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03/08/2003 - 10h36

"Mulheres Apaixonadas" é marco na tradicional estratégia de novelas

LAURA MATTOS
da Folha de S.Paulo
CLÁUDIA CROITOR
da Folha de S.Paulo, no Rio

Não basta estar nas revistas de fofoca, nos programas de besteirol vespertinos da TV e ser assunto no café da manhã, almoço e jantar dos telespectadores. Novela de sucesso que se preze vira tema de discussão na prefeitura, no Congresso, no governo, na igreja.

A atual novela das oito, "Mulheres Apaixonadas", é um marco na "estética da polêmica". Desta vez, o autor, Manoel Carlos, polêmico de longa data, não perdeu a chance de plantar a semente da repercussão, por mais coadjuvante que pudesse ser o personagem.

Exemplo claro é a família de Carlão (Marcos Caruso). Fora do núcleo central, a casa vive num eterno barulho. O filho, virgem, já falou sobre masturbação. A filha maltrata os avós, que têm dúvida se devem ou não morar num asilo. Já apanhou do pai de cinta.

E isso não é nada perto do casal teen de lésbicas, do padre apaixonado por uma socialite, do marido espancador, da professora que quer namorar um aluno menor...

Tanto assunto transbordou o simples bate-papo de telespectador. Por um lado, o Ministério Público reclassificou a novela para as 21h e a Prefeitura do Rio dificultou a gravação de uma cena de morte por bala perdida. Por outro, gerou no Congresso discussão sobre direitos dos idosos e ampliou o número de mulheres em grupos anônimos de ajuda.

E, no Ibope, o resultado não poderia ser diferente: na semana passada, "Mulheres" bateu recorde, com 55 pontos de média (mais de 2,6 milhões de domicílios só na Grande SP). Manoel Carlos, 70, não entrou ontem nessa escola. Sua primeira "aula" foi como colaborador de Gilberto Braga, em "Água Viva" (1980). A novela, estréia dele em horário nobre, teve topless, um escândalo na época.

Em "Laços de Família", o autor também foi "rei" da notícia. A Justiça proibiu a participação de menores, a igreja não liberou paróquias para a cena de um casamento em que a noiva estava grávida, e a novela ganhou prêmio por abordar a doação de medula. Batizadas de merchandising social, as ações "instrutivas" agradam a audiência. A prevenção ao câncer de mama, tratada em "Mulheres", já foi abordada em outra de Manoel Carlos, "História de Amor" (96), gerando procura por exames preventivos.

Para o autor, as polêmicas são necessárias ao sucesso e sustentam a longa duração das novelas. "São mais de 200 capítulos. Se considerarmos que cada capítulo tem um mínimo de 25 cenas, serão 5.000 a serem criadas."

Ele diz que, ao elaborar a história, tem idéia da repercussão que causará. "Procuro pensar em tudo, já que uma novela precisa de muitos ingredientes para decolar. Uma boa história exige uma pitada de vários condimentos."

Num ramo diferente da "estética da encrenca" está Carlos Lombardi, de "Kubanacan". A atual novela das sete está na mira do Ministério da Justiça, que vê excesso de violência e sexo na história. Problema semelhante teve a trama anterior do autor, "Uga Uga", exibida na mesma época de "Laços". A Globo afirma que as novelas são adequadas ao horário. E Lombardi, que não cria "polêmica alguma junto ao público. Quem cria é a mídia". E a fórmula dá certo: as duas novelas são sucesso de ibope. "Kubanacan" bateu 40 pontos de média nacional.

A "escola da polêmica" já mexeu com eleições e até com a lei do divórcio. Em 1978, a questão "Quem matou Salomão Ayala?", de "O Astro", "parou" o país. Após o fim da trama, Carlos Drummond de Andrade escreveu: "Agora que 'O Astro' acabou vamos cuidar da vida, que o Brasil está lá fora esperando". Vamos?

