. Estávamos como um par de cavalos arreados, cada um puxando a carroça na direção oposta.

Folha - E que tal o filme de Soderbergh? Quais os pontos positivos e negativos da obra?
Lem -
Apesar de admitir que a visão de Soderbergh não é destituída de ambição, elegância e atmosfera, eu não estou encantado com a proeminência de amor. O problema é que mesmo uma adaptação trágico-romântica exige demais da massa de espectadores que se alimentam da papinha de Hollywood. Se alguém se atrevesse a fazer uma adaptação fiel, temo que seria entendida apenas por audiência minúscula.

 

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