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28/03/2003 - 19h13

"Durval Discos" é um presente pelos meus 72 anos, diz Etty Fraser

MARCELO BARTOLOMEI
Editor de entretenimento da Folha Online

Um dos grandes nomes do teatro brasileiro, a atriz Etty Fraser, 72, ganhou um presente, como ela própria diz, ao retornar às telas dos cinemas no filme "Durval Discos", filme de estréia de Anna Muylaert que está em cartaz em São Paulo e Porto Alegre a partir desta semana.

Divulgação
Etty Fraser ao lado de Ary
França em "Durval Discos"
Etty é uma mulher essencialmente de teatro, mas sua participação no filme é também um marco em sua carreira. Defensora dos direitos da classe teatral e fundadora do Teatro Oficina ao lado de Zé Celso Martinez Correa, sua performance no longa também é um presente ao espectador.

Afastada dos cinemas desde o fim dos anos 70 e do teatro por causa de uma embolia pulmonar que a fez passar quase um ano de cama entre 2001 e 2002, ela disse, em entrevista à Folha Online, que nunca mais havia feito cinema por falta de convite. Depois de filmar "Durval Discos", ela ainda fez a peça "A Importância de Ser Fiel", ao lado do marido, o também ator Chico Martins, 78.

Eles não trabalhavam juntos nos palcos desde "Pequenos Burgueses", em 1990, última peça em que repartiram o camarim. "O bom é a gente estar trabalhando junto e se curtindo. A gente fica pensando: será que eles vão colocar a gente no mesmo camarim? Porque a gente sempre ficou juntos", afirmou a atriz.

Divulgação
A atriz Etty Fraser (à esq.), ao lado de Ary França e da menina Isabela Guasco em "Durval Discos"

Confira trechos da entrevista:

Folha Online - Como foi para a sra. fazer cinema depois de tantos anos em teatro?

Etty Fraser -
Foi um presente, e eu não me canso de dizer isso, que a Anna [Muylaert, a cineasta] me deu pelos meus 72 anos. Eu sempre quis fazer bom cinema. Eu fiz alguns filmes... até com a Vera Fischer. Trabalhei na época da pornochanchada. Fiz um filme dos anos 70 chamado "Efigênia Dá Tudo que Tem", que era um filme interessante, mas chegava na metade virava pornochanchada.

Folha Online - Com este título...

Etty -
Pois é... mas sabe que não tem este significado... Sabe o que que Efigênia dava? A fortuna dela, o dinheiro... Mas a idéia era o duplo sentido, claro...

Bem, e a Anna veio me convidar há uns quatro anos para fazer um curta-metragem, "A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcante", em que eu fiz uma pontinha. Ela me disse que quando fizesse um longa-metragem faria um papel para mim. Um dia ela veio com o primeiro roteiro, eu li e adorei o personagem. Daí demorou quatro anos porque ela fez vários projetos e eu fiz a novela "Torre de Babel" no Rio de Janeiro, saí de lá e tive uma embolia pulmonar, fiquei um ano de cama.

Saí da doença, bem, e chegou a hora de fazer o filme. Quando eu soube que o Ary França, que é um ator maravilhoso, havia passado pelos testes de ator, fiquei muito feliz.

Folha Online - A sra. já havia trabalhado com o Ary França?

Etty -
Nunca. Eu sou fundadora do Teatro Oficina. Sou muito mais velha que o Ary. Durante quase dez anos, estava no Oficina e depois fiz muitas peças. A última foi com o Fábio Assunção, o Otávio Muller e o Oswaldo Mendes, dirigida pelo Marco Ricca, "Oeste", e depois substituí uma atriz no "Porca Miséria".

Começamos a ensaiar para fazer o filme e eu me apaixonei pela Anna. Ela disse: eu sou uma diretora estreante e vocês são atores há muito tempo. Eu tenho necessidade de ensaio e nós dissemos que também tínhamos. A coisa que a gente mais gosta é de ensaiar, especialmente em teatro. A gente começou na minha casa, vinha o Ary e ela. Uma das cenas que eu mais gosto é aquela do almoço, em que os dois estão comendo. A primeira vez que a gente leu a gente já fez sentados e comendo.

Os ensaios duraram um mês e meio. Tudo deu muito certo. Você sabe como foi o encontro da casa para filmar?

Folha Online - Não, me conte.