As polêmicas de hoje

- "Mulheres Apaixonadas" (2003)
Autor: Manoel Carlos
O que não falta na novela das oito é polêmica. Tem alcoolismo, romance de professora com aluno menor, [apontar, com um traço, para 03iimulheres1], idosos maltratados, marido espancador, lésbicas, aborto, morte por bala perdida, padre apaixonado por socialite etc. A novela foi reclassificada pelo Ministério da Justiça para as 21h, e a Globo teve dificuldades de conseguir autorização da Prefeitura do Rio para gravar a cena da bala perdida

- "Kubanacan" (2003)
Autor: Carlos Lombardi
Como de costume, a trama de Lombardi, exibida às 19h, é acusada de abusar de cenas de sexo e violência, impróprios, segundo a lei, para o horário. A Globo diz que o enredo é adequado ao público-alvo e que não há cenas violentas, mas ação

As polêmicas de ontem

- "Laços de Família" (2000/ 2001), de Manoel Carlos
A Igreja Católica não liberou suas paróquias para a gravação de um casamento porque a noiva estava grávida e havia roubado o namorado da mãe. A Justiça proibiu a participação de menores

- "Uga Uga" (2000/2001), de Carlos Lombardi
A Globo foi advertida pelo Ministério da Justiça sobre o excesso de violência da novela, das sete, cujo protagonista era um índio loiro. O Ministério Público tentou impedir a participação de menores. O autor foi acusado de estereotipar o índio

- "Torre de Babel" (1998/1999), de Sílvio de Abreu
Violência (o personagem de Tony Ramos matou a mulher com uma pá), lésbicas e um viciado em drogas foram criticados pelo então arcebispo do Rio, dom Eugênio Sales. Uma explosão matou dependente e homossexuais

- "O Rei do Gado" (1996), de Benedito Ruy Barbosa
O senador Caxias (Carlos Vereza) faz um discurso sobre sem-terras. No plenário havia só três senadores (um dormindo, outro lendo e um terceiro ao celular). O senador Ney Suassuna protestou no Senado contra o que chamou de "distorção da realidade"

- "O Salvador da Pátria" (1989), de Lauro César Muniz
No projeto original, o bóia-fria Sassá Mutema (Lima Duarte) chegava à Presidência. Como era ano de eleições, o autor foi pressionado. A esquerda identificou Sassá com o então candidato Lula e reclamou que o personagem era manipulado. A direita achava que Sassá era propaganda do petista. O personagem acabou envolvido numa investigação policial

- "Os Gigantes" (1979), de Lauro César Muniz
Paloma Gurgel (Dina Sfat) desliga um aparelho que mantinha vivo seu irmão, e a novela passa a discutir a eutanásia. A trama também insinua uma relação homossexual feminina

- "O Grito" (1975/1976), de Jorge Andrade
Moradores de um edifício de SP queriam expulsar um garoto com deficiência mental que gritava à noite. Na vida real, condôminos de um prédio do Rio tentaram expulsar uma criança com problemas semelhantes. Paulistanos acusaram o autor de manchar a imagem de SP. No Congresso, um deputado fez um pronunciamento contra a novela

- "Cavalo de Aço" (1973), de Walter Negrão
A tentativa de discutir a reforma agrária foi censurada. O autor, então, resolveu dar destaque à personagem de Betty Faria, uma ex-usuária de drogas, e abordar a questão do vício. Foi censurado novamente

- "Bandeira 2" (1971/1972), de Dias Gomes
A censura exigiu que o autor "matasse" Tucão (Paulo Gracindo), um bicheiro. Na gravação do enterro, mais de 3.000 telespectadores foram ao cemitério

- "A Cabana do Pai Tomás" (1969), adaptação de Hedy Maia
Sérgio Cardoso, que era branco, interpretou o protagonista, um escravo negro. Pintava o corpo, usava peruca e rolhas no nariz. A não escalação de um ator negro gerou protestos da classe artística e ganhou as páginas do jornal "Última Hora"

Fonte: "Dicionário da TV Globo, vol. 1: Programas e Dramaturgia & Entretenimento". Jorge Zahar Editor
 

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