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23/03/2003 - 06h28

Academia envia sua mensagem ao mundo hoje

INÁCIO ARAUJO
crítico da Folha de S.Paulo

Quem vai ganhar o Oscar? Às vésperas da premiação, a pergunta se reveste de uma ansiedade que lembra turfistas antes de começar o próximo páreo.

O Oscar tem, de fato, um quê de competição esportiva. Mas o esporte tem a vantagem da exatidão, que falta às artes: normalmente, ganha o melhor (e se não era, torna-se). Para a maior parte do público, o Oscar é um evento que nos liberta do caos crítico e instaura um pouco de ordem. Diz, enfim, qual é "o melhor".

Será mesmo? Uma olhada nos vencedores do passado mostra que a distância entre um ganhador e a posteridade é, às vezes, tão grande quanto a distância que separa Washington de Bagdá. Da atualidade política à simpatia dos envolvidos e ao interesse dos estúdios, muita coisa entra na conta.

Por isso a curiosidade, este ano, é redobrada. O 11 de setembro foi absorvido por uma política de Estado. Como reagirá a comunidade hollywoodiana, de maioria liberal (que significa não conservadora)? Que mensagem enviará a Academia aos EUA e ao mundo?

Se a resposta for política, é difícil que o prêmio fuja das mãos de "Gangues de Nova York". Ali estão certos fundamentos da América: o pendor pela barbárie, a inclinação à violência, a intolerância religiosa. Tudo, enfim, que faz o mundo ficar arrepiado a cada vez que G. W. Bush surge na TV.

Mas há outras respostas possíveis. A prudente seria "Chicago", que retoma a tradição evasiva dos musicais. A culturalista nos remete a "As Horas". A tradicional, a "O Pianista" (outra vez Holocausto). A desesperada, a "O Senhor dos Anéis: As Duas Torres".

Em ocasiões específicas, o Oscar soube ser político. Sob sua aparência inocente, "A Vida de Emile Zola" ganhou em 1937 narrando a trajetória de firmeza do escritor francês durante o Caso Dreyfuss. Não tem nada a ver, em princípio, mas firmeza era o que se pedia com Hitler, a ameaça. Mas o filme era frouxo e, com razão, o prêmio de direção coube a Leo McCarey ("Cupido É Moleque Teimoso").

Em 1946, a Academia celebrou o fim da guerra e condenou seus horrores premiando "Os Melhores Anos de Nossas Vidas", de William Wyler, em que a volta ao lar dos soldados no pós-guerra é a questão. No ano seguinte, contemplou o anti-semitismo de "A Luz É para Todos", de Elia Kazan. No momento da Guerra da Coréia, manifestou novamente sua oposição a eventos bélicos, e o Oscar maior foi para "A um Passo da Eternidade", de Fred Zinnemann.

O ano de maior ambiguidade foi 1954, pois o ganhador foi "Sindicato de Ladrões", de Elia Kazan. Ora, Hollywood combateu a "caça às bruxas" em peso. Kazan foi estigmatizado como delator. "Sindicato" era um ótimo filme, mas em grande medida era também uma justificativa da delação (não um pedido de desculpas).

Nem sempre a política pesa em premiações políticas. Em 1970, em pleno Vietnã, o Oscar foi para "Patton - Rebelde ou Herói", de Franklin Schaffner: o talentosíssimo elogio de um militar militarista, mas um grande filme.

Um ano chave é 1976: "O Franco Atirador", de Michael Cimino, representou o momento em que a América levantava a cabeça após a derrota no Vietnã, como a dizer "vamos para a próxima". E foram.

Há também as premiações que, sem parecer políticas, o são. Casos de "Ben-Hur" (1959), de William Wyler, e de "Gladiador" (2000), de Ridley Scott, que recuam ao Império Romano. E aqui vale recorrer a Gilles Deleuze que, ao falar de Cecil B. DeMille, decifra o sentido histórico de espetáculos como esses: tal recuo e suas barbáries seriam um modo de dizer que a história tem uma finalidade. Que todas as atrocidades do passado, sobretudo as ligadas à ausência de fé cristã (ou judaica), seriam como um caminho até a liberdade, isto é, à democracia americana. Em 1959, estávamos no auge da Guerra Fria. Em 2000, na era Clinton, de paz e amor.

O Oscar 2003 chega no meio de uma nova tempestade. Breve saberemos até que ponto a Academia se sente concernida por isso e que recado mandará ao mundo.

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