Etty -
A produtora, Sara Silveira, estava procurando uma casa para alugar em Pinheiros. Tinha três casas e ela descobriu a imobiliária. Ela pediu para alugar as casas, mas eles disseram que iam derrubar tudo, que poderia quebrar e usar para o que quisesse. Sabe aquela hora do cavalo lá em cima? Fizeram um buraco na parede do quarto do Durval e construíram uma rampa imensa. Me perguntaram um dia se era uma produção barata, mas é uma produção bem carinha até.

As coisas começavam a funcionar e a Anna ia nos ligando para falar. Mais de cem meninas fizeram teste para o filme, mas a Anna queria uma menina sem vícios, que nunca tiveram feito nada para a TV. Ela escolheu a Isabela Guasco, sabendo que teria mais trabalho.

Tivemos outro problema, com a figurinista, que é maravilhosa, a Marisa. Ela falou que tinha que me mudar completamente, me transformar em uma mulher de classe média-baixa de Pinheiros. Durante muitos anos, minha mãe me dizia: quer ser gorda, seja, mas seja uma gorda elegante, não seja uma gorda relaxada. Eu toda a vida usei estes vestidos retos.

Divulgação
O elenco de "Durval Discos" em
cena na rua, em SP
De repente, ela me apareceu com um vestidinho que mostrava a banha aqui e ali. Eu fiquei desesperada até que a Anna perdeu a paciência e falou: "Esta não é Etty Fraser, é Carmita". Na hora de fazer o cabelo, que estava grisalho, ela queria que eu usasse uma peruca. No ensaio, eu coloquei uma presilha e ela achou que ficou bom.

Daí eu comecei a sentir o personagem. A gente começou a ensaiar de cara com a roupa. Comecei a me sentir a coitada da Carmita. O resultado, eu acho, foi muito bom. Fiquei muito feliz quando eu me vi depois.

Lá era uma comilança louca, eu tinha engordado muito. A médica me disse que eu precisava emagrecer, pois estava com falta de oxigenação. Fiz um tratamento e emagreci alguns quilos.

Folha Online - Como foi compor a Carmita, seu personagem? Ela é uma mulher muito triste e a sra. é o oposto...

Etty -
Eu sou uma atriz que entro no personagem, sinto o que o personagem é, tentando me colocar no lugar dele. Não que eu incorpore o personagem. Sou a Etty Fraser, com toda minha alegria e felicidade, mas querendo sentir o que o personagem é. Tem um pequeno senão. Chico [Martins, também ator], meu marido, e eu, adoramos crianças. A gente ainda não tem netos. A gente é louco por criança. Foi a única coisa que eu tinha em comum com a Carmita. Isso foi fácil fazer.

O negócio de você procurar a memória emotiva não funciona comigo. Eu não tenho este sofrimento que ela tem. Tenho que sentir o personagem. É como faço com todos. Eu fiz uma peça, "Os Inimigos", há uns anos atrás, logo depois de "Pequenos Burgueses", em que eu era uma mulher de classe média russa, esculachada, com saia e pernas abertas, e de repente mudei para uma mulher da alta burguesia, chiquérrima. Tive de mudar totalmente a maneira de ser, de me comportar. A Beatriz Segall fazia esta peça comigo e me levou um dia para conversar com a madame Segall. A dona Leonor Mendes de Barros, mulher do Ademar de Barros, frequentava o mesmo cabeleireiro que eu. Comecei a captar as posturas e assim pego os personagens.

Folha Online - A sra. é uma atriz essencialmente de teatro. Quando foi seu último filme?

Etty -
Meu último filme foi em 1978, mas minha experiência é maior em teatro. Eu gosto de cinema, mas nunca mais recebi convites. O problema do cinema é que não tem começo, meio e fim. A gente filma antes uma cena que pode ir para o final do filme. Eu sempre gostei muito, mas não era convidada.

Acho que é uma arte muito gostosa, principalmente quando você pega uma diretora como a Anna Muylaert, que dirige como se fosse para teatro. Ela dá muita atenção para o ator, para ele se sentir apoiado. Quando ela não gostava de alguma coisa, ela ficava em cima da gente.

Folha Online - Como a sra. avalia o panorama atual do cinema?

Etty -
Tem muita coisa boa acontecendo. Adorei "O Invasor", "Abril Despedaçado" e muitos outros... Eu vejo com muito otimismo o cinema brasileiro. A gente conheceu várias fases. Só a Atlântida que não participamos. Eu vejo com olhos muito otimistas. Achei muito gostoso ir ao festival de Gramado [onde o filme faturou sete Kikitos]. Eu já havia recebido aplausos em cena aberta no teatro, mas pelo carinho do público, mas na exibição de "Durval Discos" aconteceu isso e eu fiquei besta.

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